quinta-feira, 14 de julho de 2022

O custo da bagunça numa cidade

Está pipocando edifício por tudo quanto é canto. Mesmo numa cidade como São Paulo que tem um mar de edifícios fica claro que a panela está quente para o mercado imobiliário. 


Qual é o problema desta panela quente?
Não vou entrar no perigo da bolha imobiliária, na crescente inadimplência, deixo isto para economistas. Fico na questão urbana, na cidade como comprovado instrumento civilizatório.
   
"É só um edifício? Precisa lugar para as pessoas morarem."
Antes de mais nada é uma cidade, esta é a questão. O ou um edifício faz parte da cidade, não é uma unidade onipotente, soberana, isolada de outras realidades. Interessante que nas propagandas nos entregam nas esquinas o entorno do novo empreendimento sempre desaparece ficando o edifício prepotente em sua beleza. Beleza? Você decide.   
 
Um edifício novo construído no lugar de algumas casas demanda investimentos públicos em água, esgoto, energia, vias públicas. Se em duas casas moram duas famílias, num edifício baixo, de 10 andares e dois apartamentos por andar, vão morar 20 famílias.
Quem paga a conta das melhorias públicas necessárias para dar suporte a estas novas moradias em parte vem de seu bolso, contribuinte. "Mas eles também vão pagar os tributos e serviços." Sim, depois que o edifício estiver todo vendido e habitado, mesmo assim nem todos custos públicos vão ser cobertos. O aporte inicial nas contas públicas sai do bolso de todo cidadão, a bem dizer em benefício das empreiteiras e incorporadoras.

"Eles também são cidadãos, tem o direito de comprar um apartamento para morar."
A princípio sim, tem direito a moradias, mas quem dá o direito aos moradores de um edifício a criar sombras nos vizinhos, a mudar o fluxo de ventos, de deixar as casas no entorno com umidade, a mudar a paisagem. Que direitos especiais têm os moradores de um edifício alto a de ter uma vista sem obstáculos, ter insolação do perfeita do apartamento, uma ventilação interminável e com muito menos poluição que os simples mortais que vivem aos seus pés? 
O que lhes dá tantos direitos? Dinheiro? Onde fica o direito coletivo de todo cidadão? 
Quem ganhou com isto? Quem ganha com isto? 
Qual o preço para a cidade? 
Eu colocaria ai muros, condomínios, ruas fechadas, qualquer direito especial. Não excluo invasões. Quem ganha com estas situações? Quem perde?


Guarujá e Balneário Camboriú
Guarujá foi conhecida como "A Pérola do Atlântico". Vivenciei um Guarujá ainda com casinhas a beira mar, uma delas literalmente suíça, ou seja, trazida desmontada da suíça num navio e montada ou construída na beira mar, outras projetadas por arquitetos renomados aqui no Brasil e mundo a fora. A praia era limpíssima, o mar translucido, a vida tranquila, segura e muito agradável. Éramos crianças e circulávamos livres, leves e soltos por toda a cidade. Muitos turistas estrangeiros. Infelizmente não cheguei a ver o hotel casino, que todos dizem que era uma maravilha. 
Falo da década de 60. Em 1969 a tampa de um bueiro explodiu por pressão do esgoto e meu tio decidiu mudar seu local de férias. Guarujá já crescia sem controle e com seguidas denúncias de corrupção.   
Era coisa de elite, sim. Na mesma época vivenciei Santos, uma cidade de classe média com personalidade própria, aliás um dos celeiros de profissionais de primeira linha do Brasil. Santos preservou-se, Guarujá virou uma baderna.
 
A tradicional Santos e os novíssimos espigões
Liberaram geral as construções em Guarujá, não houve qualquer preocupação com água, esgoto, energia, logística de distribuição de bens e alimentação. A pequena e agradável cidade virou uma baderna na temporada, quase uma guerra civil. No supermercado ainda hoje chega a ter fila de horas para conseguir entrar e comprar. Ridículo. E a violência é contínua e escandalosa, na cara de todos - literalmente.
Não posso deixar de fazer um paralelo de Guarujá com Camboriú.
Cheguei a conhecer Camboriú sem a maluquice dos edifícios, arranha-céus, que hoje assustam quem os vê passando pela BR 101. Era conhecida como a Guarujá do sul e seguiu o mesmo caminho de Guarujá na sua selvageria imobiliária. Deprimente!
Ridículo, mas os edifícios altíssimos de Camboriú tiraram o sol da praia e Governo e Prefeitura teve que esticar a arreia da praia, uma prática que se sabe que causará problema ambiental em algum lugar, ou em vários outros pontos do meio ambiente marinho. Mesmo assim a praia continuará sombreada, um pouco menos, mas sombreada.
Não sei como está o perfil do turismo argentino lá em Camboriú, mas com certeza não é um turismo com alto valor agregado. Vão para lá porque dependendo da época e da cotação Real - Peso vale a pena, mas é sabido que a maioria é turista difícil.

Santos irá imitar o brutal fracasso de Camboriú? Duvido, talvez queira ficar tão rica (?) e chique (?) quanto São Paulo. Não importa as razões, o que está acontecendo não é nada bom. Santos tem uma personalidade forte, uma alma de raro valor, uma história que deveria ser preservada. Preservar não significa necessariamente estancar o progresso, mas organizar, colocar limites, preservar a alma da cidade. Isto não está acontecendo. Pipocam edifícios imensos deformando bairros.

O grande problema das cidades brasileiras esta num "eu quero o meu já", provavelmente "o" câncer do Brasil. Políticos e população está preocupada com ter a sua parte imediatamente, sem pensar nas consequências futuras. Aí dançou tudo. O preço desta monumental besteira pagamos dia a dia e não aprendemos. Copacabana não é uma praia sombreada? Desde quando? Aprendemos com isto? Mar poluído afasta turista de valor agregado? Ter a cidade mais que lotada só por alguns dias do ano é bom negócio? Estrada entupida ajuda? Turismo sem valor agregado vale é realmente rentável?  

Santos e os farofeiros

Tem que proteger a cidade? Sim, tem. Podem ser ações simples. Santos, por exemplo, chegou num determinado ponto quando tiveram que proibir a entrada de ônibus fretado com farofeiro que invadia a praia, enchia a cara, colocava som batidão a mil, fazia algazarra, afastava outros turistas, não gastava um centavo e ainda deixava a praia imunda. Eram todos farofeiros que faziam isto? Não, mas a maioria não queria controle. Santos sob pesados protestos foi a única a tomar a atitude de barrar farofeiro? Não, de bate pronto lembro de Ilha Bela que também deu um basta. Todo farofeiro age assim? Repito, definitivamente não, é uma minoria que ninguém controla ou tem interesse em controlar, nem sequer os prejudicados que viajaram juntos e não gritam um "basta!"
A opção lógica: trabalhar turismo com valor agregado.

   
Santos
Farofeiro é relativamente fácil de controlar. O estrago que causam é reversível, mas dependendo dos estragos difícil de reverter. Já a selvageria das classes média e alta e seus novos edifícios pomposos é um problema infinitamente maior para o Brasil, primeiro porque não há educação e cultura para entender que é um problema, depois porque se crê que não é selvageria, mas crescimento econômico, finalmente porque o estrago é praticamente impossível de ser revertido. 
Santos é uma das poucas cidades deste país que tem uma personalidade característica e forte. A nova geração de moradores simplesmente não tem cultura para entender o que isto significa em termos de qualidade de vida. O resultado é que Santos está lentamente sendo deformada pela construção de edifícios desproporcionais. Há uma luta para frear o processo, pelo menos isto.
Isto não é liberalismo, mas selvageria pura. Os únicos que realmente vão ganhar com esta loucura são as construtoras e empreendedoras. Não esqueçam, o futuro dirá.
Enquanto estava tirando esta foto se aproximou uma bela mulher jovem com sua filha de 17 anos que acabou de entrar na faculdade de arquitetura. A mãe me perguntou o que eu tanto olhava e fotografava o edifício da foto que se vê na foto ao lado. Dei minhas razões, que já expus aqui, e ela me contou que a filha vive perguntando no que vai dar esta festa de arromba de arranha-céus. 
- Tem vários problemas... Com a perda da identidade, há uma ruptura da história da cidade, dos cidadãos, do passado, e está provado que isto resulta em violência... 
No que vai dar esta loucura? Ninguém sabe ou quer falar, mas... tem tudo para não dar certo. Tem bastante gente que aposta em isto é bolha e que vai explodir. Veremos.

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