Uma briga começou num grupo de WhatsApp por conta de um comentário "nós somos brasileiros... (sabemos o que falamos e fazemos)", "... não venha dar palpite aqui..." Mais espantoso foi quando traffic calming, trânsito amigável ou acalmamento de trânsito, foi citado e boa parte dos participantes do debate (debate ou combate?) não fazia ideia do que se tratava e porque é tão importante para segurança no trânsito de todos, inclusive ciclistas.
Largo a discussão no WhatsApp, saio para a rua e dou com um senhor surtando com outro cidadão aos berros, lógico, "Isto aqui é Brasil, isto aqui é Brasil, isto aqui é Brasil..."
Bom, e daí?
Volto para quando estava em NY, e pensando a cidade, e as cidades, todas, e como sempre, o que são, o que vem sendo feito, o que pode ser feito. E principalmente como melhorar o que temos aqui em São Paulo. Ter NY como referência é um erro para nós? "É uma cidade rica, num pais rico..." mais de uma vez me foi dito. E daí? Invalida tudo? Quais são os critérios usados para chegar a esta conclusão?
Não é só riqueza que faz de NY uma cidade que faz bem e com qualidade. NY pode e deve servir de referência para um monte de melhorias que podemos ou poderíamos ter em nossas cidades grandes, principalmente em São Paulo. Por que diferenciar a capital paulista? Porque ela é exemplo aqui no Brasil, odiada ou amada, é fato que serve como referência.
Ter outros países e culturas como referência? Não somos muito chegados a isto. Ou somos quando um vereador dispara que esta furia imobiliária vai nos transformar numa nova Manhattan. Como? Dubai é o próximo objetivo?
"Nós sabemos como fazer, não precisamos de outras referências". O resultado?
- Neste mundo nada se cria, tudo se copia. Sabedoria velha e universal.
Cidades nascem para serem permanentes, e a maioria acaba sendo. Algumas viram eternas, independente de seu tamanho e do respeito às suas características intrínsecas. Óbvio que se transformam, mas sem perder sua memória, sua razão de ser. As cidades destruídas na Segunda Guerra Mundial foram reconstruidas de forma a manter viva a razão que seu povo lhe deu um nome.
Pelas razões mais diversas, cidades vão se transformando, adaptado-se, reorganizando com a vinda de novos habitantes, ou por mudanças impostas pelos tempos, crescimento econômico, agregação ou desagregação social, por situações previsíveis, como as que vem acontecendo em razão do uso exagerado do do automóvel, ou ainda imprevistos, como os causados por motivos climáticos.
A transformação causada pelo automóvel é um processo constante que vem de longo prazo. Acelera numa velocidade que se tornou insustentável. As consequências não foram devidamente previstas ou foram por pura comodidade relegadas. É u problema estudado e discutido faz décadas, todos sabem, saídas e soluções estão mais que apresentadas, mas por aqui, São Paulo e Brasil, foramtar relegadas a sei lá que plano. Aliás, como tudo. Educação que o diga.
Eu me recuso a culpar só poder público pelo que aconteceu e segue acontecendo.
Falta de planejamento tem sido causa de transformações que nunca deveriam acontecer, muitas resultando em degradação de ruas, bairros ou vastas áreas. O custo e tempo de recuperação costuma ser alto. E será. Quantas décadas serã necessárias para recuperar o centro da cidade? Muitos falam sobre a maluquice deste boom imobiliário. Boom? Desculpe, mas isto aqui não é boom. Tem outro nome.
Em NY a reação da população foi feroz contra os novos paliteiros e deu resultado. Crescer, mudar, sim, mas fazer o que quiser definitivamente não, os nova-iorquinos não aceitam. Mas aceitaram as mudanças radicais no sistema viário proposto e implantado pela Secretaria de Transportes Jeanette Sadik Khan. A Broadway que o diga, mas não só ela, ou ali. Aceitaram porque tinham condições de entender sobre o que tratava. "Não sei e não quero saber" não entra no jogo porque a maioria simplesmente não aceita, aliás, não admite.
É necessário conseguir manter um grau de unidade dentro da inevitável diversidade populacional para que a cidade funcione bem. A cidade tem ser agregadora. Podem existir bairros com comunidades que tenham diferenças sensíveis de forma de vida, mas a cidade tem que funcionar para todos, ou minimamente para a imensa maioria. Privilégios devem ser contidos, sempre. Cidade de e para todos.
De novo, NY mudou para valer nestas últimas décadas, mudou e segue mudando quase que radicalmente em seu sistema de transporte, no uso de seus espaços públicos e espaços privados de uso público. Tudo olhando para a qualidade de vida de todos. Tem seus problemas, óbvio que tem, mas discutidos e resolvidos civilizadamente da melhor maneira possível e viável para o bem comum, não sob o manto de interesses mui particulares, como é meio regra aqui.
Tudo são flores por lá, NY? Claro que não, mas sem dúvidas mais eficientes que em nossas paragens.
Minto?
NY foi uma das cidades mais violentas e desorganizadas do mundo. Para recuperá-la foi necessário seguir um planejamento de longo prazo. A "Cidade Sustentável" que hoje vemos transformar NY cada dia mais agradável não surgiu do nada, como um milagre feito por um prefeito ou empresários espertos. É resultado de um processo de trabalho consciente, lógico e muito organizado. O que está acontecendo agora nesta Paris Olímpica também é. Ou em qualquer lugar do planeta que resolveu seus problemas e suas populações têm uma boa qualidade de vida.
Um dos principais fatores para tanto é que os atores conheçam e respeitem seus papéis. Se o cidadão está envolvido com transformação urbana, tem que saber o que existe, para que serve e como fazer para funcionar como deve, ou seja corretamente, sem problemas ou pequenos defeitinhos triviais tipicos deste país.
Martelar em soluções simplistas e simplórias é servir caviar de bandeja para o inimigo.
De minha parte não considero o outro inimigo, quem quer que seja, mas alguém que cuida de seus interesses. Se quem é contra esperneia ao vento ou quer brincar de trouxa, pena, que chore suas pitangas debaixo das cobertas porque só facilita o outro chegar onde quer.
Quem fala com propriedade sempre acaba sendo ouvido.
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