terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Mal entendido

"Aviso aos passageiros; antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra se para neste andar". 


A menina, jovem mulher nos seus gloriosos 20 e poucos anos, corpo magro, acinturado, shortinho de jeans bem curto, pernas vistosas ao ar vai pedalando uma bicicleta muito muito simples e barata que visivelmente acabou de sair da caixa; segue tentando trocar as marchas. Por mais que faça força o passador não se move. Vai seguida por ciclista experiente, paramentado, que diminuiu sua velocidade para vê-la e alegrar sua vida. Para ao lado dela no semáforo e muito entusiasmado com a beleza pergunta se pode dar uma olhada para tentar resolver o problema. Ela aceita, entrega a bicicleta, fica parada sorrindo segurando a bicicleta dele enquanto ele sai para um teste. Ele volta, mexe nos cabos, olha aqui, ali, sabe que provavelmente não pode resolver, e para tentar estender a conversa dá sua bicicleta para que ela teste e entenda como deve funcionar um passador e uma bicicleta; então quem sabe poderá acompanhá-la até uma bicicletaria, quem sabe o que mais. Ela sai pedalando meio sem jeito pela ciclovia até a outra esquina, para, desce da bicicleta, dá meia volta, sobe, prepara o pedal e cheia de sensualidade pedala para o sorriso incontido do ciclista, que tenta manter sua postura de entendedor, nada mais. Ela para desajeitada e titubeante, dá um sorriso inocente. 
- Ganhei a bicicleta ontem, presente de aniversário de 15 anos. 
Assustado o ciclista diz para ela conversar com o pai para ele consertar; clipa a sapatilha com força e vontade, olha o trânsito e sai rápido dali. 


Aproximando-se da porta de entrada do colégio o senhor cumprimenta o jovem que está na calçada fumando. 
- Bom dia! e mal ouve uma resposta balbuciada num bafo fedorento quase inaudível, 
- Falou! 


- Numa reunião de família quem senta na cabeceira? Quem senta próximo? Qual a ordem, a hierarquia? Onde sentam os mais velhos? pergunta a professora de etiqueta para a classe de 100 jovens universitários de turismo. Num silêncio constrangedor pergunta espantada, 

- Quem senta numa mesa em reunião familiar levanta a mão. 
Poucos levantaram a mão. A professora segue com a pesquisa para entender a situação. Mais de 70% fazia as refeições só e boa parte destes sequer tinham uma mesa de jantar em casa. Na maioria dos casos, mesmo que outros familiares estivessem em casa, fazia seu prato no fogão e sentava onde dava e na hora possível. Refeição em família, mesmo com todos reunidos, também era assim, sem horário ou local para ficarem juntos. 

Sentada num café, mesa na calçada, a professora para de contar a situação, olha o povo passando na rua, pensa com testa franzida. Volta os olhos para a mesa, manuseia a xícara com o café que esfria e continua. 
- Ali descobri o abismo. Como explicar etiqueta social em refeições para quem nunca comeu sentado numa mesa junto com os pais, irmãos, amigos; gente que sequer tem mesa em casa?

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