quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Desviar o pensamento do saco cheio

O meu saco está cheio. Tão cheio que encostou no teto de minha casa. Uma hora não vou conseguir ficar dentro de casa. Não tenho o que reclamar. Vira e mexe dou de cara com vizinhos no portão que também não aguentam mais. Onde vou a expressão 'estou de saco cheio' é dita aos quatro ventos e faz rir para não chorar. Saco cheio pandêmico. 
Pedi socorro para meu querido médico e ele disse para fugir. "Santo remédio: some!" prescreveu. Sumi uns dias, voltei para casa, o saco estava menor, consegui trabalhar um pouco. Mas sempre aparecem problemas que não dão para escapar. E lá veio merda. Teste de resistência.
Acordei 5:30 h depois de pesadelos com esta merda que não é minha e que por força familiar tenho que resolver. O pesadelo poderia ter de fundo musical Neurotica do King Crinson para animar um pouco, mas nem isto. Dá-lhe café da manhã. Papaia de merda! (não estava tão ruim, mas não custa nada reclamar. Aproveita.) - Quer saber, vou fugir. Selim na bunda, rodar. Entro na ciclovia do rio Pinheiros, para minha surpresa bem menos cheia que esperava.
- Promissor. Mas estou tão enfurecido com a história que não consigo entrar mentalmente na ciclovia. - Preciso desviar meus pensamentos. Vamos lá, olha a beleza da paisagem...", mas não vai, quando vejo pedalei sem estar pedalando, estou possesso e não saio do círculo vicioso.

Bom dia. 
Desviar os pensamentos. Deveríamos ter aulas desde a mais tenra infância sobre técnicas de desvio de pensamento ou meditação. É uma das mágicas humanas, você muda de ambiente mental quase num passe de mágica. Funciona bem, tão bem que empresas mais estruturadas ensinam ou mesmo obrigam seus funcionários a desviar o pensamento, desligar do que estão fazendo para aumentar a produtividade, diminuir erros, melhorar a qualidade. Faz bem para a saúde.
Há uma técnica de organização mental onde você vai colocando cada grupo de memórias numa caixa, depois colocando cada caixa numa estante específica, construindo um quarto, depois outro, cada um com sua função e assim por diante. Com prática se consegue mentalizar um castelo de memórias, pensamentos, ideias, informações, etc..., o que facilita muito a organização mental. Vem do budismo ou do hinduísmo, não sei bem. De uma certa forma fazemos esta organização intuitivamente, sem visibilizar caixinhas, estantes, quartos... Para nós, ocidentais, a memória é a memória, uma compreensão muito simplista e limitadora desta função crucial. 
Outro dia eu conseguia ver o tecladista negro que tocou com os Beatles no último disco, mas nada de lembrar o nome. Parei de pensar e depois de um tempo veio "Billy", mais um silêncio, um tempo para colocar a mente em branco e então veio "Billy Preston". Minha memória tem se perdido, ou melhor, tem sido limpa, igualzinho como um computador faz, limpa o que não é prioritário para trabalhar melhor. Acontece com todos, é uma espécie de desvio provocado inconscientemente para evitar o colapso do sistema. Marie Kondo ensina técnicas de arrumação que são preciosíssimas e ajudam no uso do cérebro. 

Sei usar bem o desvio de pensamento quando pedalo, mas dependendo da carga negativa fica difícil mudar de canal. Demorei muito até relaxar e ver, melhor, entrar na paisagem. Quando a tensão é muito grande precisa acontecer alguma coisa especial ou continuamos neuróticos, e aconteceu, uma linda marca de calcinha transparecendo de uma bermuda branca e transparente recheada por uma bunda de boas curvas. - Estou salvo! 

Sai da ciclovia ainda um pouco tenso e fui correr num parque. Ainda não tinha condição de voltar para casa e trabalhar. Travo a bicicleta e passa por mim um segurança segurando um cágado (eu disse cágado e não cagado) fujão. Saiu do lago, do parque, e estava passeando na calçada. "Não é a primeira vez que ele faz. Ele gosta daquela casa verde ali. Foge sempre", e outra segurança completa "Não é só a tartaruga (cágado); o bicho preguiça já fugiu um monte de vezes". Moral da história: até os bichos ficam de saco cheio do lindo parque, Alfredo Volpi. Desviei! Volto para casa muito mais tranquilo e consigo trabalhar. 

É hora de fechar este texto e resolver o maldito problema. Pelo menos termino ouvindo Neurotica.


  

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