segunda-feira, 22 de julho de 2024

Solução sem sentido: "rebiboca da parafuseta"

Rebiboca da pararuseta, o clássico brasileiro!

- Não é possível! Já está vazando de novo (a válvula da privada)?
- Ele jurou que sabia fazer. Eu acreditei.
- Quanto custou?
- É melhor você não saber ou vai ficar bravo.

"Viva a rebiboca da parafuseta!", o clássico brasileiro! O figura sabia tudo, não admitia sugestões, falou sobre soluções mágicas, e é lógico que não respondeu mais quando se pediu, comm todo cuidado, para voltar e olhar o vazamento que ficou.

Fazer simples é muito mais difícil porque tem que saber o que está fazendo (ou vai dar errado, muito errado). A maioria das coisas é criada para que pessoas normais possam lidar sem dificuldades. Não precisa de mágica, nem de grandes conhecimentos, basta seguir o passo a passo. 

Trabalhei com holandeses, que por causa de sua história de vida, ou onde vivem, cercado de águas por todos lados, as barragens, diques, canais e tudo mais relacionado, tiveram que aprender que ou se faz o que tem que ser feito, ou se faz o que se tem que ser feito, e não qualquer coisa, de qualquer jeito. Com água não se brinca. Se errar ou você morre de sede ou morre afogado, simples assim e sem segunda alternativa. Boa parte do país deles, ditos holandeses, Países Baixos ou Nederlands, foi construído onde era água e com poucos recursos naturais. Aprenderam a fazer o que tem que ser feito, o correto, o simples, eficiente e durável. Desperdício não está em pauta, de absolutamente tudo.
Mais, a história dos Países Baixos está ligada ao comércio internacional, o que também não dá muito espaço para erros e menos ainda para delírios. Rebiboca da parafuseta em transações comerciais? Só se tiver um trouxa no meio.
Enfim, os holandeses são um exemplo a ser seguido: faz direito e faz o que tem que ser feito, é muito mais simples e eficiente.

Se pode complicar, porque simplificar? - velho ditado sobre nossa burocracia, a brasileira. Pegou, virou lema de vida para boa parte da população.

O registro geral do banheiro do apartamento está gotejando. Chamado o encanador do edifício a primeira coisa que ele fala sem pestanejar depois de uma breve olhada, é que precisa trocar tudo, registro completo, quebrar ladrilhos, parede, fazer uma grande obra. Perguntei se seria possível trocar só o reparo do registro e ele grunhiu alguma coisa, deu as costas, disse que ia ver e nunca mais tive resposta ou ouvi falar do encanador. 
Não estranho porque não foi a primeira, nem a segunda, menos ainda a terceira vez que peço para resolver fazendo um conserto da maneira mais simples e racional possível e o sujeito diz que "Não, não, não dá. Ou troca tudo ou não faço", e desaparece.
Óbvio que um tempo depois foi um cara que deveria sevir de exemplo para o todos brasileiros, Seu Antônio, e resolveu de maneira simples e rápida a goteira sem quebrar, trocar, gastar... Obrigado Seu Antônio.  

Acredito que as razões para a "rebiboca da parafuseta" são, primeiro, a falta de conhecimento, depois a preguiça em pensar o que se pode fazer, quais as alternativas que nãoseja trocar tudo. E finalmente, uma cultura que não se pode reclamar, exigir, que tudo está bom, que eu não sei...

Fazer bem feito? Upa, quantos fazem bem feito? Pergunte a qualquer proprietário ou gerente de negócio a dificuldade que eles têm em encontrar mão de obra qualificada que faça bem feito. Pelo menos a grande mídia vem expondo a questão, já é um progresso. Não vou fazer uma comparação com a qualidade de trabalho de países com PIB tão alto quanto o Brasil porque é vergonhosa.

Preciso reformar minha casa, consertar algumas coisas, alinhar portas, refazer o banheiro... A construção original é da década de 40 ou antes, o que complica um pouco, ou muito, sei lá, mas nada que um bom empreiteiro e bons pedreiros não consigam resolver com um pouco de paciência e jeitinhos. Paciência e jeitinho? Jeitinho até tem, o que não quer dizer jeitinho para fazer o correto, mas jeitinho para acabar o mais rápido possível. O absurdo é que nunca consegui chegar ao ponto de dizer "eu pago pelo trabalho". Eles não querem ter trabalho, é um outra história.

Chamo o pessoal para ver a casa, eles entram, olham, olham, olham, me ouvem, e disparam sem pestanejar "Não, não, não, tem que mandar abaixo (a casa), demolir (tudo). É muito mais fácil fazer uma casa nova". Silêncio. E completam "Sai muito mais barato". Ok, pode até ser, mas mesmo que saia mais caro prefiro não gerar entulho. Quero fazer o que se faz em todo mundo, colocar em ordem, corrigir os problemas,  só isto. É o que basta para todos que foram até em casa simplesmente desaparecerem.

A primeira vez que fiquei em Amsterdam me hospedei no apartamento de um amigo que estava morando lá. O edifício era antigo (aliás é, porque continua lá), tiveram que reformar a hidráulica e elétrica. Para não quebrar todas as paredes os novos canos correm por fora. Simples, rápido, funcional, de custo baixo e não gera entulho.

Achei quem fizesse a parte elétrica da casa, zero rebiboca da parafuseta. Fizeram muito bem feito a instalação, que agora está segura, mas não foram perfeccionistas com o acabamento. Usar a palavra perfeccionista no Brasil não tem nada a ver com o significado em qualquer país com bons índices de IDH+ alguma coisa. Lá o perfeccionismo para brasileiros chama se qualidade padrão. De novo, não vou fazer uma comparação com a qualidade de trabalho de outros países, daqueles que cuidaram para valer de seus problemas sociais. 

A questão é uma só: ou a obra é grande e envolve muito dinheiro, ou não interessa. Esta é uma bobagem sem tamanho. São horas trabalho, e o trabalhador pede o achar justo. Brasileiro não tem a mais remota noção de gerenciamento financeiro, como provam inúmeros dados levantados pelo governo e sistema financeiro.

Obra em casa você sabe quando começa, mas nunca sabe quando termina; outro clássico da cultura brasileira.

Construção civil é o setor onde o nível educacional, cultural e de formação dos trabalhadores mais baixo de todos setores econômicos, o que poderia justificar esta forma de pensar. Pensar desta forma para mim é erro grosseiro de avaliação. Outra coisa, está longe de ser exclusividade dos pedreiros, é um problema geral, um problema que vai muito além da educação. É uma questão de caráter coletivo. 

Tem um outro lado da questão: quem tem dinheiro e estudou acha uma vergonha fazer simples ou gastar pouco. Simples muitos consideram "pobre". Gastar é símbolo de status social, então o pessoal enche a boca quando diz "Dava para consertar, mas preferi trocar tudo por novo. Olha que lindo ficou!".

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