The bicycle & The West -
Este site é genial. De uma certa forma esta foto me faz lembrar minha infância. Não que tenha vivido em 1896, mas sou de um Brasil que ainda era muito atrasado, ainda com cenas e personagens próximos a desta foto.
Provavelmente minha primeira vivência no campo foi no sítio de tia Irene em Atibaia. Cruzávamos uma ponte de madeira e entrávamos num caminho cercado de eucaliptos até a porteira, que depois de aberta mais uma centena de metros até uma casa simples com frente de varanda cercada de árvores. O fogão que nos oferecia uma divina comida era a lenha e a serpentina que corria por dentro dele aquecia nossos banhos, que tinham que ser curtos para ter água quente para todos. Num canto da sala um gramofone que para tocar os pesados discos que soavam pela corneta era preciso dar corda numa manivela lateral. O telefone também funcionava a base de uma manivela, que depois de acionada permitia que se falasse com a telefonista que completava a ligação para o número ou o nome da pessoa com que queria se falar.
Eu era muito pequeno e era uma aventura caminhar pela curta trilha da mata ao lado da casa. Havia uma pequena lagoa que nos era proibida e por isto mesmo era para lá que minha irmã e primas, um pouco mais velhas que eu, iam. Um bote de madeira ficava na margem, provavelmente pronto para tio Pedro pescar. E as primas nele se aventuravam sozinhas me deixando as margens porque era muito pequeno para aqueles perigos. De certa feita tirei o bujão do bote, deixei-as subir e dei um empurrão para chegarem ao meio do lado. Sem remo naufragaram sob minhas gargalhadas gritavam que iriam me matar. Fugi de lá e não me lembro bem quem me matou, minha mãe, minha tia ou quem, elas não foram. No dia seguinte tomei café da manha em pé.
Vizinho ao sítio de tia Irene tinha um outro com a casa no topo do morro e uma piscina uns 50 metros abaixo. Ligando os dois tinham dois trilhos e uma espécie de carrinho de rolimãs no qual os mais velhos se sentavam, desembestavam ladeira abaixo, e um pouco antes da piscina eram jogados para o alto para mergulhar na água. "Quando crescer vai poder brincar", maldita frase. Eu os via com uma inveja de matar.
Paralelo ao rio Atibaia corria a ferrovia. Ouvia o trem chegando longe e parava tudo que estava fazendo. Perto do sítio havia uma estação. Era possível ouvir o bufar do vapor e o apito forte avisando que "Vai partir!". Certa vez Conceição me levou para ver o trem passar bem perto, a bem da verdade passar sob nossas cabeças. Que emoção! "Não pode contar para ninguém" e pela possibilidade de outras aventuras nunca contei.
Sei que foi aí que pedalei pela primeira vez na terra. A suave descida entre a casa e a porteira era minha predileta. Até hoje me lembro das pequenas erosões na terra batida. Próximo a porteira tinha uma roda d'água que já não trabalhava mais. Parei minha bicicleta, entrei no canal da roda d'água, tive a curiosidade de olhar a comporta e a roda d'água se moveu prendendo minha cabeça entre a roda e a parede. Demorei um bom tempo para me desvencilhar e o fiz sem dar um pio temendo a bronca ou o castigo. A noite minhas tentativas de explicar as orelhas raladas e inchadas foram inúteis. A família ficou apavorada com minhas explorações. Minha rédea ficou curta.
A época de Atibaia se foi e agora era Guarujá onde juntei forças com Renata e Roberto, e vez ou outra com Ricardo, um pouco mais novo. Aprontávamos algumas, mas nada demais: quase morremos afogados algumas vezes, Ricardo partiu a cabeça no asfalto descendo o morro numa bicicleta sem freios, éramos praticamente sócios do Pronto Socorro... Roberto lia Júlio Verne, que tentei ler algumas vezes e achei muito chato. Ainda era época de aventuras, descobertas, de coisas estranhas que nunca tínhamos visto. Os dicionários ilustrados eram uma aventura, mais até que as enciclopédias. E a aventura de todos passou a ser a social, mudanças de comportamento que vinham uma após a outra e chocavam os mais velhos. Músicas, músicas, Beatles, o filme Easy Rider que vimos no cinema mesmo sendo menores de idade. E 2001, Uma Odisseia no Espaço, um choque de realidade visual, sonho e pesadelo de quem só imaginava o que estaria por vir. Lembro claramente da expressão de pavor de minha mãe quando entrou em casa depois que de ter assistido Clockwork Orange numa sessão fechada. O filme foi proibido de ser exibido no Brasil. Ah! a aventura dos costumes, tão emocionante como explorar novos mundos. E seriam novos mundos, como são.
Em 1969 o homem colocou os pés na lua com transmissão pela TV. Nos reunimos em casa numa festa alegre e ansiosa, e assim foi por todas as localidades e casas do planeta. Tudo era novidade, a chegada do homem à lua, a transmissão internacional pela TV que era quase um feito tão impressionante para a humanidade quanto o primeiro "pequeno passo de um homem (na lua)". A hora que começaram a transmissão foi uma gritaria e todos correram e se amontoaram olhos arregalados e profundo silêncio frente a pequena TV branco e preto. Olhávamos aquelas imagens pouco nítidas com um espanto profundamente respeitoso. Mas não fazíamos ideia do que aquele "passo gigante" significaria para a humanidade.
Pegamos a Estrada dos Trabalhadores, hoje Ayrton Senna, e seguimos rumo a Visconde de Mauá pedalando. A bem da verdade olhando o que aconteceu quem tinha mais experiência, no caso eu, não fazia a mais remota ideia de quanto tempo iríamos demorar para chegar lá. Com certeza não seria tão rápido quanto nossas inocentes imaginações sequer faziam crer. Eu já tinha viajado pedalando, o que no entusiasmo juvenil não quis dizer nada. Mesmo antes de chegarmos ao começo da estrada já ouvia reclamações sobre cansaço e dores nas bundas. Calaram quando passou por nós toda uma família, pai pedalando, mãe na garupa com uma criança de colo, e a irmã sentada no tubo entre as pernas do pai, tudo numa única bicicleta. Uns quilômetros mais à frente desceu o chico de Cristina, ou não desceu, nuca saberei, mas a verdade / mentira foi providencial para os exaustos. E apareceu um santo caminhoneiro que levou os três e suas bicicletas até um pouco além de Queluz, onde pegamos um hotelzinho simples e dormimos exaustos. No dia seguinte bem cedo continuamos a pedalada até o trevo de Penedo sem mais reclamações, bom acostamento e provavelmente vento a favor, e daí para Visconde de Mauá. Também na inconsciência, sem fazer ideia de como seria subir a serra ou quão longa era a subida lá fomos nós. Para facilitar os outros juntei as mochilas deles e amarrei-as no meu frágil bagageiro. Não me lembro mais em quanto tempo subi, a bem da verdade na época também não devo ter me dado conta, só me lembro que ali aprendi a nunca acreditar que aquela é a última curva antes do fim da serra. Cheguei no topo, as nuvens corriam rápido sob meus pés num branco brilhante de doer os olhos, e me senti o próprio Super Homem. Os dois demoraram o suficiente para as nuvens ficarem a cada minuto mais escuras e quando chegaram tiveram ainda tempo de olhar o horizonte de nuvens carregadas antes de despencar uma furiosa chuva de pedra. Confiante na habilidade dos dois desci a serra para Visconde de Mauá, até um ponto segurando nos freios e olhando para trás, mas logo a frente despencando por crer que chegariam lá. Empapados nos encontramos um bom tempo depois numa vendinha quase em na vila. Cristina queria me matar. "Você me abandonou!". Inconscientes mais uma vez, armamos barraca num campinho de futebol e no dia seguinte depois de uma breve saída acabamos limpos, roubados. Mais uma aventura, desta vez com toda consciência, saímos pela cidade investigando e recuperamos quase tudo. Dormimos num hotelzinho simplório. No meio de tudo isto Zé quase pisou numa cascavel que tomou um susto e sumiu no capim. Quando voltei para São Paulo deveria ter ido ao Instituto Butantã perguntar se cobras não atacam lunáticos. Talvez ainda vá.
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