terça-feira, 2 de junho de 2020

O que era liberdade, o que é liberdade, o que será liberdade

 Primeiro: o que é liberdade?

    Ontem fui até minha casa onde desde dias antes do decretado isolamento está Cristina, que chegou de Londres para tratamento dentário e o casamento da sobrinha e encalhou no Covid 19 daqui. Amanha volta para Londres onde mora faz 30 anos. Os três meses que passou isolada em minha casa, longe de marido e filhos, foi para ela um bom momento de estar consigo própria. Perguntei como tinha sido a experiência, ela falou pouco de si e muito dos filhos, da família e marido. "Pensou sobre liberdade?" e ela continuou falando sobre filhos, família e marido. 

Tenho pensado demais sobre liberdade, uma palavra que está mais que nunca em voga. "Como será a liberdade depois da pandemia?", tema predileto em rádios e TVs. Comecei por olhar o que foi minha liberdade antes desta confusão, uma revisão de vida a qual ainda não cheguei a uma conclusão, exceto que me considero um abençoado. A vida que tive e tenho é de uma tranquilidade..., o que de certa forma me dói um pouco. Senso de culpa cristão provavelmente, mas não só. Liberdade é fazer acontecer?

Sentado no meu pequeno jardim conversando com Cristina me dei conta que não é liberdade, mas liberdades, muitas, em muitos sentidos. Estou solto no mundo, quase que completamente livre. Cristina tem as famílias e um extenso grupo de amigas muito próximas com quem está praticamente todos dias. A pergunta "liberdade" não lhe é tão contundente. 

Hoje vou estar com ela para uma pizza de última noite antes da volta para Londres. Deixarei um recado: "olhe mais para si própria, deixe os filhos e a família voarem de si". Ela foi e é uma mãe e mulher de raro valor, tem que começar a olhar para si própria, pelo menos deveria. É o que resta a quem entrou no “senta!”: cinquenta, sessenta, setenta... Pelo menos é o que nos leva ao sinônimo de liberdade: maturidade. Não é a mesma coisa, mas serve bem.

Quem se ver no espelho enxerga seus demônios, os normais, os bonzinhos e os que assustam. Abençoado é aquele que olha no espelho e se vê pleno. A liberdade começa aí, a própria liberdade e a que os outros receberão de você em consequência de seu encontro com sua verdadeira liberdade. Não há liberdade sem disciplina, e não há disciplina sem autoconhecimento. Não há autoconhecimento sem interação com a meio ambiente.

    Sou um acumulador de memórias. Me dão a liberdade de voar sem escalas para meu passado, dos momentos divinos aos complicados. Tudo que tenho tem vida própria, coisa de Disney, como os móveis e utensílios do palácio da Bela e a Fera. Minha casa está lotada de memorabilias, desde dezenas de vidros de café cheios de pequenas lembranças, até um quarto cheio de brinquedos a vista, guardados ou escondidos, e até dois ursinhos, o meu e de meu irmão, tudo com seu significado e sua vida própria.

A liberdade do passado está relativamente bem resolvida. Algumas liberdades que tive no passado não. Erros de escolha, falta de orientação, limites não estabelecidos, besteiras típicas de um tempo passado numa sociedade perdida em suas próprias transformações ininterruptas. São os meus demônios? São fruto de uma busca incessante de liberdade dita coletiva, mas muito individual. Liberdade eunuca.

Creio, repito – creio, que minha liberdade atual também está resolvida. Penso, logo existo. Porque penso e não paro de pensar e porque não param de falar sobre como será a liberdade pós pandemia, que ninguém sabe bem, é que me meti nesta confusão. Trancado dentro de casa talvez não haja coisa melhor para fazer do pensar em liberdade. Quem sou eu?

Sou livre e terei toda liberdade do mundo quando tudo voltar ao normal. Bom, e daí, o que faço com minha liberdade? Alguém tem uma sugestão?

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