O ótimo texto de Alice Ferraz "Você é daqui?" me pegou na veia. Fala sobre uma linda senhora (pela minha imaginação) que vai jantar com o marido vestida com uma vestimenta simples, clássica, chiquérrima, sem frufrus, cortes desnecessários ou babados, sem estampas, cores sóbrias, cabelo solto para trás e sem maquiagem no rosto. "Minimalista", como está no texto publicado; quanta ousadia! Alice Ferraz não detalha assim, e lá vai de novo minha imaginação, mas vejo a senhora vestida com algo da COS, Collection of Style, minha predileta para mulheres, um pouco clean demais para (a inteligência e) o gosto brasileiro. Daí a pergunta "Você é daqui?". Recomendo muito o texto que está publicado no Cultura & Comportamento, página C4 do O Estado de São Paulo de 07 de maio de 2022.
"Você é daqui?" é uma pergunta que passei minha vida toda ouvindo e me perturba um bocado. A mais recente foi uma jovem que me perguntou "Você é austríaco?" que me caiu gostoso. Austríaco? Uau! Perguntarem se sou alemão é comum, mas austríaco, esta nunca ouvira antes. Chique. Não faço ideia de onde ela tirou o austríaco, mas gostei, mostra que ela tem cultura, interessante, muito interessante.
"Você fala português?" (do texto publicado) também ouvi aos montes, a mais marcante (e dramática) foi quando tinha acabado de definir minha separação e uma menina, linda por sinal, me perguntou "Do you speak english?".
Fato é que sou um estrangeiro em meu próprio país e isto me irrita um bocado. Se não sou estrangeiro, sou de outro estado. Se estou em outro estado pelo menos raramente viro paulista e paulistano. Moral da história: sou de todos os lugares, um cidadão do mundo sem o ser. Ou serei e não sei? Irrita.
De fato tenho cara de branquelo europeu. Tenho uma formação diferente da do brasileiro médio. Dizem que falo diferente, penso diferente, visto diferente. Mas me considero mais brasileiro que muito brasileiro fanático que sustenta sua brasilidade sobre um cartesiano limitado. Confesso que estou com saco na lua com a baderna que vivemos e já não sei mais se quero ou não ser brasileiro. Meu Brasil é de fato outro, não este aí. Espero nunca mais ouvir Pátria amada, Brasil. Dói. Cantam que amam, mas desta forma? Quero Brasil e ponto final, sem adjetivos ou superlativos. Brasil sem ideologias doentias. Mas isto são outras histórias. Voltando; sou daqui.
Com meu irmão Murillo Marx peguei gosto pelas camisetas simples e lisas cinzas de algodão. Sujam menos, lavam fácil, não perdem a cor, duram mais, acho que são ambientalmente mais corretas que as de outras cores. Meu irmão morreu em 2011 e de lá para cá não deixei mais a moda. Moda? Cinza, o que me faz mais ainda ser o "você é daqui?". "Sou" respondo cansado. Vez ou outra respondo que visto cinza por que me considero de luto, não pela morte de meu caro irmão, mas pelo país que temos tido mesmo antes de sua morte em 2011. A bem da verdade estou de meio luto, cinza, nem preto, nem branco. Gosto e vestiria o preto básico predileto de minha mãe, mas é uma cor ambientalmente incorreta. Esquenta, suja facilmente, desbota e é descartada com rapidez. Então estou de meio luto em meu cinza correto. É um desrespeito com a barbárie nossa de cada dia, e que me perdoem, eu deveria estar vestido com um luto profundo, um preto impecável dos pés a cabeça e lágrima nos olhos.
Quero viver e nesta loucura generalizada quanto mais discreto melhor, portanto cinza.
O "Você é daqui?" de Alice Ferraz aponta para uma mulher, ponto final. A pergunta é feita por uma senhora que complementa "Você toda de preto, cabelos para trás, sem maquiagem não parecia alguém daqui" (do texto publicado). Ela é uma mulher! Precisa mais? Que delícia! Vai aqui minha homenagem a Vera que nunca pintou o cabelo e acho que também nunca se maquiou, pelo menos nunca a vi maquiada. Minha heroína.
Alice Ferraz me encheu de pensamentos. Alguns contei aqui. Ouso fazer uma pergunta: Para que uma mulher precisa se apresentar em público como se estivesse pronta para o carnaval, festa baile ou para uma procissão? Exagero meu para valer, chute de bico no balde, mas com um fundinho de verdade verdadeira. Precisa algo mais que ser mulher?
Um dos livros que li recentemente coloca que a mulher perde seu espaço social e seu poder quando a Renascença a transforma numa diva delicada, ou boneca, como queiram. Viva a Barbie? Upa! Não! Não mesmo! Viva a mulher! Viva a inteligência!
Menos é muito muito mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário