quarta-feira, 15 de maio de 2024

Luiz Dranger

Beto Dranger de azul e Luiz com boné da Power Bar e camiseta da Cactus Cup  

11 de maio de 2024, 9:58, recebo uma mensagem de Nando, avisando que Luiz Dranger, seu pai, descansou. Descanse em paz, meu caro amigo e, em certo momento de minha vida, um orientador. De minha parte, sem qualquer dúvida, muito obrigado Luiz.

E quem foi Luiz Dranger?

Ele e o irmão, Beto, foram os responsáveis pela entrada e inicio das operações da Specialized no Brasil. Para quem não sabe, Specialized é definida por muitos como a Porsche das bicicletas, ainda hoje a referência de mercado. Luiz e Beto fizeram um trabalho brilhante, genial. Mesmo dentro do setor e do meio da bicicleta muitos poucos conhecem esta história real, como é bem comum acontecer no Brasil. Apaga-se a história, esquece-se quem foram os reais atores.

No final dos anos 80 Luiz tinha saído da Norton Abrasivos, onde fora Diretor Comercial com resultados mais que expressivos. Na época Beto era Diretor de Marketing da Elma Chips no Brasil. Os dois, apaixonados por bicicletas, decidiram trazer uma marca de bicicletas para o Brasil e optaram pela Specialized, já então considerada uma das melhores do mercado americano. Specialized vinha sendo sondada por várias pessoas e empresas, incluindo um milhonário que ofereceu mundos e fundos.

MIke Sinyard, criador e proprietário da Specialized, ficou impressionado com o profissionalismo dos dois irmãos e entregou a marca para eles operarem no Brasil com uma condição: vender dois conteiners no primeiro ano. Venderam 20.
Vale lembrar que a Specialized daquela época tinha um extremo cuidado com qualidade de todos seus produtos, bicicletas, acessórios, roupas, outros, com os mínimos detalhes de apresentação, venda, atendimento ao público, do montar e entregar e dar manutenção nas bicicletas. Junto com as bicicletas vieram acessórios e roupas, material de propaganda e algumas diretrizes de trabalho. Mesmo entre outras marcas importadas, mesmo entre as grandes americanas, este nível de detalhismo e cuidado com qualidade geral não era praticado. Todos queriam vender bicicletas. A Specialized vendia conceitos, e procurava entregar caminhos para o futuro. E entregou.

Specialized já era uma referência nos Estados Unidos. Aqui no Brasil virou um bem mais que isto, principalmente pelo trabalho os irmãos Dranger. O primeiro responsável técnico da marca fui eu. Logo depois a responsabilidade passou a Daniel Aliperti que tinha acabado de voltar de um dos mais respeitados cursos técnicos de mecânica dos Estados Unidos e trabalhava tudo com detalhes que beiravam a F1. Eu fiquei com o treinamento e atendimento a público.
Outro detalhe, ao contrário de muitos que trabalhavam dando um jeitinho fiscal, tudo na Specialized foi feito no estrito da lei, o que tornava as bicicletas mais caras que a concorrência e, por sua vez, dificultava as vendas.

O primeiro foco de vendas foi para a elite. Como ação promocional juntaram a Specialized com o Rubaiyat, um dos restaurantes mais sofisticados de São Paulo, para fazer um passeio noturno por semana pela cidade acompanhados por vários guias previamente treinados, um carro a distância com água e sorvetes. A ideia foi convidar 30 pessoas escolhidas a dedo por passeio que começava com uma recepção no Rubaiyat Faria Lima regada a deliciosos petiscos, alguma bebida, enquanto eu revisava todas as bicicletas, e terminava num maravilhoso jantar oferecido por Berlamino, dono do Rubaiyat. Não foi só um sucesso, explodiu. Acabou gerando uma matéria de uma página na VejaSP, então publicação de grande público na cidade. Não me lembro quanto tempo durou, mas teve que ser suspenso por causa do enorme sucesso e repercussão. No último passeio foi servido exatos 100 jantares, maravilhosos. Não houve forma de controlar. O impacto não só no meio das bicicletas foi enorme, a ciumeira também.

A razão para a venda de 20 conteiners foi um acordo realizado com o Free Shop. As bicicletas, Hard Rock, eram vendidas por US$ 330,00, sem impostos. O sucesso foi total e durou uns dois ou três anos, até que Luiz fez um acordo com Tito Caloi para a fabricação delas pela Caloi. De novo o sucesso foi total.
O negócio tinha crescido demais e tinha entrado num outro patamar, financeiro inclusive. Os Dranger não tinham condições financeiras para seguir crescendo como era necessário, foi a explicação de Luiz. Os irmãos foram aos poucos passando tudo para a Caloi. A princípio a Specialized - Caloi foi um sucesso, pelo menos até as vendas da concorrente Caloi Aluminun cairem tanto que Bruno Caloi pai, dono e quem mandava no pedaço, mandar parar a operação. 

Luiz também foi o responsável por trazer a Cactus Cup para o Brasil, uma prova criada pela Specialized que acabou servindo de referência internacional de como promover e realizar provas de mountain bike.

Terminado os tempos de Specialized, Luiz parte para os Estados Unidos e consegue trazer para o Brasil a Power Bar, barra energética de cereais, a primeira do mercado, a que vai abrir as portas para um mercado milionário mundo afora. Exatamente como com a Specialized, todas as ações foram cuidadosamente planejadas e executadas. O resultado não veio por diversas razões. O produto, barra energética criado para esportistas de ponta, Power Bar, era completamente desconhecido no Brasil, aliás, ainda uma novidade mundo afora. O investidor no projeto Brasil, pessoa conhecida, respeitada e de sucesso no mercado de alimentos, apaixounou-se pelo produto e perdeu a razão, com ele o tino e o bom senso comercial. E para finalizar, no meio de uma operação comercial bem complicada, o dolar dobrou. 
O tranco para Luiz foi grande. Até então toda sua vida de administrador fora só sucessos. Mesmo acostumado a lidar bem com contratempos, a sequência em cascata de problemas de todo tipo na operação Power Bar foi uma loucura. Eu trabalhei no projeto e sei bem, resumo muito a história aqui. Ali aprendi que nunca se pode confundir paixão com negócio.

Passado o desastre, Luiz continuou procurando novos negócios, mas um acidente de bicicleta acabou mudando sua vida. Eu estava junto. Tinhamos terminado a tarde num bar conversando com amigos. Luiz bebeu além da conta. Pedi para ele não voltar pedalando, e disse que estava bem. No único momento que tirei os olhos dele bateu contra um carro estacionado. 

Luiz foi praticamente um irmão para mim. Aprendi muito com ele, muito mesmo. Não tenho como agradecer.
Deixa um filho, Fernando, Nando. Tem dois irmãos, brilhantes também, Cao e Beto. De certa forma os Dranger deveriam servir de exemplo para o Brasil que poderia dar certo se olhasse mais para quem merece ser olhado. 

Daniel Aliperti: Um mito em nossas vidas. O cara que me conectou com a Specialized, com quem continuo.

Pouquíssimos fizeram tanto pela bicicleta no Brasil quanto Luiz Dranger. Não digo isto como um quase irmão, mas como alguém que aprendeu a separar emoção de realidade e que a 40 anos está mergulhado nesta história.

Luiz, apaixonado por automóveis, indo para a fábrica da Specialized em Morgan Hill, California


Nenhum comentário:

Postar um comentário