terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A descida do Pedal Anchieta 2019

O Pedal Anchieta 2019 foi muito mais divertido que o do ano passado. Para começar não ter aquelas barreiras que ninguém me tira da cabeça que eram caixas de retenção para controle de fluxo. Fluxo livre funcionou perfeitamente. O único ponto que parou e todos tiveram que empurrar foi num estrangulamento da Anchieta um pouco antes da VW, mas aí há um problema de engenharia, uma pilastra de ponte para lá de esquisita estreitando o caminho, e não situação provocada pela organização. Também resolveram de maneira inteligente a entrada em Santos, que no ano passado obrigava a massa de ciclistas a seguir pela estreita ciclovia do canteiro central provocando congestionamento. Este ano a CET Santos interditou para os ciclistas a avenida Visconde de São Leopoldo no sentido Valongo - Anchieta, medida para lá de sábia. Tirando a descida pela Imigrantes, que foi loucura total, um show de irresponsabilidade e falta de civilidade, tudo correu muito melhor que eu esperava.

Em São Paulo a presença da CET foi bem menor que no ano passado. Os primeiros km na Anchieta, da Estação Metro Sacomã até o km 9,5, início oficial do passeio, a presença da CET SP foi muito discreta e restrita aos cruzamentos. Todo resto foi feito por colaboradores uniformizados com coletes. Passei pelo Metro Sacomã exatamente às 7:30 h, meia hora mais tarde que no ano passado, e a fluidez parecia indicar que teríamos menos ciclistas no passeio. A mesma sensação que nos primeiros km já da estrada Anchieta. Ledo engano. Fluidez espalha o pessoal o que dá uma falsa sensação de ter menos gente pedalando. A imprensa deu 40 mil, bem possível. Fora o pequeno trecho de estrangulamento causado pela pilastra, fluiu bem até Santos, o que é um imenso prazer.

Quem acompanhou a organização deste Pedal Anchieta 2019 sabe que até o último minuto havia incertezas sobre se e como aconteceria o evento. Pasqualini e o grupo Bicicreteiro assumiram a organização e no final das contas realizaram um ótimo evento. Levantou-se muita poeira, falaram muitas coisas, discordaram sobre a organização e as posições, mais uma vez dividiram. A sensação é que o personalismo segue firme e forte. Somos o Brasil do "sabe com quem está falando" que é repetido por todos e de todas as formas, mesmo as que não parecem ser. 

Não há dúvida que ninguém mais consegue parar este evento nos próximos anos, mesmo que queira. Pelo que me contaram sobre as reuniões com as autoridades, em especial as do Governo do Estado de São Paulo, houve uma má vontade sem tamanho para tentar melar o evento. Até entendo e de certa forma concordo com a posição do Doria e sua tropa em querer que eventos de lazer e esportivos sejam organizados e pagos pela sociedade civil, mas no caso específico da bicicleta ainda não dá para pensar desta forma. Não só não dá, não é inteligente pensar assim. Cicloturismo é uma novidade que cresce rapidamente e quase sem controle e não se pode cair na mesma burrice do passado de negar a realidade. Por outro lado, a bicicleta querendo ou não faz parte do futuro, é a base da mobilidade ativa e deve ser vista como investimento principalmente pelas autoridades. Doria é inteligente e deve saber que não dá mais para negar ou fazer corpo mole neste ponto. Que seja inteligente e não cabeça dura.


O fato é que o Pedal Anchieta de 2020 tem que começar a ser organizado desde já. Não dá para ter tantas incertezas e confusões como as que tivemos este ano. Não dá para ficar na mão de um ou de uma ONG, mesmo que estes tenham mais que boa vontade e força de trabalho. O Poder Público tem que estar presente e atuante porque é ele que estabelece e regulamenta a política de transporte, lazer e esporte.
O Pedal Anchieta 2019 não só saiu, como foi muito bom. Mas concordo com Vera Penteado: não se pode usar as palavras largada e desafio num evento que é um passeio de lazer. Não se pode dar qualquer trela a maluco e gente sem noção das coisas e ou civilidade. Uns poucos não tem direito de criar problemas para a maioria ordeira e principalmente para uma causa para lá de justa e necessária. É saída e é passeio. Deixemos “largada e desafio” competições.

Uma coisa me intrigou: O que estavam fazendo alguns PMs com metralhadoras no meio caminho? Qual o propósito? Qual a razão? Para que fim? Por infeliz ironia do destino na favela Paraisópolis uma ação da PM saiu completamente fora do controle na madrugada do mesmo dia do Pedal Anchieta 2019 deixando nove mortos e mais umas dezenas de feridos. O que aconteceu em Paraisópolis as investigações dirão (espero). O que interessa aqui é o Pedal Anchieta 2019. Se o ano passado tinha muito policiamento, o que é bom, mas não vi metralhadora, que é uma arma intimidatória, para enfrentamento, confronto pesado. Muito estranho, muito estranho.

Fico feliz que não tenha havido nenhuma fatalidade. A informação que tive, do SAMU Santos, foram 52 atendimentos total, 37 casos de trauma e 15 casos de desidratação. Boa parte dos traumas devem sido causados por falta de noção do que é pedalar uma bicicleta, o que é notório num passeio destes. Educação no trânsito de brasileiro é ruim, como provam os números, e não poderia ser diferente com ciclistas. Sobre desidratação, a SABESP esteve presente, poderia estar em mais pontos, mas sair para um passeio longo sem água é completa falta de noção do que é saúde por parte de quem desidratou. De novo caímos na educação, sempre a educação.

A falta de civilidade de todo tipo não poucos tem que ser freada. Três ciclistas abrindo passagem com uma sirene idêntica a das ambulâncias, ciclista uniformizado de um numeroso pelotão uniformizado jogando a caramanhola no meio do mato, pai distante do filho deixando a criança pequena na frente de ambulância, ciclistas decidindo parar no acostamento cruzando na frente de todo mundo sem olhar para trás ou sinalizar, ciclista parado quase no acostamento atrapalhando os que vinham, uns apostando corrida e costurando e, o pior,  uma cambada de imbecis descendo a Imigrantes a milhão apavorando.

Foram vários os acidentes na descida. Passei por um destes quando a situação já estava controlada e depois vi o que aconteceu num filme. O idiota que provocou os acidentes em cadeia não faz a mais remota ideia do que seja pedalar, muito menos descer. No filme fica claro que quando percebeu que tinha cometido um erro, que ele não conseguiria ultrapassar o outro ciclista perto da parede ele simplesmente tira os pés dos pedais mete a mão no freio, capota, e derruba o ciclista que estava à frente descendo tranquilo. Este se machucou. O idiota, que foi filmado, ainda quis argumentar. E enquanto o bate-boca rolava a bicicleta ficou no meio do caminho e os que vieram atrás também foram para o chão.
Se fossemos um país sério o dito cujo idiota seria localizado e responsabilizado criminalmente pelo acidente, mas como estamos no país do futebol de torcida única, ninguém vai fazer nada. Aliás vão: vão dizer que estou louco por fazer um comentário destes. Será? Só lembrando: em 2018 morreu um. Ele foi atropelado por trás e jogado no chão. Não foi o único. Boa parte dos atendimentos médicos de 2018 e deste ano foram causados exatamente pela mesma situação: um louco que veio por trás. É dar muito pano para manga de quem quer melar o Pedal Anchieta, ou vocês acham que as autoridades contrárias ao evento não vão usar isto?

Parabéns aos que fizeram acontecer o Pedal Anchieta 2019. E parabéns a todos, a maioria, que foi lá para se divertir com civilidade.  Até o Pedal Anchieta 2020. 

2 comentários:

  1. Maravilha de texto. Também gostei muito, deixou alguns pontos a desejar, mas em qual momento não deixou ou deixaria. Falando em organização, quem que a fizesse, não receberia criticas. Poderia ser ao turma do lado B ou lado A, que teríamos sempre gente criticando. Mal de brasileiro. Ajudar ninguém quer, só tacar pedra. Sem comentários quanto as pessoas sem noção, eu vi um pai com uma filha de pé na garupa da bicicleta e mais rápido do que eu...

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  2. Concordo texto maravilhoso, alguns pontos a desejar pessoas sem noção principalmente nos túneis, mas críticas não iriam faltar falar mal é fácil.

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