sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Nosso futuro e o desperdício das inteligências

Na escola, ainda criança, fiz como todos os alunos um teste para medir QI. Sei lá como me saí, não deve ter sido grande coisa, também não importa, hoje se sabe que estes testes apontam só uma pequena parte da inteligência. Só me lembro do entusiasmo que tive fazendo o teste. Sou disléxico, algo que na época era um sinal de estupidez, ou como diziam na época "burrice". "Como você não aprende? Como não consegue ler isto?" 
Não sei bem quando, creio que volta de 1983, mas lembro bem quão feliz fiquei quando li que o conceito inteligência mudara considerando falha a avaliação por um único parâmetro, como era feito com o famoso, todo poderoso, teste de QI. A ciência abria caminho para o que se nomeou inteligências múltiplas e habilidades específicas. Não me lembro de terem citado Howard Gardner da Universidade de Harvard, o responsável pela mudança de parâmetro.

Fazia sucesso, faz e de certa forma continua sendo considerado inteligente, quem tem fluidez nos parâmetros sociais do momento, como ser chique, ter dinheiro, falar bem, boa memória, ter sucesso... Pode até ser, e são habilidades importantes, mas são inteligências mais voltadas a condução da boiada. 

Tive a sorte de conviver com um bom número de pessoas com inteligência acima da média e com uns poucos que podem ser considerados superdotados. Tenho inveja dos superdotados única e exclusivamente por suas facilidades com respostas específicas; e definitivamente não tenho a mais remota inveja deles na dificuldade, em alguns casos profunda dificuldade, que alguns tiveram com o tratar de algumas situações básicas do dia a dia, inclusive nos relacionamentos. É um mundo aparte que aqui no Brasil não é compreendido, respeitado, aproveitado, e estimulado, principalmente no caso dos superdotados.

Como tudo o bom aproveitamento se constrói nos detalhes.
O que seria mais importante; mostrar seus ricos brincos de diamantes nas orelhas ou vencer o Mundial? O que tem a ver uma coisa com outra? Muito mais que possa parecer: chama-se postura.
Um dos bons diretores de multinacional de seu tempo foi contratado e assumiu o marketing de uma respeitadíssima franquia de lanches rápidos. Feliz da vida deu-se de presente um carro importado, um luxo naqueles tempos. No primeiro dia que apareceu com o carro na empresa recebeu em seu escritório a visita do presidente da empresa que sem meias palavras disse: Ou continua na empresa ou fica com o carro, escolhe.

A partir do momento que os Beatles decidiram que não iriam mais fazer shows e passaram a só trabalhar em estúdio foi criada uma extensa e incomparável obra prima conhecida e reconhecida em todo mundo. Mudaram a postura da fama para o resultado.

A construção de resultados está intimamente ligada à posturas. Qualquer distração tira o foco, diminui o potencial da inteligência, de qualquer nível de inteligência.
Uma das formas de se avaliar a inteligência é através de resultados, mas não a única. A postura de nossa sociedade cobra posturas sociais de sucesso, o que pode estimular ou mascarar uma verdadeira inteligência.

A vida é feita de escolhas, algumas delas parecem detalhes ou bobagens, mas é justamente no detalhe que está a inteligência e por conseguinte o resultado proveitoso, mesmo que não pareça ou seja ou ainda se apresente imediatamente. 

Inteligência muitas vezes é considerada perigosa para o poder ou para a boiada e é até perigosa para a outra inteligência, a concorrente. Entra aí o que se pode chamar de inteligência coletiva para avaliar o que está em jogo. Em todo este jogo complexo de avaliações e resultados, a inteligência especial, a que faz diferença, pode ou não ser um produto vencedor dependendo da forma como toda a sociedade a vê e aceita, mais, como a protege. Uma sociedade com complexo de inferioridade enraizado provavelmente repudiará e perderá suas inteligências mais valiosas, proveitosas. A boiada se junta para manter seu status quo de boiada. Múúúúúú.

Em nome da moral e dos bons costumes o MEC foi simplesmente desmontado. Segundo aquela tropa que agora sai era preciso retirar todos comunistas do caminho. O comunismo é o mal e ponto final, sem mais. Em nome da moral, dos bons costumes e da fé inabalável também foi preciso desmontar a ciência porque eles (cientistas e pesquisadores) duvidam, questionam, são todos comunistas. 

Urge neste Brasil ter uma discussão séria sobre educação, que no final das contas é inteligência, e o ponto de partida deve ser o que se define como inteligência, o que tudo indica que neste país não está muito claro, acredito que mesmo para os que trabalham com inteligência. Talvez para desembaraçar o tema e ter algumas respostas mais digestivas para o grande público se deva definir a princípio para que se quer a inteligência, qual sua finalidade ou algum ponto de partida, rastaquera que seja. A bagunça que está sendo deixada, melhor dizendo, abandonada pelos que foram derrotados é tão grande que a reconstrução deve ser feita tijolo por tijolo, como é feito na reconstrução das cidades arrasadas pela guerra. 

O único ganho com a barbárie que nos foi imposta goela abaixo, e aceitamos, diga-se de passagem, nestes últimos tantos anos está justamente no ter que reconstruir a educação, a cultura e a ciência praticamente do zero, ou seja, revisar o que foi, é e para que se pretende a "nossa inteligência".

Muitos dos superinteligentes são considerados esquisitos, uns chatos. Estamos montados numa boiada sendo arrastados ora pelos vencedores, que são a minoria, ora pela imensa maioria de perdedores que faz e anda se vai pisotear as novas sementes de verde pasto.
Os números provam que muito das melhores inteligências brasileiras estão voando para pousar e viver tranquilas em outras pastagens. Triste! 

por Gonçalo Junior
A15 Estadão
11 de agosto de 2022

O Estadão só abre para quem assina. Infelizmente não faz como o NY Times que permite que não assinantes leiam alguns artigos por mês. Como esta questão da inteligência é muito relevante e a maioria de meus leitores não vão ter acesso ao bom artigo eu fiz o que não devia e peguei as referências do próprio artigo e o faço como utilidade pública:
  • Olzeni Ribeiro, neuropsicopedagoga, especialista em superdotação, criatividade e expertise 
  • Ada Toscanini, presidente da Associação Paulista de Altas Habilidades e Superdotação (Apahsd)
  • Claudia Hakim - autora do livro Superdotação e Dupla Excepcionalidade
  • Prefeitura: Atendimento Educacional Especializado (AEE); Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI).
  • Dia Internacional da Superdotação

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