Com crise do corona se fala na
rapidíssima propagação do vírus em favelas porque as condições são
propícias: baixa ventilação e insolação das residências, alto número de pessoas
vivendo e dormindo juntas num espaço exíguo, esgoto correndo a céu aberto, não
raro falta de água encanada, lixo e entulho não recolhido e outros mais. No
caso específico das favelas do Rio de Janeiro a situação deve ser mais trágica
pelos problemas já existentes na saúde pública. Pior ainda na Rocinha, um dos
mais altos índices de tuberculose do país.
Faz muito tempo que fico
imaginando e sonhando como se poderia fazer uma reurbanização nas favelas para
melhorar as condições de sanidade urbana e das moradias. As leis brasileiras
praticamente inviabilizam uma intervenção como a que foi feita em várias partes
do mundo e em vários momentos da história, principalmente porque favelas são
construídas em áreas invadidas e normalmente não há posse legal do terreno. Por
outro lado, e dificultando mais, há o populismo, de todas as linhas ideológicas
(são ideologias?), da esquerda à direita, cada uma com suas intenções, todas
asquerosamente populistas com certeza absoluta. Estes aproveitadores só
sobrevivem se "proteger" estas populações pobres lutando com todas as
forças para manter o status quo. O mesmo em relação à educação. Favelado,
analfabeto, doente e outros horrores mais são um puta negócio rentável.
Problemas de insolação e
ventilação não é uma exclusividade dos mais pobres. A baderna no urbanismo e
construção civil brasileira é histórica e inacreditável, e os problemas se
sucedem. Exemplo fácil fácil são os edifícios altos construídos a beira mar
fazendo sombra nas praias e cortando a ventilação do resto da cidade.
Copacabana que o diga, burrice brasileira que se espalhou por praticamente
todas as capitais litorâneas. Daí para frente temos infinitos exemplos de
aberrações. O título do El Pais, jornal espanhol respeitado como um dos
melhores do mundo, diz tudo: “Tuberculose na Rocinha expõe o Brasil que estacionou
no século XIX ; Favela do Rio de Janeiro tem uma das
maiores taxas de incidência da doença no país.”
Para conter revolucionários,
por razões militares e sanitárias, dentre outras, foi criada a Paris que hoje
todo mundo ama. Georges-Eugène Haussmann foi o
responsável por mandar abaixo a Paris medieval e abrir novas e largas avenidas,
ruas planejadas, espaços abertos de uso público, os ótimos sistemas de captação
de esgotos, de águas pluviais, de distribuição de água tratada que funcionam
com eficiência notável até hoje. Criou novos parques, construiu novos
edifícios, deu um padrão moderno e eficiente para a cidade e a vida dos
cidadãos. Os trabalhos começaram em 1853 e terminaram em 1870, mexeu com a vida
de muita gente, deve ter criado inúmeros dramas, mas deu resultado. A saber,
Paris recebe mais de 25 milhões de turistas/ano, o que rende mais de 25 bilhões
de Euros/anos, nada mal; só por aí já valeu.
Algumas favelas estão para
ficar. É impossível e impensável tirar uma Paraisópolis, uma Rocinha, ou outra
favela que já virou cidade. Aí não é mais uma questão de legalidade ou não, de
posse ou não. Em São Paulo são mais de 1.700 ocupações irregulares, com quase
400 mil residências e 11% da população paulistana. No Rio de Janeiro são 763
favelas com algo em torno de 1.4 milhão de cidadãos, 22% da população carioca.
Não dá para mexer em tudo, mas é possível fazer intervenções pontuais para ir
minimizando passo a passo os problemas mais graves. Faz muito tempo uma grande
favela que não tinha lazer derrubou barracos, em comum acordo, para ter um
campo de futebol. Em Heliópolis, São Paulo, foram feitas várias melhorias, de
pintura das fachadas, construção de escola e centro cultural, onde está a
Orquestra Sinfônica de Heliópolis. Há precedentes de melhoras, é possível
fazer.
Mas um detalhe: um dia a TV
Cultura teve que pedir autorização ao chefe do tráfico de Heliópolis para conseguir
gravar a orquestra. Em outras favelas seria para as milícias, e aí vai. Fui
fazer uma vistoria na favela do Sapê e não me permitiram entrar. Voltei anos
depois e fiquei feliz que a favela foi mandada abaixo e em seu lugar construíram
edifícios bem urbanizados. Portanto, para fazer melhorias é necessário
contornar problemas legais, populistas, ideológicos, interesses comerciais, e
finalmente ou não, conquistar os donos do pedaço. Difícil, mas definitivamente
não impossível. Basta querer.
Nós, brasileiros, se pensarmos
de forma mais sensata e racional realizaríamos melhorias para a vida coletiva e
individual. Para isto tem que entender que tudo tem seu preço. Lembro da
gritaria que se armou com a demolição dos edifícios São Vito e Mercúrio,
dois famosos treme-tremes de São Paulo, que ameaçavam cair ou pegar fogo, como
aconteceu com o prédio Wilson Paes de Almeida em 1º de Maio
de 2018. Se demole é um crime, se pega fogo também é acusado de crime, mas se
faz bem pouco se fala.
Em alguns casos se faz urgente
ação. Tivemos recentemente uma profunda crise de água e se falou praticamente
nada sobre as invasões que degradam e poluem represas e nascentes,
inviabilizando a água servida para dezenas de milhões. Temos que ir atrás dos
que comercializam desgraças e de alguns políticos que apoiam a loucura.
Há entidades civis fazendo um
belíssimo trabalho para melhorar a vida destas populações vulneráveis, mas isto
não basta. É necessário que haja uma política de estado para realmente
chegarmos a resultados de qualidade que sejam perenes.
O primeiro passo deveria ser
pegar todos que fizeram estudos e já tem alguma proposta, todos que tem
informação e experiência com o problema, colocar todos juntos com urbanistas,
arquitetos, historiadores, sociólogos, engenheiros, sanitaristas, médicos,
defesa civil, Chefe da Casa Civil, Secretários, órgãos estaduais e
municipais... e favelados ou vulneráveis - repito - e favelados ou vulneráveis,
para estabelecer um cronograma de ações. E agir.
Qualquer que seja o resultado
deste cornonavírus sobre as favelas, os mais pobres e vulneráveis deste país
não dá para continuar fechando os olhos para a barbárie instalada. Mesmo que as
previsões estejam todas erradas melhorar a condição de vida dos necessitados é
melhorar a saúde de todos, sem exceção. É provável que venhamos aprender isto
da maneira mais estúpida.
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