quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Ainda estamos no "precisamos pensar na segurança do ciclista"


Olhe bem esta imagem. Esta ciclovia (?) na rua Natingui tem um quarteirão, começando praticamente, eu disse “praticamente”, na Av. Pedroso de Moraes e terminando na rua Vupabussu, num trecho de rua onde passa um carro por ano..., ok, dois. Ok, meu exagero, três. Foi feito um alargamento da calçada para a instalação da ciclovia e pelo que sei o projeto pretendia que isto seguisse em frente até a rua Sumidouro. Quem vem pela Pedroso de Moraes praticamente não vê a ciclovia. Passado um quarteirão o caminho para o ciclista segue pela direita das ruas Costa Carvalho, Sumidouro, Eugênio de Medeiros, e finalmente Capri, terminando no bicicletário da Estação Metrô / Terminal Pinheiros. Foi implantado um pouco depois do afundamento do viaduto na Marginal Pinheiros e tinha como intenção tentar diminuir o trânsito local. Não fez diferença, mas isto é outra história, para um outro momento.
Como se vê pela foto a curta ciclovia está à esquerda da rua Natingui e sua continuação se faz pela direita da rua Costa Carvalho, ou seja, obrigando o ciclista a fazer dois cruzamentos para seguir sua viagem. Por isto o banner. Não sei quando, mas não faz muito tempo penduraram esta sinalização "ciclista, pare, atravesse na faixa desmontado" (estes dois cruzamentos - não escrito e imagino eu que seja a intenção). Sabe quando isto vai acontecer?

Volto no tempo: quando tivemos a reunião de apresentação de lançamento da Ciclo Faixa de Domingo, isto em 2007 ou 2008, foi dito que todos cruzamentos estariam sinalizados informando que os ciclistas deveriam cruzar desmontados. Era o tempo que a representante da CET SP respondia tudo com um "precisamos pensar na segurança do ciclista". Eu tirei um sarro sem tamanho do "cruzar desmontado" e disse que eles (CET) não faziam a mais remota ideia de quem eram os ciclistas, e acabei um pouco mal visto. É óbvio que os ciclistas não tomaram conhecimento da sinalização seguindo em frente montados e pedalando. Umas semanas depois os patéticos banners plásticos impressos desapareceram da Ciclo Faixa de Domingo com direito a boa matéria nos principais jornais. Como foram recolhidos um monte destes banners vai ver que este na foto ainda é daqueles e a CET está tentando dar bom proveito ao dinheiro gasto.

É triste ver que passada mais de uma década e milhares de ciclistas/dia circulando o pessoal da CET SP ainda não faça a mais remota ideia de quem ou o que é um ciclista. Mais triste ainda é saber que esta sinalização serve única e exclusivamente para proteger a CET de possíveis processos na justiça. Diminuir acidentes se faz entendendo a realidade existente, não colocando goela abaixo soluções irreais.


Ainda naqueles tempos passados, Michael King, americano e um dos papas das mobilidades ativas, deu uma palestra no Mackenzie lá pelos 2007 onde mostrou que quem determina os caminhos a pé ou pedalando é a própria vontade do povo, não a das autoridades. Talvez em países de alto nível educacional e onde as autoridades sejam respeitadas a coisa seja diferente, mas no meio desta baderna que vivemos onde a autoridade praticamente não existe definitivamente não é, ponto final. Voltando, King mostrou dezenas de slides e gráficos que comprovam o que se vê em qualquer calçada, praça, gramado, incluindo o da Esplanada dos Ministérios de Brasília, que é ótimo exemplo e foi mostrado, que os caminhos do povo são os mais lógicos, mais rápidos, mais curtos, não os que as autoridades impõe e não fazem sentido. Sentada na cadeira em frente estava "precisamos pensar na segurança do ciclista" e Sérgio Luis Bianco, sentado ao meu lado, e eu ouvimos um claro "É um idiota (Michael King). Não sabe o que está falando!". Sim, claro, depende do ponto de vista. Estávamos numa cidade (São Paulo, 2006) onde morriam 1.500 por ano no trânsito, sendo 750 pedestres, só. Sem dúvida, "precisamos pensar na segurança..."

Não há o que discutir, basta olhar o comportamento do povo caminhando ou dos ciclistas pedalando para ter ideias de como melhorar a segurança no trânsito. É preciso trabalhar com o corriqueiro e não impor verdades técnicas. Um pouco de pedagogia, de Paulo Freire, ou de qualquer educador que tenha trabalhado e conseguido resultados com o povão. 

Brasil é um dos campeões mundiais de morte no trânsito porque as autoridades fazem questão de impor engenharias de tráfego que não têm diálogo com a vontade do povão. Tipo? Tipo o ponto de ônibus sempre movimentado está do outro lado da rua, mas a faixa de pedestres está a 50 metros de distância. Onde? Tem aos montes pela cidade, mas o mais emblemático é que que fica na av. Pedro Álvares de Cabral em frente a uma das saídas do Ibirapuera. Outra: muitos são atropelados cruzando a estrada exatamente embaixo da passarela. “São uns idiotas” eu já ouvi, mas não se pergunta porque não cruzam pela passarela. Um dia um técnico quis saber, conversou com o povão e resolveu a questão, e as mortes diminuíram drasticamente no local. E é assim que se faz. O fato é que do ponto de vista jurídico faz todo sentido usar o CTB à risca. Do ponto vista prático o resultado pode ser a continuação do banho de sangue. Neste sentido e contexto, “Ciclista, pare, atravesse na faixa desmontado" é piada de mau gosto. 

Só teremos segurança no trânsito para todos quando as autoridades começarem aplicar técnicas modernas de pedagogia onde o resultado parte do ignorante para o conhecimento e não o contrário. Se faz urgente educar o povo e isto não aconteceu, não acontece e tudo indica que não acontecerá de cima para baixo. Educação é inteligência e só existe dentro da inteligência.

Mingau quente se come pelas bordas, ou queima a boca.

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