- Passou um cone sozinho correndo lá para a avenida.
Cara de espanto com a notícia os outros seguranças perguntaram em coro - Passou o que?
- Passou um cone correndo lá pra avenida; respondeu agitado e movendo os braços. Passou um cone... de quatro patas..., o cone gente, gesticulando os braços para apontar algo. O cone... o tratador foi correndo atrás.
- Cone? tentou entender um dos seguranças enquanto os outros riam
- É, um cone. Um conei! Conei!!! O cavalinho pequeno.
- Ah! Um pônei. O pônei fugiu..., o pônei da casa da esquina?
- É, gente, o conei, isto aí, o conei. Vamo lá ajudá"
A discussão que acabou doendo nos nervos. Falavam as duas sobre a prima com pontos de vista diferentes, plausíveis, uma com viés amistoso, outra ardendo em lembranças desagradáveis. E foram ganhando posições mais radicais que já não diziam respeito a prima, mas traziam a tona profundas e enraizadas más lembranças, e suas fraquezas das próprias que discutiam.
- Fala baixo; num momento ordenou a enraivecida
- Estou falando baixo; e estava. Você é que está levantando a voz; responde com um leve sorrisinho sínico.
Naquela discussão interminável de vozes que subiam, ordens inúteis dadas, não entravam mais argumentos, razoabilidade, mas manter a qualquer custo a própria posição. Cada palavra, respiro, ponto, empurrava para a mais dolorosa discordância, fosse de fato um ataque pessoal ou não. Não passavam de comentários sobre a prima, coitada, de quem falavam, ou imaginavam estar falando. A origem da discussão desaparecera em meio a velhas desavenças das duas irmãs, rito habitual sempre que se encontram. Não houve basta dos mais velhos que estancasse o show.
- Estou sendo franca.
- Não está.
Com frases curtas e rostos doloridos finalmente se fez silêncio. TV ligada, volume aumentado.
- Fraqueza não é franqueza; a primeira pode ser digna de pena, a segunda torna obrigatória a atenção aos que sabem ouvir quietos, mas não é este o caso aqui; disparou quase sussurrando o velho que entrara na sala em meio a fervente discussão.
Atônito o pai vestiu a carapuça até o umbigo e se sentiu mais uma vez profundamente envergonhado de seu passado.
O silêncio da TV ligada...
- Pica-pau! disse uma das irmãs
- Não me ofenda! Como pica-pau? Que é isto? Pica-pau? gritou o velho
E a gargalhada geral estourou na sala.
- Olha para a televisão. Tá passando o Pica-pau, o velho. Desculpe, sem ofensa, o antigo
E uma das irmãs teve a sabedoria de segurar a mão do velho que consternado ria.
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