Foram dias de ansiedade e as
mais diversas imagens passaram pela minha cabeça. A cada conversa sobre subir a
Serra do Rio do Rastro ouvia uma coisa diferente, todas elas assustadoras, umas
mais, outras apavorantes.
Sempre gostei de cross-country,
mas o tempo fez com que minha visão não consiga mais acompanhar a trilha
vibrante nas descidas, pelo menos da forma que gostava de desce-las,
despencando. Então subidas, uma lição constante de controle da ansiedade,
controle cardio respiratório, concentração e resistência.
A primeira serra que subi foi
a que leva a Visconde de Mauá, então ainda em terrão. Quando cheguei ao topo e
vi as nuvens brancas passando sob meus pés me senti o próprio Super Homem. De
Caloi 10 e levando as bagagens dos dois que estavam viajando comigo! Sensação boa
inesquecível! Ali aprendi a nunca pensar “quando acaba?”, pois depois da cada
curva sempre tinha mais subida.
Muito lá atrás fiz uma vez o
Pico do Jaraguá e duas a Dona Francisca, a subida de serra de Joinville para
Campo Alegre, duas das boas, subidas quero dizer. O Pico do Jaraguá subi com
uma bicicleta de estrada Kettler na base da força bruta, totalmente
errado, colocando meu batimento cardíaco muito alto, para lá de perigoso. Tomei
uma bronca sem tamanho do mestre de todos Eduardo Puertolano; ouvi o que ele
disse com vergonha e muita atenção e nunca mais repeti. A Dona Francisca subi
girando redondo com mountain bike, um raro prazer. Eu estava bem e lá em cima
me perguntei "Ué? Já acabou?".
Dentro de São Paulo sempre se
sobe, algumas fortes, nenhuma longa e trabalhosa como uma serra ou montanha, e
este sempre é meu treino. Treino não, necessidade de um usuário da bicicleta
como modo de transporte. Já cheguei a subir a Ministro Rocha Azevedo, não mais.
Como diz minha família, "velho não se mete a besta". Pode-se
parafrasear: despreparado não se mete a besta. Aos 65 os dois tem validade,
dentre outros.
E aí veio o Caminho da Fé um,
dois, três, quatro, com seu sobe e desce que não para e só piora, e não tenho
vergonha de dizer que algumas empurrei. Mesmo tendo feito quatro vezes ainda
nunca cheguei na Limosa, a serra mito, a destruidora de ciclistas, conto de
terror, 11 km com 17 % ou mais de terra e pedras que faz sofrer até jipe. Toda
vez que cheguei perto algo dá errado. A última tive que voltar de Consolação
para uma reunião de trabalho que foi remarcada. Eu queria matar o maldito.
Ainda chego lá, olho para cima e empurro só de birra. Provavelmente não
conseguirei subi-la pedalando, como não consegue a maioria. Segundo Caio “história
de ciclista é como de pescador: a maioria diz que sobe pedalando sem parar...”
Das subidas asfaltadas a mais
falada é a Serra do Rio do Rastro, uma das mais difíceis do Brasil, segundo uns
poucos só perdendo da Paraty - Cunha. É uma linda paulada, 25 km com uns 1.250
metros de altimetria subindo quase constante, força no pedal sem parar. Acabei
de fazer o Desafio da Serra do Rio do Rastro e digo que se não experimentou não
sabe o que está perdendo. Os 5 km finais são o filé. Chegar lá em cima mais que
um feito é um aprendizado de vida.
O Desafio da Serra do Rio do
Rastro é realizado duas vezes por ano, uma em Março e a outra em Novembro. Esta
que participei foi a 13° edição patrocinada pela Soul. Teve 541 inscritos,
largaram 535 de Lauro Miller e chegaram 478. São várias categorias, dividas por
idade e tipo de bicicleta, largam divididos em três grupos, às 6:40 h, às 6:50
h e os mais fortes, incluindo elite, às 7:00 h. Uma festa com premiação para
todo mundo, como deve ser um evento não profissional. Eu bem devagarzinho
cheguei em 2:52 h, 433º, um pouco à frente do fundão, mas cheguei, e por si é
um feito. Os pró fizeram em 1:17 h, a média do povão em torno de 2:00 h e alguma
coisa. Eu... eu... continuo pulando de felicidade por ter pedalado lá.
Antes da largada o speaker
contou a história de uma bicicleta que caiu do rack no meio da estrada e o
motorista / ciclista só foi perceber muito depois. Quando voltou a bicicleta
não estava mais lá. Esqueceu de passar a cinta nas rodas. Um outro participante
que vinha de carro pegou a bicicleta, nova e das caras, e a devolveu. Por
incrível que pareça a bicicleta estava sem um arranhão. Triste foi ouvir o
pedido da organização para que não se fizesse trapaças durante a corrida.
A estrutura da prova foi muito
boa, bem organizada. Tem três (ou quatro) pontos com água, bananas e no km 15
banheiro. A premiação foi longa por conta do número de categorias premiadas e
teve gente irritada meio que sem razão. Era Dia da Mulher e queriam que elas
fossem premiadas primeiro, o que concordo, mas em uma das categorias femininas o último pódio demorou
para chegar. A gozação ficou por conta do sorteio de duas bicicletas para as
meninas e uma delas acabou saindo para a primeira no geral, Lisiane Boff com
1:31:10 h. "Marmelada, marmelada, marmelada...." gritava o povo rindo, mas foi realmente sorteado e mais que merecido.
Enfim, se tiver um mínimo de
rodagem, boa técnica de pedal, bicicleta com redução correta, pedalar com
calma, principalmente sair com calma, termina; que é o que vale. A saber, três
semanas antes tive uma das piores crises de coluna de minha vida e praticamente
não consegui pedalar, correr e até mesmo nadar durante este tempo, o que faço
só para manter a saúde, não como treinamento esportivo. Ou seja, quem quiser
sobe. É uma experiência maravilhosa para a cabeça que deve ser colocada na
agenda da vida.
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