sexta-feira, 30 de outubro de 2020

a postagem depois de 999

Não sei exatamente quando descobri que o blog tinha contagem de visualizações. Mais, para minha completa surpresa tem Estatísticas, pior, de tudo o que acontece no blog. Só um idiota não vê. Eu não vi, fazer o que? Fato é que cheguei às 1.000 postagens. 

Data importante? Nos apegamos aos números redondos e uns poucos outros como se fossem mágicos. Adoro o 8, o infinito. Tina gostava de brincar com o som "oooito" esticado, boca cheia, num som místico, quase paráfrase do mantra tibetano OM (AUM). Resquícios de um paganismo ainda muito vivo em todos nós. Creo en brujas y es cierto que las hay, por las bendiciones de las estrellas y la luna. No te olvides del sol. Ni de la tierra, agua, fuego...  
Por causa de uma velhinha francesa mentora de Tina e Mané, a que os levou ao Mont Saint Michel, evito sentar de costas para a paisagem. Sento para o que vem pela frente, para a vida. Ensina-me a viver, o filme, já tinha passado há muito e ensinou. 
Quando escrevo os textos... leio, releio, meço cada palavra e seu sentido, como acabei de fazer com esta 1ª pessoa do singular do presente indicativo de medir. Vou sempre na esperança de estar sentado de frente para a direção que corre o trem e sempre que possível na janela olhos atento ao que vem, passa numa fúria que nunca aceito bem, e desaparece. Sempre vai estar lá se eu quiser, basta voltar.
Um drama é que não tenho memória para lembrar o que já disse ou não. Maria Clara, a neta, com olhos enfadonhos repete "Você já disse isto". Deprimente!

E um dia, no exato dia e momento em que descobri como os quiabos nascem e crescem, Rui Siqueira me mostrou a perfeição das sombras de uma tarde de outono. Os quiabinhos estavam na sombra, mas o resto do jardim não, e a grama pisada brilhando que levava ao fundo do terreno estava perfeitamente recortada por uma sombra escura como por uma tesoura sem ponta em mãos de uma criança feliz. Nunca tinha reparado, não pelo menos com aquela atenção, talvez por isto nunca tivesse visto. E quando Márcia nos chamou "O café está pronto" Rui se afastou, fiquei ainda ali atônito com a descoberta. Levantei a cabeça esticando o pescoço até sentir minha pele para ver de onde vinha aquele recorte primoroso e dei com o azul límpido trivial a qualquer outono que nunca mais seriam os mesmos para mim.
  
Com cada texto, um recorte, vai a vontade de acertar, principalmente. "Quem não sabe errar jamais saberá acertar". Errar é uma dádiva que não a tenho. Os erros que cometo são atávicos. Erro a farta as letras, tenho grande dificuldade de perceber onde está faltando ou trocada uma letra, ou mesmo onde esqueci de colocar uma palavra inteira, um verbo que dê sentido. Obrigado, velho Fernando, suas palavras foram sábias: existe um milagre chamado "revisor", na época dele muito melhor que os atuais porque humanos e perfeccionistas. Ainda estão por aí e confesso ter medo deles; medo não, pavor. A máquina indica, o bom revisor diz a verdade com um sorriso. Quem não fica apavorado com a verdade dita em voz calma e sorridente?
Escrevo com tesoura sem ponta e cabo de plástico e faço o melhor recorte que posso. "A tia vai gostar?" Já tentei recortar uma mandala e acabou margarida reconhecida pela bondade de quem leu. Fazer o que? Eu tento pensar, você tenta entender, eles nem sabem o que.  
  
Não me peçam para escrever um bilhete a mão. Não consigo. Antigamente não sabia o que fazia com minha letra, muito menos com o que estava eacrevendo. Letra e cachorro são o reflexo perfeito do dono. Nunca entendi uma palavra do que meus cachorros latem, mesmo assim faço cosquinhas. Falta de autocrítica. Sou destro, passei a forçar a escrita com a esquerda. a letra melhorou, mas não o pânico de escrever a mão. Gramática? Pelo Amor de Deus; vá de retro Satanás! Mas guardo a decência do tentar escrever, algo desprezado já faz tempo. 

"Vou te ensinar a tomar cerveja" avisou Rui, e para cada trago da loira vinha um molhar a boca com a marvada da pinga me atrapaia. Trapaiô. Voltei para casa me apoiando nas paredes, postes e o que tive a disposição. Não repeti, não mesmo! Infelizmente repito nos textos, mas já não tenho as ressacas de outrora. 
No sítio Rui foi cuidar das cabras. Fechou a porteira atrás de mim e avisou que o bode branco, o de cabeça grande, não se pode olhar ou ele dá cabeçada. Foi inevitável olhar para o bode e acabar estatelado na terra dura e cheia de pedras uns três metros para trás de onde estava. Não aprendi que não se brinca com cabeça dura.

Cabeça dura sou eu, e como sou, por isto persisto em escrever.

A escola, a bicicleta e a vida.

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