terça-feira, 30 de julho de 2024

Um bom jovem brasileiro, mais um desperdício de futuro

"Opa, bom dia, tudo bem?

Então estou enrolado em um serviço e não sei quando vou conseguir fazer o serviço para o Sr. Acho melhor ver se consegue outra pessoa pra fazer o serviço. Tenha uma ótima semana. Desculpe pelo transtorno."
 
Esta mensagem em particular me doeu no coração. O rapaz que teria que terminar o serviço em minha casa, que ele entendeu como terminado, tem tudo para ser alguém nesta vida, progredir, dar um futuro bom para filho e mulher, e espero, do fundo do coração, que tenha um bom futuro. Pelo que vi aqui em casa, ele merece.

Pela vida apostei em uns poucos, contados nos dedos, que percebi terem algo diferente nas pequenas ações, movimentos e palavras. Mereciam mais que um incentivo, mereciam um empurrão. Dei. Acertei com quase todos, não sei porque, mas acertei e sou muito feliz por tere feito.

O rapaz, que pensando bem, foi gentil em me mandar a mensagem, o que a maioria sequer o faz, trabalhou em casa por uma semana como ajudante de eletricista. Chegava no horário, trocava de roupa, organizava como se deve sua área de trabalho, pegava suas ferramentas necessárias e trabalhava produzindo. Sem ficar no celular, o que para mim foi um espanto. Mais, ouvia e respondia com precisão o que lhe era pedido. Mais ainda, trocou ideias e deu palpites objetivos, precisos, sensatos sobre o que e como fazer para o trabalho geral ter melhor resultado. Quieto, focado, foi terminando seu trabalho com um padrão de qualidade acima da média brasileira. Em nenhum momento fez cara de paisagem, de irritação com um comentário ou pedido, muito menos fez aquela típica expressão de "este idiota (eu, no caso) quer vir me dizer o que devo fazer". O rapaz é muito educado, fala corretamente, é diferente, acima da média. Fala pouco, fica na dele, só deslanchou quando perguntado sobre o filho e a mulher, por quem mostra grande carinho e preocupação.
Num dos almoços dei parabéns a ele pela forma como estava trabalhando e soltei um complemento que provavelmente, ou com certeza, não entendeu: "Você tem padrão de trabalho de Estados Unidos ou Europa". O chefe dele tirou os olhos do prato, concordou comigo, mas não foi além. E eu tive que explicar. Ele ouviu sem dizer uma palavra.

A mensagem que me mandou agora pela manhã, pouco antes de quando deveria chegar aqui, aponta para um rapaz que se comporta como um trabalhador ou um prestador de serviço tipicamente brasileiro: precisa sobreviver e por isso vai atropelando. Como jovem brasileiro que nunca viajou e viu como é lá fora, não faz ideia do que seja qualidade, mas qualidade mesmo, ou o que é um serviço terminado, perfeito. Nem o que isto pode representar para construir um nome, e com isto um futuro promissor, o que ele faria com facilidade pela qualidade de seu trabalho.

Quem já recebeu uma mensagem destas sabe quanto irrita. Se pensar bem, quanto é brasileira. "Obra a gente começa, mas não sabe quando acaba", o velho, corriqueiro, pertinente e deprimente ditado brasileiro repetido por todo e qualquer cidadão que já teve que resolver problemas caseiros. Sim, deprimente ditado brasileiro, do Brasil, "do país do futuro que nunca chega", assim como as obras públicas que nunca terminam; exatamente a mesmíssima coisa.

Seu Antônio, um faz tudo que entrega seriedade e qualidade, vale como exemplo sobre o que falo. Chamou Seu Antônio, resolveu o problema, os mais diversos. Se ele não sabe como resolver, pede um tempo para estudar, ver o que é possível fazer, ou é sincero e diz não sei. Seu Antônio não enrola, muito menos dá uma de malandro. 
Seu Antônio me leva ao sujeito que se virou "Marido de Aluguél", que existe de verdade, criou uma marca. Soube aproveitar o vácuo do mercado para pequenos serviços caseiros - bem feitos. O sujeito se fez na vida.

Esperto e enganação tem aos montes. É o que mais tem. Uma amiga, verdadeiramente de esquerda, ficava muito brava quando comentávamos sobre nossas raivas contra a "piãozada que deixa tudo para trás e some". "Não é assim, vocês estão sendo injustos. Muda de conversa". Mudou foi seu discurso depois que começou uma reforma, como todas, sem fim. Rindo bateu nas minhas costas e disse impiedosa "Eu vou matar aqueles maltidos!"
Não acredito que seja o caso aqui. Bato uma aposta que ele não faz ideia de como furar o círculo vicioso do que imagina ser trabalho certo. Não faz ideia da qualidade que tem. Pena. 

O que é serviço bem feito? Qualquer serviço, ou trabalho, tem princício, meio e fim. Deveria ser uma diretriz básica, mas não é, normalmente não tem fim. Palavra é uma coisa, pagamento é outra, pago, a palavra dita não vale mais, é coisa do passado.
Quem é bom mesmo, aquele que vale a pena, que deveria ser regra, termina o serviço pedido, para por uns minutos, e antes de entregar volta para trás para checar se tudo está de fato terminado, funcionando perfeitamente, bem feito e limpo. Os melhores costumam chamar o contratante para ir junto checar tudo e ver se precisa ser feito mais alguma coisa. 
Seu Antônio, por exemplo, consertou um vazamento no box do chuveiro e pediu para voltar uns dias depois para ver se de fato o problema tinha sido resolvido. E voltou, e só aí cobrou. Num outro conserto, fui ver se tinha terminado, estava terminado e perfeito, mas Seu Antônio tinha sumido. Ele estava no tanque lavando os panos que tinha usado para limpar tudo. Simples assim, assim é que se faz.

Triste, o rapaz é muito melhor que a média, mesmo novo já fica claro que é gente séria, destes que não se acha em qualquer esquina. 
Não posso jogar toda a carga deste texto em suas costas. O serviço elétrico foi 99% muito bem realizado, faltaram umas besteirinhas de acabamento. Ele, o rapaz, não era o chefe, o contratado. Mas sobraram um monte de buracos pela casa, buracos abertos para localizar por onde passavam os fios. Eu autorizei e alguns deles os fiz pessoalmente. Fechar os buracos não estava no contratado, sei disto, concordo, mas deixar a casa esburacada também não dá.
Conversei com o rapaz para ele terminar o serviço, os 1%, e fechar os buracos. "Não posso ir hoje, não posso ir hoje também, desculpe mas não consigo fazer o serviço..."  Viva o Brasil!

O que me deixa triste é que não conversamos o "quanto", leia-se $, o que pretendia conversar aqui, como deve ser feito, olhando o montante de trabalho. Portanto ele não faz ideia se ganharia mais ou menos que em outros trabalhos.

A questão do trabalho no Brasil é uma sequência de erros em cascata, começando pelas leis e terminando em trabalhadores que simplesmente não fazem a mais remota ideia do que é realmente mais vantajoso para eles. 

Acabaram de divulgar que nestes últimos 10 anos o números de brasileiros que foram viver fora saltou de 1.9 milhão para 4.1 milhões, muitos deles trabalhadores diferenciados, uma perda para este Brasil tão necessitado de material humano que produza qualidade.

Repito, o rapaz teria emprego garantido e futuro certo em qualquer país de primeiro mundo, aqueles onde o bom e sério trabalho é recompensado como se deve. O rapaz é diferenciado, seu trabalho é diferenciado. Pena que pense como a maioria dos jovens brasileiros. Mas que é um desperdício, isto é.

Uma das razões para "o futuro do Brasil que nunca chega" é permitir que espertalhões, picaretas, aproveitadores, gente que não está nem aí para o próximo, sejam os campeões de audiência. E imaginar que são inevitáveis. Já deveríamos estar exaustos desta situação. "Obra a gente começa, mas não sabe quando acaba" é ridículo.

O Brasil só terá futuro quando olhar com o devido cuidado seus reais valores. Um jovem como este que trabalhou em casa não pode ser desperdiçado, e do jeito que parece, será.

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Ajudar os outros, apostar em cavalo manco, ou ser trouxa

No dentista tive que fazer as contas para saber se consigo fazer o tratamento. E quando puxei do fundo das lembranças os números caiu a ficha de quanto gastei ou investi com bicicleta, ou, para dizer a verdade e você entender melhor, com todos projetos relacionados a melhoria da qualidade de vida de todo e qualquer ciclista e cidadão,  ciclista ou não.

Recebi uma herança de minha mãe. Boa parte dela investi em vários projetos. Dentro de minha família aprendi que é necessário dar retorno social, e foi o que fiz. Me arrependo? Não. E sim. Sim pelo baixíssimo retorno do que foi aplicado. Fui ingênuo, esqueci de um pequeno detalhe: isto aqui é Brasil. Por aqui a possibilidade de dar errado é muito grande, e, batata, na maioria deu errado.

Não se deve apostar em cavalo manco. E eu fartamente apostei. Meu tratamento dentário será feito como possível.

De quanto estou falando? Dinheiro, muito dinheiro.

Faz uns 10 anos, quando entreguei meu último trabalho, coloquei no papel meu histórico financeiro com ajuda de um grande amigo, especialista no assunto. Ele não gostou nada do que viu, me deu uma bronca, disse para eu "parar com a brincadeira" e forneceu ótimas razões para tanto. Ele sabia o que estava dizendo porque tinha o mesmo jeito de ser, mas com uma imensa diferença para mim: foi um dos mais respeitados administradores de empresas de sua geração e suas apostas, na maioria dad vezes, deram certo.

A verdade é que ajudei quem pude, inclusive este mesmo amigo quando teve que fazer uma grande operação. Sigo ajudando até hoje, mas agora com outros critérios. AACD, Médicos Sem Fronteira, Pão para o Povo da Rua e mais uma outra.

Ainda na recepção do consultório do dentista lembrei do primeiro bom salário que recebi como professor. Peguei todo o pagamento, fui ao centro da cidade com uma aluna, e gastei tudo com lanches do McDonald's, que na época era o máximo. Pacote completo, combo com milk-shake. Fomos até a Praça da Sé, onde então se concentravam a maior parte dos mendigos e sem teto, e começamos a distribuir. Não demorou muito e virou um caos, com alguns reclamando que não queriam queijo no sanduíche, outros bravos porque o milk-shake deles era de morango e não de chocolate, que tinha pouco catchup, mostarda.... Depois que voou o primeiro burger e quase acertou minha aluna na testa, tivemos que largar tudo e sair correndo para não apanhar. 
Tempos depois uma especialista naquele povo me explicou que para eles o mais importante é a escolha, o direito de escolher e receber o que tem vontade. Eu errei, fiquei preocupado com a fome, que para mim deveria ser a prioridade. Não era, como o objetivo final de alguns beneficiados com meus investimentos não estava no bem público.

"Eu tenho que pagar a educação de meu filho"..... disse com a maior cara de pau uma das peças chaves. O negócio era garantir seu emprego. Se recebesse ordens para melar, que talvez tenha recebido, repito, talvez tenha recebido, não tenho certeza, o fazia sem pensar. Teve o apoio incondicional dos mais próximos de trabalho. Corporativismo à brasileira. Até o dia que sentiram nas costas as facadas. Aí virou FDP! e dai para baixo.
Eu fui um imbecil naif, acreditei, nada mais idiota, estúpido.

Confie desconfiado. Você está no Brasil.

"O que prioritário?" pergunta repetida por minha mãe. Pelo que entendo, ou tudo ajuda a melhorar ou a melhora não será perene. Traduzindo com exemplo: vôo de galinha, tão trivial em nossas pastagens.

A cavalo dado não se olha os dentes. 
Dinheiro não nasce em árvores.

Eu não dei dinheiro a esmo, mas investi de forma que imaginava planejada, frutífera. Sei onde e porque investi. E infelizmente agora sei onde errei, avaliei mal. Repito, fui naif, ingênuo, pecado mortal.

Numa das conversas sobre erros e acertos dos projetos e trabalhos, um amigo mais escolado, bem pragmático, com quem trabalhei um bom tempo em ótimos projetos, disse que se eu tivesse feito o mesmo fora do Brasil provavelmente teria tido melhores resultados e muitíssimo menos perdas.

Vale dizer que dois dos melhores projetos nos quais trabalhei simplesmente desapareceram, ninguém sabe, ninguém viu, mesmo que tenham sido oficiais e pagos com dinheiro ou público ou privado, ou os dois juntos. O Ciclo Rede Butantã, bancado pelo ITDP e com acompanhamento oficial de funcionários públicos é o mais misterioso. 
Portanto não foi só meu dinheiro que sumiu. Não preciso explicar, é publico e notório.

Outro dia, numa reunião social, um ex funcionário que trabalhou com a questão das bicicletas  ........ (órgão oficial ligado aos transportes) simplesmente não fazia ideia da existência do projeto GEF Banco Mundial, o que foi e o que representou. Nem de outros tantos. Para ele tudo começou em sua geração.

Ao socialismo se vai em bicicleta. Sei porque me liguei a causa da bicicleta. Sei quanto me esforcei para estudar, aplicar, ensinar, fomentar. Sei quando gastei, ou investi, e sei que foi uma barbaridade que tenho vergonha de expor aqui. Sei de minha responsabilidade social.
O que penso, quem fui, e onde coloquei esforços e muito dinheiro, está resumido no site Escola de Bicicleta, no clique livro. A questão não se resolve só com medidas simplistas no viário. É muito mais ampla e complexa. Procurei olhar para o todo.

Tenho uma certeza, voltasse atrás não teria feito da forma que fiz. Teria sido muitíssimo mais cuidadoso com meu dinheiro. Teria sido muitíssimo mais agressivo, talvez até sacana, sim, sacana, para chegar aos objetivos. Por aqui o jogo não é nem aberto nem limpo, é jogo pesado, não raro burro. 
"Não levo você na reunião porque usa mocassim", um critério importantíssimo para definir quem é e o que pode oferecer o sujeito.

Seja socialmente responsável, mas nunca seja trouxa. Antes de agir aprenda a jogar o jogo, que neste Brasil definitivamente não é para iniciantes, menos ainda para inocentes.

Numa reunião social com a nata do cicloatismo, tive uma conversa que me deixou claro que eu não fui nem sou o único idiota. Muitos entraram na história de boa fé e saíram mal.
Vai aqui meu tirar o chapéu para a maioria da velha geração, boa parte lutadores, sonhadores, de boa fé e que deixaram um legado de valor, que aliá, ou é desconhecido pelos mais novos, ou é convenientemente esquecido em nome de interesses outros. Naqueles tempos não existia selfie.

O tempo diz tudo a todos. 

sábado, 27 de julho de 2024

Blog fora do ar... Instável

Durante uma quase uma semana o blog esteve fora do ar. Que confusão foi causada pela queda da Internet!?!

Pensado bem, "esteve fora do ar" é uma expressão... dizer o que, do tempo da onca? Fora do ar é coisa de minha geração, tempos analógicos, de fato ondas de rádio e TV no ar.

Falando sério, espero que os xuxu beleza que estão no poder, leia-se Brasília, estejam levando a sério e com competência estes apagões dos sistemas digitais. A nossa segurança digital está uma vergonha, como estamos fartos de saber, mas parece que a solução virá a passos burocráticos, ou seja, sabe-se lá quando. Até lá... "bet" (aliás, outra história muito mal explicada)

terça-feira, 23 de julho de 2024

NY como referência? "Nós somos brasileiros..."

Uma briga começou num grupo de WhatsApp por conta de um comentário "nós somos brasileiros... (sabemos o que falamos e fazemos)", "... não venha dar palpite aqui..." Mais espantoso foi quando traffic calming, trânsito amigável ou acalmamento de trânsito, foi citado e boa parte dos participantes do debate (debate ou combate?) não fazia ideia do que se tratava e porque é tão importante para segurança no trânsito de todos, inclusive ciclistas.

Largo a discussão no WhatsApp,  saio para a rua e dou com um senhor surtando com outro cidadão aos berros, lógico, "Isto aqui é Brasil, isto aqui é Brasil, isto aqui é Brasil..."
Bom, e daí? 


Volto para quando estava em NY, e pensando a cidade, e as cidades, todas, e como sempre, o que são,  o que vem sendo feito, o que pode ser feito. E principalmente como melhorar o que temos aqui em São Paulo. Ter NY como referência é um erro para nós? "É uma cidade rica, num pais rico..." mais de uma vez me foi dito. E daí? Invalida tudo? Quais são os critérios usados para chegar a esta conclusão? 

Não é só riqueza que faz de NY uma cidade que faz bem e com qualidade. NY pode e deve servir de referência para um monte de melhorias que podemos ou poderíamos ter em nossas cidades grandes, principalmente em São Paulo. Por que diferenciar a capital paulista? Porque ela é exemplo aqui no Brasil, odiada ou amada, é fato que serve como referência.

Ter outros países e culturas como referência? Não somos muito chegados a isto. Ou somos quando um vereador dispara que esta furia imobiliária vai nos transformar numa nova Manhattan. Como? Dubai é o próximo objetivo? 

"Nós sabemos como fazer, não precisamos de outras referências". O resultado?

- Neste mundo nada se cria, tudo se copia. Sabedoria velha e universal.

Cidades nascem para serem permanentes, e a maioria acaba sendo. Algumas viram eternas, independente de seu tamanho e do respeito às suas características intrínsecas. Óbvio que se transformam, mas sem perder sua memória, sua razão de ser. As cidades destruídas na Segunda Guerra Mundial foram reconstruidas de forma a manter viva a razão que seu povo lhe deu um nome. 

Pelas razões mais diversas, cidades vão se transformando, adaptado-se, reorganizando com a vinda de novos habitantes, ou por mudanças impostas pelos tempos, crescimento econômico, agregação ou desagregação social, por situações previsíveis, como as que vem acontecendo em razão do uso exagerado do do automóvel, ou ainda imprevistos, como os causados por motivos climáticos.

A transformação causada pelo automóvel é um processo constante que vem de longo prazo. Acelera numa velocidade que se tornou insustentável. As consequências não foram devidamente previstas ou foram por pura comodidade relegadas. É u problema estudado e discutido faz décadas, todos sabem, saídas e soluções estão mais que apresentadas, mas por aqui, São Paulo e Brasil, foramtar relegadas a sei lá que plano. Aliás,  como tudo. Educação que o diga.
Eu me recuso a culpar só poder público pelo que aconteceu e segue acontecendo.

Falta de planejamento tem sido causa de transformações que nunca deveriam acontecer, muitas resultando em degradação de ruas, bairros ou vastas áreas. O custo e tempo de recuperação costuma ser alto. E será.  Quantas décadas serã necessárias para recuperar o centro da cidade? Muitos falam sobre a maluquice deste boom imobiliário. Boom? Desculpe, mas isto aqui não é boom. Tem outro nome.
Em NY a reação da população foi feroz contra os novos paliteiros e deu resultado. Crescer, mudar, sim, mas fazer o que quiser definitivamente não, os nova-iorquinos não aceitam. Mas aceitaram as mudanças radicais no sistema viário proposto e implantado pela Secretaria de Transportes Jeanette Sadik Khan. A Broadway que o diga, mas não só ela, ou ali. Aceitaram porque tinham condições de entender sobre o que tratava. "Não sei e não quero saber" não entra no jogo porque a maioria simplesmente não aceita, aliás, não admite.

É necessário conseguir manter um grau de unidade dentro da inevitável diversidade populacional para que a cidade funcione bem. A cidade tem ser agregadora. Podem existir bairros com comunidades que tenham diferenças sensíveis de forma de vida, mas a cidade tem que funcionar para todos, ou minimamente para a imensa maioria. Privilégios devem ser contidos, sempre. Cidade de e para todos.

De novo, NY mudou para valer nestas últimas décadas, mudou e segue mudando quase que radicalmente em seu sistema de transporte, no uso de seus espaços públicos e espaços privados de uso público. Tudo olhando para a qualidade de vida de todos. Tem seus problemas, óbvio que tem, mas discutidos e resolvidos civilizadamente da melhor maneira possível e viável para o bem comum, não sob o manto de interesses mui particulares, como é meio regra aqui. 
Tudo são flores por lá, NY? Claro que não, mas sem dúvidas mais eficientes que em nossas paragens. 
Minto? 

NY foi uma das cidades mais violentas e desorganizadas do mundo. Para recuperá-la foi necessário seguir um planejamento de longo prazo. A "Cidade Sustentável" que hoje vemos transformar NY cada dia mais agradável não surgiu do nada, como um milagre feito por um prefeito ou empresários espertos. É resultado de um processo de trabalho consciente, lógico e muito organizado.  O que está acontecendo agora nesta Paris Olímpica também é. Ou em qualquer lugar do planeta que resolveu seus problemas e suas populações têm uma boa qualidade de vida.
Um dos principais fatores para tanto é que os atores conheçam e respeitem seus papéis. Se o cidadão está envolvido com transformação urbana, tem que saber o que existe, para que serve e como fazer para funcionar como deve, ou seja corretamente, sem problemas ou pequenos defeitinhos triviais tipicos deste país. 

Martelar em soluções simplistas e simplórias é servir caviar de bandeja para o inimigo.

De minha parte não considero o outro inimigo, quem quer que seja, mas alguém que cuida de seus interesses. Se quem é contra esperneia ao vento ou quer brincar de trouxa, pena, que chore suas pitangas debaixo das cobertas porque só facilita o outro chegar onde quer.

Quem fala com propriedade sempre acaba sendo ouvido.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Solução sem sentido: "rebiboca da parafuseta"

Rebiboca da pararuseta, o clássico brasileiro!

- Não é possível! Já está vazando de novo (a válvula da privada)?
- Ele jurou que sabia fazer. Eu acreditei.
- Quanto custou?
- É melhor você não saber ou vai ficar bravo.

"Viva a rebiboca da parafuseta!", o clássico brasileiro! O figura sabia tudo, não admitia sugestões, falou sobre soluções mágicas, e é lógico que não respondeu mais quando se pediu, comm todo cuidado, para voltar e olhar o vazamento que ficou.

Fazer simples é muito mais difícil porque tem que saber o que está fazendo (ou vai dar errado, muito errado). A maioria das coisas é criada para que pessoas normais possam lidar sem dificuldades. Não precisa de mágica, nem de grandes conhecimentos, basta seguir o passo a passo. 

Trabalhei com holandeses, que por causa de sua história de vida, ou onde vivem, cercado de águas por todos lados, as barragens, diques, canais e tudo mais relacionado, tiveram que aprender que ou se faz o que tem que ser feito, ou se faz o que se tem que ser feito, e não qualquer coisa, de qualquer jeito. Com água não se brinca. Se errar ou você morre de sede ou morre afogado, simples assim e sem segunda alternativa. Boa parte do país deles, ditos holandeses, Países Baixos ou Nederlands, foi construído onde era água e com poucos recursos naturais. Aprenderam a fazer o que tem que ser feito, o correto, o simples, eficiente e durável. Desperdício não está em pauta, de absolutamente tudo.
Mais, a história dos Países Baixos está ligada ao comércio internacional, o que também não dá muito espaço para erros e menos ainda para delírios. Rebiboca da parafuseta em transações comerciais? Só se tiver um trouxa no meio.
Enfim, os holandeses são um exemplo a ser seguido: faz direito e faz o que tem que ser feito, é muito mais simples e eficiente.

Se pode complicar, porque simplificar? - velho ditado sobre nossa burocracia, a brasileira. Pegou, virou lema de vida para boa parte da população.

O registro geral do banheiro do apartamento está gotejando. Chamado o encanador do edifício a primeira coisa que ele fala sem pestanejar depois de uma breve olhada, é que precisa trocar tudo, registro completo, quebrar ladrilhos, parede, fazer uma grande obra. Perguntei se seria possível trocar só o reparo do registro e ele grunhiu alguma coisa, deu as costas, disse que ia ver e nunca mais tive resposta ou ouvi falar do encanador. 
Não estranho porque não foi a primeira, nem a segunda, menos ainda a terceira vez que peço para resolver fazendo um conserto da maneira mais simples e racional possível e o sujeito diz que "Não, não, não dá. Ou troca tudo ou não faço", e desaparece.
Óbvio que um tempo depois foi um cara que deveria sevir de exemplo para o todos brasileiros, Seu Antônio, e resolveu de maneira simples e rápida a goteira sem quebrar, trocar, gastar... Obrigado Seu Antônio.  

Acredito que as razões para a "rebiboca da parafuseta" são, primeiro, a falta de conhecimento, depois a preguiça em pensar o que se pode fazer, quais as alternativas que nãoseja trocar tudo. E finalmente, uma cultura que não se pode reclamar, exigir, que tudo está bom, que eu não sei...

Fazer bem feito? Upa, quantos fazem bem feito? Pergunte a qualquer proprietário ou gerente de negócio a dificuldade que eles têm em encontrar mão de obra qualificada que faça bem feito. Pelo menos a grande mídia vem expondo a questão, já é um progresso. Não vou fazer uma comparação com a qualidade de trabalho de países com PIB tão alto quanto o Brasil porque é vergonhosa.

Preciso reformar minha casa, consertar algumas coisas, alinhar portas, refazer o banheiro... A construção original é da década de 40 ou antes, o que complica um pouco, ou muito, sei lá, mas nada que um bom empreiteiro e bons pedreiros não consigam resolver com um pouco de paciência e jeitinhos. Paciência e jeitinho? Jeitinho até tem, o que não quer dizer jeitinho para fazer o correto, mas jeitinho para acabar o mais rápido possível. O absurdo é que nunca consegui chegar ao ponto de dizer "eu pago pelo trabalho". Eles não querem ter trabalho, é um outra história.

Chamo o pessoal para ver a casa, eles entram, olham, olham, olham, me ouvem, e disparam sem pestanejar "Não, não, não, tem que mandar abaixo (a casa), demolir (tudo). É muito mais fácil fazer uma casa nova". Silêncio. E completam "Sai muito mais barato". Ok, pode até ser, mas mesmo que saia mais caro prefiro não gerar entulho. Quero fazer o que se faz em todo mundo, colocar em ordem, corrigir os problemas,  só isto. É o que basta para todos que foram até em casa simplesmente desaparecerem.

A primeira vez que fiquei em Amsterdam me hospedei no apartamento de um amigo que estava morando lá. O edifício era antigo (aliás é, porque continua lá), tiveram que reformar a hidráulica e elétrica. Para não quebrar todas as paredes os novos canos correm por fora. Simples, rápido, funcional, de custo baixo e não gera entulho.

Achei quem fizesse a parte elétrica da casa, zero rebiboca da parafuseta. Fizeram muito bem feito a instalação, que agora está segura, mas não foram perfeccionistas com o acabamento. Usar a palavra perfeccionista no Brasil não tem nada a ver com o significado em qualquer país com bons índices de IDH+ alguma coisa. Lá o perfeccionismo para brasileiros chama se qualidade padrão. De novo, não vou fazer uma comparação com a qualidade de trabalho de outros países, daqueles que cuidaram para valer de seus problemas sociais. 

A questão é uma só: ou a obra é grande e envolve muito dinheiro, ou não interessa. Esta é uma bobagem sem tamanho. São horas trabalho, e o trabalhador pede o achar justo. Brasileiro não tem a mais remota noção de gerenciamento financeiro, como provam inúmeros dados levantados pelo governo e sistema financeiro.

Obra em casa você sabe quando começa, mas nunca sabe quando termina; outro clássico da cultura brasileira.

Construção civil é o setor onde o nível educacional, cultural e de formação dos trabalhadores mais baixo de todos setores econômicos, o que poderia justificar esta forma de pensar. Pensar desta forma para mim é erro grosseiro de avaliação. Outra coisa, está longe de ser exclusividade dos pedreiros, é um problema geral, um problema que vai muito além da educação. É uma questão de caráter coletivo. 

Tem um outro lado da questão: quem tem dinheiro e estudou acha uma vergonha fazer simples ou gastar pouco. Simples muitos consideram "pobre". Gastar é símbolo de status social, então o pessoal enche a boca quando diz "Dava para consertar, mas preferi trocar tudo por novo. Olha que lindo ficou!".

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Cidades caipiras do interior leste americano

Longe de NYC. Primeira parada para dormir em Hamburg, Pensilvânia, 120 milhas distante de NYC, cidadezinha que dizem ter uns 4.500 habitantes, oficialmente 4.197 habitantes.

Primeira impressão foi o almoço num restaurante italiano (?) onde todos eram de todos lugares menos Itália. Fomos para o hotel, dormimos, acordamos bem cedo para lavar as roupas. Lavanderia aberta de 6:00 às 24:00. Cidade ainda vazia; ao lado da lavanderia vi um supermercado, Weis, que de fora é discreto. Lá dentro é uma loucura, umas duas ou três vezes o tamanho e a quantidade de produtos se comparado com o Pão de Açúcar da Oscar Freire com Ministro, ponto chique de São Paulo. Quase caí de costas com tudo aquilo. O gerente passou por mim e perguntei se não era grande para o tamanho da cidade. "Não é. Tem gente que reclama que é pequeno e faltam produtos". Como? Este foi o meu "bem vindo ao interior dos Estados Unidos".

Hamburg é rica? Não. É uma cidadezinha americana como tantas que encontramos pelo caminho. Já longe de Hamburg descobri que o Weis não é o único supermercado e nem o maior. Na outra ponta da pequena cidade tem o Redner's, muito maior, com setores de brinquedos, eletrodomésticos, roupas, etc... Espalhados pela cidade ainda tem pequenos mercadinhos que não cheguei a ver abertos. Hamburg pode não ser rica, mas o volume de dinheiro circula por lá tem que ser grande, pelo menos se comparado com o que vivemos por aqui.

Enquanto as roupas estavam na máquina saímos para caminhar para achar um lugar para tomar café da manhã. Toda cidade fechada, inclusive o "melhor" café da manhã local, segundo uma simpática moradora. As quartas-feiras fecha. Voltamos e aí entramos no "pequeno" Weis para pegar alguma coisa. Escolher no meio de tudo aquilo é difícil.

Como esperado, zero lixo nas ruas, zero pixação, zero coisas quebradas ou depredadas, ônibus escolares impecáveis circulando, a maioria dos sobradinhos bem cuidados, um córrego de águas límpidas com muitos peixinhos, uns poucos carros nas ruas, um movimento que até o fim da lavagem das roupas aumentou um pouco, mas nada demais. E todos poucos cidadãos que encontramos pelas ruas imediatamente davam um sorridente bom dia.

Em Hamburg recebi as boas vindas do interior leste dos Estados Unidos.

O que veio pela frente? As cidadezinhas são muito organizadas, limpas, as casinhas são uma graça, meio padrão, um pouco maior ou menor, mas todas parecidas, sem muros, grades, com gramados bem cuidados em volta, com um centrinho comercial pequeno em uma única rua, algumas vezes em um ou dois quarteirões, com pequenos negócios. Via de regra, fora do centrinho, um pouco distante da cidade, um supermercado grande e muito variado. Próximo da estrada principal sempre se encontra alguns fast foods, McDonalds quase em todos lugares. Fast food ou restaurante mexicano aos montes e em tudo quanto é lugar, isto me assustou.

Uma das razões para viajar pelo interior seria comer a comida local ou típica, que não é fácil de encontrar. Mas tive mágicas experiências, uma em Owingsville e outra no meio do caminho para Atlanta, no pequeno e delicioso Dizzy Lee Dinner. Entrei em Owingsville porque precisava almoçar. A cidade é mínima, a menor pela qual passei nesta viagem. O único restaurante que encontrei foi um barracão pintado de vermelho com uma grande e fumegante churrasqueira metálica sobre rodas. Parei, fomos servidos por uma senhora curva, de óculos, com cabelos brancos perfeitamente arrumados, que seguramente estava na casa dos 90, típica personagem de filme. Lá de fora, vindos da churrasqueira, entraram dois carregando duas enormes bandejas com umas costelas maravilhosas. Pedi costelas, é claro, mas a senhora disse que ainda precisavam de mais umas duas horas para ficarem prontas. Hambúrguer, que seja. Foi, e maravilhoso.

O Dizzy Lee Dinner encontrei por pura sorte. Parei um pouco antes para por gasolina, abri o maps, "restaurante", e veio o Dizzy Lee como o melhor da região. Toca para lá. Coisa de filme, construído lá pelos anos 70, talvez 60, a foto diz tudo. Hambúrguer com fritas e Coca Cola. Me convida que volto já. Genial! Entramos quando o povo das redondezas estava terminando, pagando a conta e saindo. A rednec que nos serviu disparou a falar seu caipira, não entendemos nada, pedimos para desacelerar, ela deu risada, pediu desculpas e o resto da conversa foi uma delícia.

fish and ships, divino
Não me lembro onde, tenho que procurar nas fotos, num terceiro restaurante típico local comi fish and ships muito, mas muito bem feito. O ambiente também era meio de filme.
E na despedida , em Newnan, mais hambúrguer delicioso, típico da região. No dia seguinte eu deveria ter ido no "Rednec Gourmet", bem típico da região, mas não deu tempo.

De típico só tem hambúrguer? Não, mas é o mais fácil de encontrar, não de rede de fast food, é lógico. Os hambúrgueres que comi eram feitos a mão, meio disformes, batatas fritas caseiras, e o mais importante: não me causaram azia, caíram bem.

Eu queria ter comido um milho como o que tenho na memória, macio e muito doce, mas não consegui. O único que comi lambuzou as mãos, mas não o coração.

A boa surpresa foram as comidas asiáticas. O restaurante chinês foi puro acidente, e dos deuses. Eu procurava um restaurante em Nashville típico do Kentucky com ótimas referências. Quando cheguei estava fechado por conta de uma grande obra na rua. O chinês era ao lado, não era bem o que eu queria e gostaria de comer aquela hora, mas era o que tinha e foi uma delícia, tanto o noodle, de longe o melhor que comi na vida, quanto o arroz. Outra surpresa foi o tailandês de Newnan, o melhor curry que já experimentei, apimentado no ponto certo, muito saboroso, e sem qualquer efeito retardado, principalmente aziaque 

As cidades médias tem mais variedade, com uma ou outra coisa interessante, mas tenha certeza que se você não
dirigindo um carro você não é gente. Em Harrisonville ficamos na esquina oposta dos restaurantes,  todos fast-food, e algumas lojas de departamento. A primeira vez, com receio de atravessar as avenidas largas, fomos de carro, depois criamos coragem e fomos a pé, o que é uma experiência muito estranha. A sensação é que você é um alienígena, aliás,  para dizer a verdade, um bosta. Pelo menos tinha calçada e semáforo para pedestre que fica avisando algo como "vai logo, cruza logo" (Urgent! Walk! Urgent!). Em Newnan fiquei num motel, que lá é um hotel de estrada e não motel tipo brasileiro. Tive que ir até a farmácia que ficava a 500 metros na mesma calçada. O detalhe é que não tem calçada. Você que ande pela grama ou no acostamento. Vida de turista cucaracha só funciona num carro. That's the american way of life.

Espero que não, mas é possível que tenha sido minha última viagem para lá. Espero que não. O interior americano é muito legal, e espero um dia voltar e ir mais para dentro, a procura de comidas locais e algo mais.

terça-feira, 9 de julho de 2024

De esquerda sim, estúpido não

As eleições na França são para serem comemoradas. A extrema direita, que preocupa todo planeta, não levou. Uma coalizão de partidos de esquerda conseguiu reverter o desastre. Sim, estou feliz, os franceses deram um " menos, muito menos" nos que sequer são direita, são uma coisa, um delírio de mundo que não funcionou no passado e funcionará muito menos agora. Na porrada nunca deu certo.
E nos discursos de vitória, vitória?, das esquerdas veio de tudo, inclusive delírios de soluções mágicas que nunca deram certo e com certeza darão menos certo ainda nos tempos de hoje. Um dos vencedores saiu com a proposta de congelar preços. Upa! Quem congelou fui eu e mais todos os que já vivenciaram um congelamento de preços. A idéia é brilhante: na porrada eles congelam os preços em nome da justiça social. Imediatamente começam a faltar produtos, imediatamente surge um mercado paralelo, não demora muito estoura a inflação... Moral da história: quem toma é o povo mais necessitado e quem ganha são os mais ricos. Foi assim uma vez, foi assim duas vezes, foi assim todas as vezes que algum imbecil teve a brilhante ideia de congelar ou simplesmente controlar os preços, ou o mercado.

Sou dito de esquerda porque realmente me preocupo com as questões sociais, mas não sou estúpido. 
Me arisco a dizer que tem muita gente de direita que está comemorando para valer a derrota da extrema direita francesa. Óbvio que entre os ditos de direita, que para certa dita esquerda são todos que não são iguais a eles, tem gente inteligente, que definitivamente não é estúpida. Somos todos humanos.

Aliás, cá entre nós, nada mais destrutivo que qualquer extrema. Incluo aí populistas de toda e qualquer espécie. 

Vamos ver como vai andar a França daqui para frente. Para o planeta sair desta enrascada horrorosa da extrema é necessário que as esquerdas tenham um mínimo de juízo, porque não dizer inteligência. 

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Novamente, de quem é a culpa? Melhor, o que é culpa?

O filho tira notas baixas no colégio. Em reação a mãe entra furiosa na diretoria e grita "Eu pago esta merda então vocês não podem fazer isto com meu filho".
Não vou dar tratos a estas linhas, alongar a história, florear, porque é absolutamente corriqueira, a maioria já soube de situações como esta. Mais, é uma das mais precisas definições deste Brasil que vivemos hoje.

Não vivemos no meio da violência. Permitimos a violência. Somos a violência.

Quem é o culpado? Definir a culpa, ou a responsabilidade, na maioria dos casos é fácil, principalmente quando o erro cometido foi incontestável. Mesmo assim aqui no Brasil não raro a coisa não funciona desta forma. Até em boa parte dos casos que a história acaba na justiça o culpado sai leve, livre, solto e fagueiro. 
Os casos de impunidade são inúmeros. Gente pega por câmera de segurança, que teve sua agressão gravada, rosto marcado como foto 3 por 4, e os meandros de nossas leis permitem que advogados façam uma confusão danada.

Outro ponto que luta contra a punição é o corporativismo de todas as formas e razões. A história da humanidade está repleta destes casos, mas por aqui conseguimos ir um pouco mais além. O nosso jeitinho brasileiro faz milagres, todos sabemos.

Escrevo estas linhas depois que recebi um artigo em inglês, que publico abaixo, que fala sobre a decisão das autoridades inglesas de punir forte os ciclistas que cometerem infrações graves ou causarem lesões ou mesmo morte por imprudência.

Logo que recebi o artigo enviei para um amigo que é ligado ao movimento do cicloatismo. A reação dele foi de um susto discordante, o que tenho certeza que seria o mesmo por parte de muitos outros. "Como, punir ciclistas? Eles sempre são as vítimas". Não, não, este meu amigo não falou isto, mas talvez tenha pensado. Já ouvi este tipo de besteira, não só de ciclista, mas de tudo é tipo de gente, e conheço um monte que acha que tem quem não deva ser punido.

Pensar que a mudança desejada se fará fazendo vista grossa nos delitos dos mais fracos só leva a continuação do absurdo que vivemos. Se ainda não percebeu, aviso: o que está aí, incluindo a forma de pensar, só aumenta o abismo social. Pergunte a quem está por baixo se ele gosta do não punir, do deixar barato para os iguais que os roubam, assaltam, ameaçam, expulssam... 

Vivemos no meio da violência. Permitimos a violência. Portanto resta a pergunta: de quem é a culpa?
Melhor: que tal começar a discutir o que é culpa? 

Sobre o artigo abaixo;
Na noite de quarta-feira, os deputados votaram a favor de uma alteração ao Projeto de Lei de Justiça Criminal que criaria três novos crimes: causar a morte por andar de bicicleta perigoso; causando ferimentos graves ao andar de bicicleta perigoso e causando a morte ao andar de bicicleta descuidado ou imprudente.

Concordo em grau, gênero e número. Aliás, quando enviei propostas de leis para o novo CTB, este que está aí, pedia punição pesada para infratores que causassem acidentes, inclusive nos acidentes em que eles fossem a própria e única vítima. 

Se a bicicleta é, pelo CTB, um veículo como qualquer outro, por que o ciclista não tem que ser punido como qualquer outro? Por que a condução do veículo bicicleta não requer Carta de Habilitação? A educação de ciclistas não é responsabilidade do poder público? Então que se puna alguém, mas que não se deixe elas por elas. 
Mas vai punir o pobre entregador também? Vai. E digo isto para aqueles que defendem a não punição dos entregadores em nome da responsabilidade social, mas fazem questão de ter a pizza em casa o mais rápido possível. 
 
Interessante, tem gente que bate o martelo em certas posições até a coisa virar contra ele, daí a mudança de entendimento é imediata.  

A única forma de termos justiça social neste país é termos justiça. "Mas a justiça só funciona para os mais pobres". É uma triste realidade, triste não, deprimente. Muito da responsabilidade deste estado de coisa é de todos nós que temos medo que com a justiça rápida e justa sejamos pegos e tenhamos que pagar quando jogarmos lixo na rua, por exemplo. Ou quando nosso filhote for pego pixando o muro do vizinho. E daí para fora. 

Hoje pela manhã teve uma reunião de representantes de Paraisópolis com a Secretaria de Segurança Pública para pedir ações que parem a violência policial e a violência das gangs e traficantes do bairro.

É deprimente que muitos ainda confundam justiça com ditadura ou Santa Inquizição. Santa Inquizição e ditaduras só perduraram porque o povo permitiu. Silêncio mata!
Violência só está no meio de nós porque aceitamos.

Novamente, de quem é a culpa? 
Melhor, o que é culpa?

Sky News
New 'death by dangerous cycling' offence after MPs back law change
Updated Wed, 15 May 2024 at 7:40 pm GMT-4
3-min read

Dangerous cycling that causes death could land people up to 14 years in prison after the House of Commons backed a proposed change to the law.

On Wednesday night, MPs voted in favour of an amendment to the Criminal Justice Bill that would create three new offences: causing death by dangerous cycling; causing serious injury by dangerous cycling and causing death by careless or inconsiderate cycling.

The amendment, put forward by former minister and Tory party leader Sir Iain Duncan Smith, was supported by the government and will now form part of the bill.

Speaking in the Commons, Sir Ian described the new law as "urgent" and added: "This is not, as is often accused by people who say anything about it, anti-cycling.

"Quite the opposite, it's about making sure this takes place in a safe and reasonable manner."

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During his speech, Sir Ian made reference to Matthew Briggs, whose wife Kim died aged 44 after a cyclist collided with her in Old Street, east London.

The bicycle did not have a front brake and the 44-year-old suffered "catastrophic" head injuries - dying in hospital a week after the crash in February 2016.

The cyclist, Charlie Alliston, was jailed for 18 months after he was found guilty at the Old Bailey of "wanton or furious driving", but was cleared of manslaughter.

Sir Iain said: "(Mr Briggs') attempt to get a cyclist prosecuted after his wife was killed in central London in 2016 involved a legal process that was so convoluted and difficult even the presiding judge has said afterwards, since she's retired, that this made a mockery and therefore it needed to be addressed - that the laws do not cover what happened to his wife and is happening to lots of other people."

He added: "The amendment, I believe, will achieve equal accountability, just as drivers are held accountable for dangerous driving that results in death, cyclists I think should face similar consequences for reckless behaviour that leads to fatalities."

Transport Secretary Mark Harper, responding to the approval of the amendment, said in a statement: "Most cyclists, like most drivers, are responsible and considerate. But it's only right that the tiny minority who recklessly disregard others face the full weight of the law for doing so."

Dangerous cycling is already laid out in the Road Traffic Act, which includes riding in a way which "falls far below what would be expected of a competent and careful cyclist" and which "would be obvious to a competent and careful cyclist that riding in that way would be dangerous".

The proposed law would require cyclists to make sure their vehicle "is equipped and maintained" in a legal way, including by keeping brakes in working order.

It would apply to incidents involving pedal cycles, e-bikes, e-scooters and e-unicycles.

Current laws state that causing death or serious injury by dangerous, careless or inconsiderate driving are already offences, but the vehicle involved must be "mechanically propelled

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Misturar alhos com bugalhos

Mandaram num grupo de bicicleta um abaixo assinado contra o presidente do Banco Central. O grupo foi criado para tratar dos inúmeros problemas que afetam a vida dos ciclistas e o desenvolvimento do uso da bicicleta. As questões relacionadas ao Banco Central obviamente afetam a vida de ciclistas, como a de todos os brasileiros, mas é um tema de uma complexidade sem tamanho. Bicicleta e a vida dos ciclistas é só um pouquinho menos complexo que definição de taxa de juros em cima de projeções macro econômicas e detalhezinhos afins. 

Independente da linha política e ideológica, o grau de complexidade que envolve estabelecer uma política econômica não se resume ao país em questão, mas a uma conjuntura internacional de onde pequenos detalhes podem simplesmente mudar todo jogo financeiro, consequentemente da vida de todo mundo, daqui e de todas as partes, incluindo ciclistas. Mesmo gente do dito "mercado" (financeiro) não raro se veem perdidos, imagine quem acha que sabe o que está falando. Fato é que meter ideologia no que é técnico costuma dar muito errado. 
Como sempre, a história não mente. Brasil teve hiper inflação por décadas, um desastre completo principalmente para os pobres. Quem não viveu aquela época não sabe o que fala. Planos mágicos e ideológicos simplesmente arrebentaram o país, até que fizeram um plano técnico que deu certo, o Plano Real.

Cada macaco no seu galho costuma dar certo, é produtivo. Faz parte da sabedoria e do bom senso histórico. 

A questão dos transportes urbanos demanda muito esforço, muita luta, para que haja melhorias de curto, médio e longo prazo. Melhorias no transporte afetam todos setores da vida da população. A bicicleta há muito tem um papel relevante neste jogo. Ainda tem quem a considere perigosa, brinquedo, transporte para poucos e outras besteiras mais. Não sabem o que falam. O papel dos ativistas e interessados que se posicionam é crucial para as mudanças desejadas não só para ciclistas, é de certa forma tão importante quanto o trabalho do pessoal do mercado financeiro. Misturar alhos com bugalhos é que costuma não dar certo.  

Bicicleta é o veículo com o menor número de peças e componentes para que possa ser usado. Ciclistas usam um sistema viário muito básico de se entender e usar. São regulamentados por um código que é constituído por um número pequeno de leis, se comparado a qualquer outro código que regule e organize as funções da vida humana. Tudo é muito básico, fácil de entender, isto não quer dizer que lidar com os detalhes que fazem tudo funcionar bem seja uma tarefa fácil, muito pelo contrário. Os resultados vem com foco no que interessa e é prioritário. Temos urgência. Divagar é ótimo, mas fora do contexto faz tudo andar devagar. 

Como tudo nesta vida, sempre aparecem ideias mágicas que vão resolver todos os problemas. A vida ensina que não é bem assim. Muito pelo contrário, nunca é assim. Ignorância é o que mais mata, não resta dúvida.

Aprofundar-se na sua área de interesse é o que melhor se pode fazer para si e os outros. Aliás, é o mais honesto. 

Mágicas são divertidíssimas, mas se baseiam na mais pura enganação.