A luz do sol de final de tarde entrava
pela janela convidando a largar o trabalho e ir para a rua. Silêncio e olhar
perdido.
Dei um pulo da cadeira, desdobrei,
montei e travei a bicicleta dobrável. Fazia tempo que ela não ia para rua, tive
que encher os pneus. O fiz sem sentir culpa de abandonar o trabalho parado.
Dei-me a desculpa de ter que comprar manteiga e queijo, e que teria
obrigatoriamente que usá-la no dia seguinte. Desculpas, desculpas...
Peguei a mochila, abri a porta, o
portão. Bicicleta no asfalto no calor da rua. Dobrei a esquina, apagou-se
qualquer culpa. Dei de frente com o forte contraste do azul denso com o amarelo
gritante cortado recortado com exatidão na torre da igreja e nos edifícios
atrás dela. Que luz! Dobrei mais uma esquina jogando minha culpa, meu trabalho,
minhas responsabilidades imediatas, jogando..., deixando para depois. Que
importa? Nunca havia visto o Edifício Tomie Otake assim, banhado pelo amarelo
forte, brilhante e apastelado daquele final de tarde. Parei no cruzamento e
estiquei o pescoço para a grande construção. O Tomie Otake está envelhecendo
com um buquê raro. O contraste de suas listras, ondas, formas, cores
contrastantes, vermelho, preto, lilás, roxo, foram suavizadas pelo tempo, mais
harmônicas com aquela luz estranhamente especial. O final de trade enche todo
edifício e entra em dégradé próximo às árvores, calçada desenhada e
asfalto. O trabalho de Rui Otake, seu arquiteto, mostra o peso que só as
grandes obras têm: o tempo lhes muito é favorável.
Não penso mais no supermercado. Seria
um crime perder cada segundo da magia que está acontecendo. Vou em frente, sigo
o pedal mágico. Praça Panamericana. Novamente paro, olho em volta, tento ver
onde posso ver e viver melhor o que está acontecendo e logo se acaba. Ali
próximo, ou Praça do Pôr do Sol ou Ponte Cidade Universitária, as melhores
vistas. Não há tempo, a ponte está logo ali. E no meio dela já são 19:26 h. A
ciclovia do rio Pinheiros fecha em 4 minutos. Um olhar profundo na beleza e
quando abaixo a cabeça dou com um funcionário da ciclovia vindo para fechar o
portão. Pergunto se ainda posso passar, faço comentário elogiando a beleza do
fim de trade, ele sorri e me diz para entrar. Dou uma última olhada para o Pico
do Jaraguá lá ao fundo imerso num alaranjado quase fluorescente. A semana
nublada e de ventanias limpou o ar, provavelmente daí estas cores tão
marcantes. Antes de descer a rampa giro o corpo e começo a rir de felicidade.
Está laranja no Jaraguá e um suave cor de rosa a leste, o lado contrário. Rosa!
Giro e volto a girar a cabeça e confirmo, laranja e rosa. Nunca vi igual.
Peço desculpas ao funcionário pelo
demora. Ele não se importa, também olha em volta feliz e sem tempo. Me diz para
não me preocupar que sempre tem alguém na outra saída que vai abrir o portão.
Cabeça erguida diz "Tá muito bonito", termina ele.
Pedalo na ciclovia com rara felicidade
com a vida, com a solidão momentânea, com a luz que me banha. A quem agradecer?
A quem retribuir o que tenho, o que a vida me dá?
Cruzo a Ponte Euzébio Matoso e dou com
a reta para a Cidade Jardim e Vila Olímpia com suas torres num amarelo
alaranjado incandescente meio ao rosa do horizonte cada vez mais suave. Vou me
aproximando delas e suas cores vão mudando, duas para prata azuladas, duas um amarelo
ouro muito suave.
Os funcionários me abrem sorridentes o
portão e subo rapidamente a passarela do Parque do Povo. Paro, passa um trem,
olho o trânsito das marginais e ponte, olho para o Parque do Povo. Ao fundo, lá
na Faria Lima, um edifício teima em brilhar em prata. A luz da tarde vai
baixando. A mágica vai se acabar. A quem agradecer?
Vc realmente é um poeta, gostaria q as palavras virassem imagens de uma tela.
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