segunda-feira, 3 de abril de 2023

As transformações de uma cidade

Uma cidade, quatro momentos históricos, quatro soluções de uso urbano diferentes e bem definidas.


Lyon é tida como uma pequena Paris. Merece. Paris é incomparável, isto é certo. Lyon é muito menor, muito bem ajeitada, muito menos intensa. Dentro da cidade são quatro pontos a serem visitados; o pequeno centro histórico que deu origem a cidade séculos atrás, o centro velho, e duas áreas comerciais, uma construída há 14 anos e outra recente. Poucas cidades foram tão elucidativas sobre o que pode ser o uso público do espaço urbano quanto Lyon. Para mim acabou sendo uma aula.

O centros históricos de todo mundo viraram pega-turista. Mesmo com as ruas vazias de uma segunda-feira de manhã tive em Lyon uma pitada da desagradável sensação que vivi na rua que leva da estação de trem à Praça São Marco em Veneza. Estes centros históricos "é tudo igual", passagem da boiada turística cheia de lojinhas de bugigangas e lembranças, lojas de marcas, restaurantes típicos do local (típicos do local?) e tudo mais mais que um turista possa querer... comprar. A história está lá para uns poucos degustar, mas raros o fazem.

Já a Basílica de Notre-Dame de Fourvière, que se acessa via funicular e está em cima do centro histórico e olhando por ele. É de cair queixo. Muito mais recente que o centro histórico, datada de 1872, inteira decorada como mosaicos pré-rafaelitas, coisa que nunca tinha visto, é uma preciosidade, um dos pontos altos de Lyon, nos dois sentidos.
Do pátio lateral é possível ver quase toda cidade, que é plana, construções uniformes, mas no meio, para lá do centro velho, tem três arranha-céus meio mais alguns edifícios altos sem sentido. Pelo menos estão concentrados num ponto único da cidade.

Lyon - centro velho
O centro da cidade velho foi construído em grande parte por volta da virada do século XIX e início do XX, La Belle Époque, é organizada, ruas retas, largas, edifícios grandes, uniformes, que respeitam regras de construção, praças espaçosas, também com intensa vida de turismo, mas definitivamente não só, misturada com muita vida local, vida intensa, a que não depende única e exclusivamente do turismo. Tem um comércio variado e rico, muito além da bobagem dita rica que temos no Brasil, sinal claro que corre muito dinheiro. Tem uma rua mais estreita que as outras, provavelmente de época mais antiga, um tanto turística e cheia de restaurantes.
Esta Lyon da Belle Époque está contida entre dois rios, o que por si já diferencia a forma de viver aí.

Finalmente os dois centros comerciais que aparecem no mapa para turistas, mas não me chamaram atenção de princípio. Pela paixão de andar de bonde acabei caindo acidentalmente nestas duas áreas comerciais. Acabou sendo uma baita experiência, deu o que pensar. 

No bonde sem destino, como sempre faço, depois de cruzar o rio e umas quatro paradas, uma delas estranha, desagradável, dei de cara com um bairro moderno, genial. O que primeiro chamou atenção foi uma mega construção cheia de curvas, elementos retos e vazados a margem de rio. Desci do bonde rapidamente e dei com um imenso espaço de reformulação do espaço urbano com um grande shopping center, o que parecia ser um lago e edifícios modernos em contraponto ao shopping.

Subi a escada rolante e dei com um espaço aberto, ventilado, acolhedor, com vários pontos de vivência com vista para a água, o ancoradouro e os novíssimos edifícios. Muito agradável. Estava no que seria a praça de alimentação. Desci e quanto mais baixo o piso mais cara de um shopping center normal. Solução para lá de interessante. 


Talvez tenham os projetistas tenham pensado que seria uma solução urbana, mas um arranha-céu é arranha-céu e um shopping center é um shopping center, com todos seus vícios.


Na outra ponta da cidade estão os três edifícios altos e injustificáveis na paisagem. Lá vou eu, bonde de novo, parada aos pés de um destes edifícios com a entrada de uma fachada toda recortada, até interessante. O bonde segue por baixo desta fachada numa arquitetura mal resolvida. Cruzando a rua e olhando em volta os detalhe dos recortes são sensação agradável apagada e resta uma certa opressão pelo local cercado, uma espécie de beco sem saída, com um edifício alto e feio.
Entro, paro para um café e descubro que estes edifícios tem uns 14 anos e que a novíssima área reurbanizada de Lyon é recente. A diferença de inteligência aplicada é gritante. Isto aqui é financeiro, ponto final. O espaço aberto do outro lado da cidade também pode ser, mas leva em consideração que o espaço pode oferecer algo mais para a qualidade de vida dos que lá estão.

O shopping center é um shopping center e tenho dito. Westfield La Part-Dieu Shopping Center. A cobertura até tem um espaço para vivência e crianças brincarem, ponto final, é um shopping center, mesmo bem cheio de público, de compradores, é vulgar, não simpático, pouco amigável, mas pelo jeito o pessoal adora. Triste.
A nota negativa até para um shopping foi a distribuição dos banheiros, poucos, um por andar e não em todos, além do fato que se tem que pagar em duas máquinas 0,70 Euro para entrar. Detalhe: depois de muito procurar um banheiro encontrei com as máquinas quebradas, o resto não conto. Desconfio... que os banheiros foram projetados para evitar os indesejáveis ao comércio local. 
Ufa! saí do shopping! de volta a rua.
 

Não muito longe dali o segundo edifício alto com um pequeno shopping gastronômico, o Urbi Lyon Bocuse. A solução urbana é muito mais bem resolvida e agradável, com uma larga larga praça com vista para o moderno auditório de Lyon, uma bela concha de concreto do outro lado da avenida. Aliás, esta avenida tem o charmoso e agradável toque de uma das principais avenidas de Madri: larga, minimalista, com calçada em concreto liso, uma ciclovia e ajardinamento. Muito agradável, muito agradável. Só agora percebi que a boa solução para o espaço público me fez passar batido pelo edifício alto, ou seja, meu olho ficou no plano, na vida que estava na rua e praça. 
Dali segue por vários quarteirões uma rua em diagonal que foi fechada para o trânsito e está sendo trabalhada para ser só de pedestres, ligando duas grandes praças, a da foto, moderna, com uma de longa existência. Os quatro amigos cadeirantes e todos idosos que vi circulando por ela definem bem o bom uso do espaço público.


Paris vista da Basílica de Sacré-Coeur de Montmartre é toda plana, teclados na mesma altura, e só tem dois pontos de referência, o isolado edifício monolítico preto da Torre de Montparnasse e mais longe o imenso e disforme conjunto de edifícios La Défense. A Torre Montparnasse é muito estranha no meio da paisagem plana do entorno, mas acho interessante como um ponto de referência e o contraponto que faz com a Tour Eiffel. Para quem conhece Paris, olhando a distância com a Torre de Montparnasse é possível entender a cidade luz. 
A visão do La Défense é grosseira de longe com um dos edifícios, o maior, todo retorcido. De perto não é tão feio e felizmente as estranhas construções estão constritas a uma área bem limitada. Como ponto de referência serve menos que a Montparnasse porque está distante do centro histórico e cultural de Paris.  
A questão é que em todas as grandes cidades europeias e americanas, que são o sonho de consumo de muita gente, e bota gente nisto, o uso do espaço urbano é ordenado, tem uma lógica, não cai na selvageria imobiliária que temos aqui em São Paulo. A razão para isto é simples: que cidade se quer. Ordem chama ordem e baderna chama baderna; eles fizeram uma escolha, nós também.

Um detalhe que me marcou, preservaram a fábrica da Citroën, que está no meio da cidade, só mudando sua função. As fotos que tirei não refletem a beleza e a escala do edifício. Adorei. 



Mais fotos de Lyon:

O bairro novo e seu shopping aberto









Os arranha-céus e seu shopping


 




A rua transversal e sua nova praça











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