Já pensou em viajar de navio por um custo / dia menor do que fazendo cicloturismo? Pois então, cá estou eu indo para Itália, Gênova, num destes navios de cruzeiros gigantes.
Ontem pela manhã me estalou fazer o cálculo de quanto está saindo a brincadeira e quando terminei quase caí da cadeira: R$ 400,00 / dia. Se não tivesse gasto com alguns luxos (?!?) teria saído R$ 350,00 / dia. Pedalando por aí mesmo em uma viagem bem barata, com hotel simples, por conta de minha diabetes que me força a comer de 3 em 3 horas o custo dia acaba sendo mais caro que no navio.
Fico admirado com quem tem paciência para ficar pescando na Internet preços baratos, o que não foi meu caso. Uma amiga foi convidada por uns amigos dela para participar de um grupo que iria comprar passagem de navio no meio da pandemia. Sairia sabe-se lá quando. Moral da história, o grupo não se entendeu, cada um queria uma coisa, todos desistiram, e eu já tinha comprado o cruzeiro por um preço ridículo. Adoro aposta de louco. Cá estou dentro do navio no terceiro dia de viagem.
É a realização de um velho desejo, o de voltar a ver alto mar. E sonho que de algum ponto do navio eu consiga voltar a ver as estrelas, o que não se vê mais no meio das luzes das cidades. Tenho acordado às 5:00 h e vi amanheceres magníficos. Final de tarde com cores límpidas que não se veem mais em terra. A nossa poluição mata as cores da vida.
Foto tem uma perda de cores sutil, mas crucial para a construção da emoção. O olho tem um milagre que não sei explicar, nem quero. Quero ficar parado cotovelos na balaustrada vento na cara em silêncio para olhar pasmado a beleza.
Quase não embarco. Levei um teste de Covid que não servia para a companhia de navegação. Tenho em mãos um documento oficial europeu que me permite livre acesso a qualquer espaço público ou privado dentro da Europa, mas também não serviu. Tive que fazer um teste novo no próprio porto e acabei numa ansiedade controlada e cansativa sendo um dos últimos a embarcar.
O bicho navio é imenso, descomunal, 19 ou 20 andares acima da linha d'água.
Confesso que fiquei apavorado com as fotos que vi dentro de dentro do navio. Estes cruzeiros são ditos shopping centers navegantes para a classe média desesperada para chegar ao paraíso: brilho, luzes, rococó pós moderno, música full day, status para todos, todos atrás de seu status, muita comida e bebida, roupas o que imaginar, estilos também. Salvador Dali nunca delirou pintar um zoológico tão completo e complexo assim.
O serviço é impecável. Conseguiram contornar uma dominatrix cabelo chapinha até a bunda num propositalmente transparente tecido preto e fio dental de babados que aos urros de sete ventos e trovões no lobby deixou claro quem paga a conta desta festa para o coitado do rapaz submisso que mantinha religiosamente quatro passos atrás e óculos escuros máscara que não engana ninguém.
Em outra feita, também grande público presente, um homem meio gordo e já gasto, careca com longo rabo de cavalo ralo de fios caindo até quase as ancas, acabou sendo seguro pela pobre envergonhada mulher para não partir para cima de um educadíssimo tripulante duas vezes seu tamanho com treinamento primoroso para atuar de poste. A frente de todos no teatro lotado peitava a abraçante mulher aos gritos do impecável "você sabe com quem está falando?" Confesso que ainda quero saber. Mais tarde, cruzou o bar central peito empinado olhar fixo para frente, orgulho empertigado. Faltou peidar.
Ainda me descuido e fotografo roupas, sandálias, maquiagens, poses na escadaria, outra diversão, pura diversão. Politicamente incorreto, Graças a Deus. Infelizmente não fotografei no dia de embarque, quando o zoológico estava todo enlouquecido mostrando seus dentes, plumagens e pelagens. O imperdível que perdi eternizar em imagens.
Hoje a noite vai ser de gala, como ontem chiquetérrimo!
O número de obesos e obesas é mais que notável, assim como a capacidade de flutuabilidade deste imenso navio. A tecnologia evoluiu uma barbaridade, assim como os quilos perigosos. Vou perguntar o que acontece com os que não conseguem entrar no box do chuveiro, e não são poucos, e aqui estou sendo sério.
Poucos vi que olham com atenção mar e céu. Por incrível que pareça a sensação que se tem em alto mar é que a terra é redonda, não sei explicar porque. Estamos a pleno vapor e nunca chegamos na borda e sua provável cachoeira. Ou a imensidão do mar será uma espécie de piscina de borda infinita?
Prefiro o silêncio do quarto, o mar sem fim, o céu deslumbrante. Gostaria de voltar a sentir a insignificância humana que vivi no navio cargueiro. Mudou minha vida.
Como mudou tudo. No meio deste moto perpétuo de agitação voltou a lembrança da quietude que foi a travessia no pequeno navio de passageiros de 1976. Bons tempos.
Em 1975 consegui uma viagem de navio cargueiro, Frota Leste, ida e volta para os Estados Unidos, o que foi um divisor de águas em minha vida. Foram 3 meses entre a saída de Salvador e a volta para Santos, com paradas em Macapá, Baton Rouge e New Orleans, Houston, Tampa, Barbados para reabastecer. Tripulação pequena, noites de luzes apagadas e um céu inesquecível, mar do Caribe com ondas que faziam sumir a proa do navio, mar zero ou tão liso quanto um chão de mármore que fez entender o que o mais profundo pânico humano e o tornado no dia seguinte. Embasbacante foi ver duas jangadas a 110 km da costa, normal segundo os marinhos do Frota Leste.
Em 1976 voltei de Gênova no SS Cristoforo Colombo, um navio de passageiros que comparado com este seria um bote salva vidas. Cabine lá no fundo, próximo à hélice, tipo DiCaprio no Titanic, uma experiência memorável, divertida, e só.
Não tenho mais condição física para aguentar a travessia da Argentina para a Antártica que andei pesquisando para contratar. Fica para a próxima encarnação. Esta deve ser divertida.
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