segunda-feira, 29 de julho de 2024

Ajudar os outros, apostar em cavalo manco, ou ser trouxa

No dentista tive que fazer as contas para saber se consigo fazer o tratamento. E quando puxei do fundo das lembranças os números caiu a ficha de quanto gastei ou investi com bicicleta, ou, para dizer a verdade e você entender melhor, com todos projetos relacionados a melhoria da qualidade de vida de todo e qualquer ciclista e cidadão,  ciclista ou não.

Recebi uma herança de minha mãe. Boa parte dela investi em vários projetos. Dentro de minha família aprendi que é necessário dar retorno social, e foi o que fiz. Me arrependo? Não. E sim. Sim pelo baixíssimo retorno do que foi aplicado. Fui ingênuo, esqueci de um pequeno detalhe: isto aqui é Brasil. Por aqui a possibilidade de dar errado é muito grande, e, batata, na maioria deu errado.

Não se deve apostar em cavalo manco. E eu fartamente apostei. Meu tratamento dentário será feito como possível.

De quanto estou falando? Dinheiro, muito dinheiro.

Faz uns 10 anos, quando entreguei meu último trabalho, coloquei no papel meu histórico financeiro com ajuda de um grande amigo, especialista no assunto. Ele não gostou nada do que viu, me deu uma bronca, disse para eu "parar com a brincadeira" e forneceu ótimas razões para tanto. Ele sabia o que estava dizendo porque tinha o mesmo jeito de ser, mas com uma imensa diferença para mim: foi um dos mais respeitados administradores de empresas de sua geração e suas apostas, na maioria dad vezes, deram certo.

A verdade é que ajudei quem pude, inclusive este mesmo amigo quando teve que fazer uma grande operação. Sigo ajudando até hoje, mas agora com outros critérios. AACD, Médicos Sem Fronteira, Pão para o Povo da Rua e mais uma outra.

Ainda na recepção do consultório do dentista lembrei do primeiro bom salário que recebi como professor. Peguei todo o pagamento, fui ao centro da cidade com uma aluna, e gastei tudo com lanches do McDonald's, que na época era o máximo. Pacote completo, combo com milk-shake. Fomos até a Praça da Sé, onde então se concentravam a maior parte dos mendigos e sem teto, e começamos a distribuir. Não demorou muito e virou um caos, com alguns reclamando que não queriam queijo no sanduíche, outros bravos porque o milk-shake deles era de morango e não de chocolate, que tinha pouco catchup, mostarda.... Depois que voou o primeiro burger e quase acertou minha aluna na testa, tivemos que largar tudo e sair correndo para não apanhar. 
Tempos depois uma especialista naquele povo me explicou que para eles o mais importante é a escolha, o direito de escolher e receber o que tem vontade. Eu errei, fiquei preocupado com a fome, que para mim deveria ser a prioridade. Não era, como o objetivo final de alguns beneficiados com meus investimentos não estava no bem público.

"Eu tenho que pagar a educação de meu filho"..... disse com a maior cara de pau uma das peças chaves. O negócio era garantir seu emprego. Se recebesse ordens para melar, que talvez tenha recebido, repito, talvez tenha recebido, não tenho certeza, o fazia sem pensar. Teve o apoio incondicional dos mais próximos de trabalho. Corporativismo à brasileira. Até o dia que sentiram nas costas as facadas. Aí virou FDP! e dai para baixo.
Eu fui um imbecil naif, acreditei, nada mais idiota, estúpido.

Confie desconfiado. Você está no Brasil.

"O que prioritário?" pergunta repetida por minha mãe. Pelo que entendo, ou tudo ajuda a melhorar ou a melhora não será perene. Traduzindo com exemplo: vôo de galinha, tão trivial em nossas pastagens.

A cavalo dado não se olha os dentes. 
Dinheiro não nasce em árvores.

Eu não dei dinheiro a esmo, mas investi de forma que imaginava planejada, frutífera. Sei onde e porque investi. E infelizmente agora sei onde errei, avaliei mal. Repito, fui naif, ingênuo, pecado mortal.

Numa das conversas sobre erros e acertos dos projetos e trabalhos, um amigo mais escolado, bem pragmático, com quem trabalhei um bom tempo em ótimos projetos, disse que se eu tivesse feito o mesmo fora do Brasil provavelmente teria tido melhores resultados e muitíssimo menos perdas.

Vale dizer que dois dos melhores projetos nos quais trabalhei simplesmente desapareceram, ninguém sabe, ninguém viu, mesmo que tenham sido oficiais e pagos com dinheiro ou público ou privado, ou os dois juntos. O Ciclo Rede Butantã, bancado pelo ITDP e com acompanhamento oficial de funcionários públicos é o mais misterioso. 
Portanto não foi só meu dinheiro que sumiu. Não preciso explicar, é publico e notório.

Outro dia, numa reunião social, um ex funcionário que trabalhou com a questão das bicicletas  ........ (órgão oficial ligado aos transportes) simplesmente não fazia ideia da existência do projeto GEF Banco Mundial, o que foi e o que representou. Nem de outros tantos. Para ele tudo começou em sua geração.

Ao socialismo se vai em bicicleta. Sei porque me liguei a causa da bicicleta. Sei quanto me esforcei para estudar, aplicar, ensinar, fomentar. Sei quando gastei, ou investi, e sei que foi uma barbaridade que tenho vergonha de expor aqui. Sei de minha responsabilidade social.
O que penso, quem fui, e onde coloquei esforços e muito dinheiro, está resumido no site Escola de Bicicleta, no clique livro. A questão não se resolve só com medidas simplistas no viário. É muito mais ampla e complexa. Procurei olhar para o todo.

Tenho uma certeza, voltasse atrás não teria feito da forma que fiz. Teria sido muitíssimo mais cuidadoso com meu dinheiro. Teria sido muitíssimo mais agressivo, talvez até sacana, sim, sacana, para chegar aos objetivos. Por aqui o jogo não é nem aberto nem limpo, é jogo pesado, não raro burro. 
"Não levo você na reunião porque usa mocassim", um critério importantíssimo para definir quem é e o que pode oferecer o sujeito.

Seja socialmente responsável, mas nunca seja trouxa. Antes de agir aprenda a jogar o jogo, que neste Brasil definitivamente não é para iniciantes, menos ainda para inocentes.

Numa reunião social com a nata do cicloatismo, tive uma conversa que me deixou claro que eu não fui nem sou o único idiota. Muitos entraram na história de boa fé e saíram mal.
Vai aqui meu tirar o chapéu para a maioria da velha geração, boa parte lutadores, sonhadores, de boa fé e que deixaram um legado de valor, que aliá, ou é desconhecido pelos mais novos, ou é convenientemente esquecido em nome de interesses outros. Naqueles tempos não existia selfie.

O tempo diz tudo a todos. 

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