Para meu completo espanto, Elisene veio com duas garrafas de vinho dizendo que nunca me deu nada. "Como assim nunca me deu nada? Só pode ser brincadeira" respondi atônito. Elisene é uma das pessoas mais bondosas que tive a benção de conhecer. O que recebi, melhor, o que recebemos dela pela vida não tem preço, pouco importa que ela fique na dela, no canto dela, fale pouco e só apareça quando se faz necessário. Não tem valor que pague o que ela é e dá para cada qualquer um de nós que apareça por lá. As duas garrafas de vinho em sua mão é de uma singeleza infinita.
Poli pediu desculpas, via Miriam, por não oferecer nada? E a maravilhosa conversa? As ricas histórias de sua vida? A conversa que só interrompemos porque há uma hora que é educado paritr e deixar o outro em paz em sua própria casa. Tudo ali, no apartamento dela, não tem preço. Agradável, muito bem decorado que me remete aos melhores momentos de minha vida, aqueles nos quais todos viam um futuro melhor, para todos, sem distinções. Toda vez saio de lá mais leve.
Qual o valor das coisas? E dos relacionamentos? No último livro de Licia está um breve conto, baseado na realidade, onde um senhor cercado no almoço pela numerosa família conta o segredo para manter a união: uma discreta ajuda recorrente. Mesada.
A possibilidade tirar proveito, digamos receber um presente, dos bons convites para refeições ou viagens que lhe são oferecidas? A pergunta vem com frequência depois de uma sequência de debates na imprensa e mídias a respeito de como estão os relacionamentos nesta era digital.
Walter Longo, em seu livro "O fim da Idade Média e o início da Idade Mídia", é mais um que afirma, com toda razão, que hoje em dia somos todos mimados. Temos praticamente tudo que precisamos e não precisamos a mão e com uma facilidade sem precedentes, e tudo muito focado no individual, no eu, como se o "nós" fosse coisa do passado. Ele define "Idade Média" como um processo milenar pelo qual se leva em consideração a média para estabelecer padrões. Hoje a intenção é buscar uma individualização tal que acabe por estabelecer o padrão. Resumo da ópera: todo mundo ganha presente, cada um ganhando exatamente o que deseja.
O livro descreve as maravilhas deste mundo novo baseado na inteligência artificial que individualizará tudo. Teremos o que quisermos na hora e forma que quisermos, o que a bem da verdade já acontece.
1960. Domingo era o dia de tomar uma Coca Cola. Era uma alegria tomar com hora marcada a única Coca Cola da semana. Tomar duas, três? Só em festas especiais. Pera e maçã eram caras, então só de vez em quando. Sábado pela manhã ia ao supermercado com meu pai e podia comprar uma lata de suco de pessego Yuki, do qual ainda me lembro cada gota bebida. Batatinha frita de saquinho? Upa! Hoje, o número de obesos pelas ruas deixa claro que os tempos são outros.
Quando tirei meus sapatos para me aproximar da garota descalça e com rosto profundamente deprimido abri as portas de uma longa amizade. Bom tempo depois ela me contou que a forma de me aproximar, descalço como ela, simplesmente lhe abriu as portas para sair da depressão e iniciar uma vida nova. Foi um dos melhores presentes que sem quer me dei pela vida.
Um dos meus aniversários passei em Joinville com Valter, Rose e Teresa. No dia ganhei uma caixa de lápis de cor das que se dá para criança pequena, caixa pequena com lápis pequenos e só umas poucas cores básicas. A brincadeira, pequena caixa de lápis de cor, continua até hoje, uns vinte anos depois, na minha mesa. Se tornou um presente inesquecível. Não faço a mais remota ideia de qual foi o presente dito "para valer" que recebi naquele dia.
Aliás, não me lembro da imensa maioria dos presentes que recebi pela vida.
Yeda, minha querida tia / mãe entregou um embrulho de presente parecido com uma mochila para Renata, que veio até mim, esticou a mão desejando feliz aniversário e me deu. Eu abri e de lá saíram um par de luvas de boxe vermelhas. As duas crianças foram autorizadas por minha mãe para ir brincar no quarto dela. Subimos na cama de casal, cada um vestiu uma luva e sem que tivesse tempo para pensar tomei um muro no meio do rosto e fui literalmente a nocaute. É impossível esquecer a sequência toda, mesmo tendo ocorrido lá pelos meus 4 anos de idade. Presente estonteante.
Chuva, sol, por do sol, amanhecer, vento, mar agitado, um sabor especial... O bom da vida vem nos pequenos presentes inesperados que não tem preço. Ficar parado no meio da Ponte Bernard Goldfarb vendo o rio Pinheiros com o Pico do Jaraguá ao fundo não tem preço. Num final de tarde com o céu alaranjado então... Presente que me dou com frequência.
O que me move foram estes presentes imateriais que recebi pela vida, mesmo os que foram dados com embrulho de presente.
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