terça-feira, 30 de julho de 2024

Um bom jovem brasileiro, mais um desperdício de futuro

"Opa, bom dia, tudo bem?

Então estou enrolado em um serviço e não sei quando vou conseguir fazer o serviço para o Sr. Acho melhor ver se consegue outra pessoa pra fazer o serviço. Tenha uma ótima semana. Desculpe pelo transtorno."
 
Esta mensagem em particular me doeu no coração. O rapaz que teria que terminar o serviço em minha casa, que ele entendeu como terminado, tem tudo para ser alguém nesta vida, progredir, dar um futuro bom para filho e mulher, e espero, do fundo do coração, que tenha um bom futuro. Pelo que vi aqui em casa, ele merece.

Pela vida apostei em uns poucos, contados nos dedos, que percebi terem algo diferente nas pequenas ações, movimentos e palavras. Mereciam mais que um incentivo, mereciam um empurrão. Dei. Acertei com quase todos, não sei porque, mas acertei e sou muito feliz por tere feito.

O rapaz, que pensando bem, foi gentil em me mandar a mensagem, o que a maioria sequer o faz, trabalhou em casa por uma semana como ajudante de eletricista. Chegava no horário, trocava de roupa, organizava como se deve sua área de trabalho, pegava suas ferramentas necessárias e trabalhava produzindo. Sem ficar no celular, o que para mim foi um espanto. Mais, ouvia e respondia com precisão o que lhe era pedido. Mais ainda, trocou ideias e deu palpites objetivos, precisos, sensatos sobre o que e como fazer para o trabalho geral ter melhor resultado. Quieto, focado, foi terminando seu trabalho com um padrão de qualidade acima da média brasileira. Em nenhum momento fez cara de paisagem, de irritação com um comentário ou pedido, muito menos fez aquela típica expressão de "este idiota (eu, no caso) quer vir me dizer o que devo fazer". O rapaz é muito educado, fala corretamente, é diferente, acima da média. Fala pouco, fica na dele, só deslanchou quando perguntado sobre o filho e a mulher, por quem mostra grande carinho e preocupação.
Num dos almoços dei parabéns a ele pela forma como estava trabalhando e soltei um complemento que provavelmente, ou com certeza, não entendeu: "Você tem padrão de trabalho de Estados Unidos ou Europa". O chefe dele tirou os olhos do prato, concordou comigo, mas não foi além. E eu tive que explicar. Ele ouviu sem dizer uma palavra.

A mensagem que me mandou agora pela manhã, pouco antes de quando deveria chegar aqui, aponta para um rapaz que se comporta como um trabalhador ou um prestador de serviço tipicamente brasileiro: precisa sobreviver e por isso vai atropelando. Como jovem brasileiro que nunca viajou e viu como é lá fora, não faz ideia do que seja qualidade, mas qualidade mesmo, ou o que é um serviço terminado, perfeito. Nem o que isto pode representar para construir um nome, e com isto um futuro promissor, o que ele faria com facilidade pela qualidade de seu trabalho.

Quem já recebeu uma mensagem destas sabe quanto irrita. Se pensar bem, quanto é brasileira. "Obra a gente começa, mas não sabe quando acaba", o velho, corriqueiro, pertinente e deprimente ditado brasileiro repetido por todo e qualquer cidadão que já teve que resolver problemas caseiros. Sim, deprimente ditado brasileiro, do Brasil, "do país do futuro que nunca chega", assim como as obras públicas que nunca terminam; exatamente a mesmíssima coisa.

Seu Antônio, um faz tudo que entrega seriedade e qualidade, vale como exemplo sobre o que falo. Chamou Seu Antônio, resolveu o problema, os mais diversos. Se ele não sabe como resolver, pede um tempo para estudar, ver o que é possível fazer, ou é sincero e diz não sei. Seu Antônio não enrola, muito menos dá uma de malandro. 
Seu Antônio me leva ao sujeito que se virou "Marido de Aluguél", que existe de verdade, criou uma marca. Soube aproveitar o vácuo do mercado para pequenos serviços caseiros - bem feitos. O sujeito se fez na vida.

Esperto e enganação tem aos montes. É o que mais tem. Uma amiga, verdadeiramente de esquerda, ficava muito brava quando comentávamos sobre nossas raivas contra a "piãozada que deixa tudo para trás e some". "Não é assim, vocês estão sendo injustos. Muda de conversa". Mudou foi seu discurso depois que começou uma reforma, como todas, sem fim. Rindo bateu nas minhas costas e disse impiedosa "Eu vou matar aqueles maltidos!"
Não acredito que seja o caso aqui. Bato uma aposta que ele não faz ideia de como furar o círculo vicioso do que imagina ser trabalho certo. Não faz ideia da qualidade que tem. Pena. 

O que é serviço bem feito? Qualquer serviço, ou trabalho, tem princício, meio e fim. Deveria ser uma diretriz básica, mas não é, normalmente não tem fim. Palavra é uma coisa, pagamento é outra, pago, a palavra dita não vale mais, é coisa do passado.
Quem é bom mesmo, aquele que vale a pena, que deveria ser regra, termina o serviço pedido, para por uns minutos, e antes de entregar volta para trás para checar se tudo está de fato terminado, funcionando perfeitamente, bem feito e limpo. Os melhores costumam chamar o contratante para ir junto checar tudo e ver se precisa ser feito mais alguma coisa. 
Seu Antônio, por exemplo, consertou um vazamento no box do chuveiro e pediu para voltar uns dias depois para ver se de fato o problema tinha sido resolvido. E voltou, e só aí cobrou. Num outro conserto, fui ver se tinha terminado, estava terminado e perfeito, mas Seu Antônio tinha sumido. Ele estava no tanque lavando os panos que tinha usado para limpar tudo. Simples assim, assim é que se faz.

Triste, o rapaz é muito melhor que a média, mesmo novo já fica claro que é gente séria, destes que não se acha em qualquer esquina. 
Não posso jogar toda a carga deste texto em suas costas. O serviço elétrico foi 99% muito bem realizado, faltaram umas besteirinhas de acabamento. Ele, o rapaz, não era o chefe, o contratado. Mas sobraram um monte de buracos pela casa, buracos abertos para localizar por onde passavam os fios. Eu autorizei e alguns deles os fiz pessoalmente. Fechar os buracos não estava no contratado, sei disto, concordo, mas deixar a casa esburacada também não dá.
Conversei com o rapaz para ele terminar o serviço, os 1%, e fechar os buracos. "Não posso ir hoje, não posso ir hoje também, desculpe mas não consigo fazer o serviço..."  Viva o Brasil!

O que me deixa triste é que não conversamos o "quanto", leia-se $, o que pretendia conversar aqui, como deve ser feito, olhando o montante de trabalho. Portanto ele não faz ideia se ganharia mais ou menos que em outros trabalhos.

A questão do trabalho no Brasil é uma sequência de erros em cascata, começando pelas leis e terminando em trabalhadores que simplesmente não fazem a mais remota ideia do que é realmente mais vantajoso para eles. 

Acabaram de divulgar que nestes últimos 10 anos o números de brasileiros que foram viver fora saltou de 1.9 milhão para 4.1 milhões, muitos deles trabalhadores diferenciados, uma perda para este Brasil tão necessitado de material humano que produza qualidade.

Repito, o rapaz teria emprego garantido e futuro certo em qualquer país de primeiro mundo, aqueles onde o bom e sério trabalho é recompensado como se deve. O rapaz é diferenciado, seu trabalho é diferenciado. Pena que pense como a maioria dos jovens brasileiros. Mas que é um desperdício, isto é.

Uma das razões para "o futuro do Brasil que nunca chega" é permitir que espertalhões, picaretas, aproveitadores, gente que não está nem aí para o próximo, sejam os campeões de audiência. E imaginar que são inevitáveis. Já deveríamos estar exaustos desta situação. "Obra a gente começa, mas não sabe quando acaba" é ridículo.

O Brasil só terá futuro quando olhar com o devido cuidado seus reais valores. Um jovem como este que trabalhou em casa não pode ser desperdiçado, e do jeito que parece, será.

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