Feliz Natal a todos
Com ansiedade o menino foi
carinhosamente agasalhado pela mãe enquanto olhava pela janela do quarto a rua
tranquila. Segurando delicadamente o queixo do filho e olhando nos olhos
enquanto penteava seu cabelo pediu "Na casa de seu bisavô você vai se comportar
bem. Brinque com seus primos, mas com calma. Nada de correrias no meio dos mais
velhos" O Natal de 1959 foi numa noite paulistana atípica, fria, muito
fria.
A casa dos bisavôs era grande,
assim como a família. A porta estava destrancada, foi aberta, a mãe segurou
pelo casaco o filho que já disparava para os primos; ele esticou os braços e
livrou-se do casaco, subiu a escada correndo, e no pequeno jardim de inverno
com seus vidros coloridos em frente a escada deu com o pequeno Papai Noel
mecânico, um pouco menor que ele próprio, que fazia movimentos cíclicos
curvando-se em boas vindas, a árvore que quase encostava no teto toda decorada
piscando e o precioso Presépio cuidadosamente arrumado ao seu pé. Parou
admirado e aí ficou por uns instantes. Lembrou-se do Presépio que armara junto com
a mãe e irmã no topo da escada de casa. O burrinho ao lado da manjedoura de
Jesus que via naquele momento lembrou o irmão mais velho sempre atencioso e
brincalhão fazendo caminhar burrinho, vacas e ovelhas enquanto montavam o Presépio,
provocando risos na mãe e irmã; e por instante aquietou-se. Olhou para o menino
Jesus aconchegado como que pedindo alguma benção, mas ainda não sabia bem para
que ou por que. Quando deu a volta ficou de frente para a lotada festa, abaixou
a cabeça procurando os primos entre as pernas dos adultos e sem vê-los saiu
correndo sem direção.
A história foi lembrada dentro
do carro que cruzava a av. Paulista pouco movimentada para um Natal naquela
hora da noite. Entre os três havia esperança de ver luzes e decorações típicas,
mas nada. "Éramos uns 150 naquela casa, não mais. A sensação de mais gente
é porque éramos crianças, você era muito pequeno. De qualquer forma era muita
gente, era uma grande festa, um belo Natal". As crianças brincavam,
corriam, eram contidas pelos adultos no porão e pátio da garagem, o que nem
sempre funcionava como desejavam. Jovens e adolescentes se concentravam em
pequenos grupos na sala da frente e na longa escadaria de madeira que levava ao
segundo andar e corria paralela à escada de entrada. Sala
principal e a sala de jantar ficavam apinhadas de pais, tios, avôs, e os
bisavôs, ainda vivos, lúcidos e imponentes sentados em suas imensas poltronas.
Num determinado momento acontecia a troca de presentes, logo depois o jantar,
mas não pareciam ser os acontecimentos mais esperados. Queríamos nos ver,
conversar, brincar, estar juntos. Podíamos até brigar, mas queríamos estar
juntos. Éramos uma família.
Foram-se os bisavôs, restou a
casa sem as reuniões nem o Natal.
O Natal passou a ser uma
comemoração mais intimista, dos núcleos familiares que se reuniam em novas casas.
Alguns faziam uma peregrinação de casa em casa, de família em família, procurando
manter a magia do passado, procurando momentos de paz e união, alguns mais religiosos,
outros amistosos ou familiares, sempre com gosto de Natal.
Com o tempo São Paulo foi se
acendendo, a festa do Natal ganhando corpo, até chegar a um frenesi completo
como se em volta da manjedoura, ou por causa dela, por uns dias acontecesse uma
revolução. No meio da confusão generalizada encontrava-se amigos e familiares
que há muito não se viam, o que também fazia parte da bagunça e resgatava um pouco do
espírito do Natal. As decorações foram ficando cada ano mais sofisticadas,
chamativas, imponentes. As ruas ficaram entupidas de carros com crianças que mais
que ver o Natal queriam bagunçar dentro do carro enlouquecendo seus pais. O
fechamento das lojas foi estendido até pouco antes do horário da ceia para o
sucesso das vendas. O que interessava aos compradores eram os sorteios, os mais
diversos relacionados ao número de cupons trocados depois das longas filas do
caixa.
2019: Nunca se viu uma avenida
Paulista tão apagada num Natal. Nunca se viu uma São Paulo tão sem graça.
Ironia ou reflexo de um Brasil que está nas mãos de ditos religiosos?
Como sempre fazemos, saímos em
grupo pedalando para ver um pouco do Natal. Voltamos frustrados. E felizes de
pedalar em ruas tão tranquilas.
O singelíssimo Presépio feito
de papel brilhante pousa sobre uma mesa. Traz inúmeras recordações, faz pensar
nos pequenos, netos que ainda creem em Papai Noel. Nas crianças, nos pobres,
nas barracas armadas na calçada da Paulista que servem de abrigo para a noite
de chuva fina e fria. Como terá sido o Natal dos avós e bisavós deste pessoal?
Olhar fixo no singelo Presépio
penso neste Brasil e tenho duas pinturas na cabeça, "Descanso na fuga para
o Egito", de Gerard David, e "Cristo Expulsa os mercadores do
Templo" de El Grego.
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