Às 3:00 h da manhã fui avisado sobre a morte de um velho amigo, com quem convivi desde os 4 anos de idade. Estou, melhor, estamos todos aliviados. Cabeça dura e durão escondeu uma série de problemas que vinha tendo até ter passado longe do limite. Logo operado ficou claro para os médicos que ali estava um caso muito mais grave que os que eles até então consideravam como grave. Seguindo os ditames da medicina ele recebeu todos cuidados possíveis, várias operações nas quais lhe extirparam tudo o estivesse contaminado por uma septicemia, e não foi pouco. Poupo-os de detalhes. Isolado numa UTI especial recebeu sangue, hemodiálise, ficou ligado a mais cinco máquinas de remédios, dentre outras que não faço ideia para que servem. Os familiares foram avisados que caso sobrevivesse, praticamente um milagre e não força de expressão, meu amigo teria que sofrer várias cirurgias plásticas reconstrutivas e que depois destas provavelmente entraria num pesado tratamento de quimioterapia.
A vida quis que eu passasse por sete anos convivendo com a morte de parentes e amigos, uma atrás do outra, por isso digo que lido relativamente bem com a questão. Vi muita situação pesada no pessoal e profissional. A verdade da brutalidade da morte veio em um fim de semana ouvindo histórias vividas por socorristas rodoviários e algumas vezes vendo fotos tiradas pela perícia em acidentes de trânsito. Na dor pessoal tive que acompanhar minha avó e minha mãe pedirem ao corpo médico que pelo amor de Deus não as ressuscitasse mais, um familiar vegetando durante intermináveis sete anos para a família e amigos, saber como morreu atropelada a filha de uma amiga, dentre outros pesadelos, mas nada sequer parecido com o que vivemos todos nesta tentativa inútil de manter meu amigo vivo. O que aconteceu impressionou meu médico. Foi indescritível. Como previsto há duas semanas, hoje ele foi-se, felizmente.
Escrevo este desabafo porque desde muito acredito que os limites da medicina perante a vida e a morte têm que ser revistos, o que vem acontecendo nos países mais adiantados. A ética médica atende a princípios que podem e devem ser colocados em discussão para o bem até da própria medicina. Vida e morte não podem ser mantidos sob uma conversa tão carola.
Aquele corpo que foi sendo lentamente esquartejado, desculpem os médicos meu sentimento, era de homem superdotado. Se estivesse ciente do que lhe estavam fazendo provavelmente teria pensado em dar uma última colaboração à ciência e ao futuro do planeta, mas não estava, e era líquido e certo que nunca mais estaria. A decisão sobre quanto prolongar o irremediável deveria ser dos familiares, mas nossa arcaica lei não os dá este direito.
Todos recursos e todas tentativas foram em nome da salvação, não sei se do paciente, naquele estado não mais que um corpo, ou a salvação dos médicos. Mesmo que para o deleite e a segurança legal dos médicos ele tivesse sobrevivido à barbárie, para familiares e amigos o futuro seria um suplício lento e massacrante sobre o qual parece não haver qualquer interesse da medicina. O problema a partir da salvação não é mais deles, médicos, simples assim. Coisas do negócio.
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