Roubo ou o que?
Em 2012 realizei um velho sonho e fiquei 3 meses na Europa estudando e viajando. Minha casa ficou meio que sozinha aqui, sempre sendo limpa pela minha santa Cida e visitada pela Teresa. Mesmo com o segurança da rua (que pouco serve) e o corredor de entrada varido com frequência pela Cida a casa foi invadida pelo menos 3 vezes. O roubo não foi de grande monta, levaram pequenas coisas, roupas e mais um monte de besteiras, nada de eletrônicos ou de valores altos, nada do que se ouve que normalmente os ladrões levam. Estranho.
Fui à Delegacia fazer o B.O. e enquanto ia contando "o que tinha sentido falta" o escrivão ia fazendo uma cara de quem não estava entendo. Ele parou de digitar e me interrogou: "Tem coisa aí. Isto não é coisa de ladrão. O que está acontecendo?" Foi então que expliquei que não só minha casa tinha sido invadida e roubada, mas também cinco terrenos contíguos do meu lado da rua e mais cinco do outro lado da rua. "Agora faz sentido. Foi roubo mandado, ameaça." disse ele pedindo para seguir com meu relato. Eu estava esperando a hora para contar que logo depois de minha volta apareceu toda entusiasmada uma corretora de imóveis perguntando se queria vender a casa. Dei corda e ela contou que tinha uma grande construtora que estava interessadíssima em construir na rua. Estava explicado.
O que me deixou profundamente triste não foi tanto as invasões nem minhas perdas, mas que fui o único de todas as casas invadidas que fez B.O.. O resto dos atingidos pela ameaça se resumiram a responder o famoso "Para que?".
PorVamos olhar por um outro lado, o prático: a falta de união teria tido uma consequência burra e estaríamos fracos numa negociação com a empreitera ou construtora isto caso quiséssemos vender as casas, leia-se terrenos, o que era o desejo da maioria. Em outras palavras, perderíamos dinheiro, que no final das contas é o que realmente importa para o individualismo exacerbado deste mundo selfie.
Muito tempo depois descobri que o cara que invadiu as casas era figura conhecida no pedaço. Ninguém viu, ninguém sabe, ninguém falou.
Denunciar teria sido bom ou mau?
Desrespeituso.
Entrou no elevador um senhor aparentemente bem educado, mas sem máscara. Subimos da garagem para o térreo, o elevador parou, entrou um outro senhor que pediu que o desmascarado "por favor vestisse a máscara" que estava em sua mão, o que não só não o fez como disse que ninguém pode chamar a atenção dele. Já estou acostumado com o discurso "ninguém tem o direito de chamar minha atenção". O senhor que pediu para colocar a máscara desceu no primeiro andar, então tentei conversar com calma com o desmascarado sobre a situação e ele ficou mais "macho" ainda, deixando o elevador dando bronca ou ameaçando, sei lá.
Confesso que deveria ter feito imediatamente uma reclamação formal contra o dito desmascarado. Não fiz porque aquele é o edifício onde mora uma prima doente e não sei até onde o "macho" leva as coisas. Discutir comigo e me ameaçar é uma coisa, criar problema para ela, doente, é outra.
Denunciar: bom ou mau? Uma das formas de denunciar sem se comprometer ou comprometer os outros é deixar passar um tempo e só então agir, o estou fazendo agora. O que não pode é deixar passar batido.
Por sinal, esta mesma prima vai precisar de uma cadeira de rodas. Procurei e achei uma cadeira de rodas alemã em liquidação com um preso ótimo, quase o mesmo das mais básicas. Acabei não comprando porque um conhecido me avisou que estão assaltando deficientes, jogando no chão e levando as cadeiras de rodas quando são boas. "Você está de gozação!", e recebi uma resposta seca e definitiva "Não, não estou!".
Boa parte dos moradores do bairro sabe quem são os meliantes do pedaço. Com um pouco de atenção é fácil descobrir. Suponho que se os mesmos meliantes continuam por lá é porque ninguém se dá ao trabalho de ir até a delegacia e denunciar. Então convivem e aceitam.
Denunciar: bom ou mau?
Em 2006 tive que fazer uma vistoria num córrego que adentrava uma favela. Pedalamos umas 10 quadras favela a dentro e fiquei simplesmente embasbacado com a quantidade de motos grandes e caras circulando livremente lá dentro. Ninguém sabe, ninguém fala, ninguém viu, ponto final. É uma situação que imagino deva doer na imensa maioria que é trabalhadora e honesta, mas se abrirem a boca morrem. Fica a pergunta: como denunciar? Ou, adianta denunciar? É uma situação muito mais complexa.
O outro lado desta história vem da "zelite" que vive denunciando (entre amigos) ilegalidades, ladrões, a falta de justiça e outros que tais, mas tem uma biblioteca de DVD pirata.
O casal simpático veio para São Paulo. Pela conversa, boa, nas entrelinhas ficou claro que estão fugindo de uma briga que tiveram em sua cidade. Venderam o negócio que tinham para quem parecia bonzinho na assinatura dos papeis. Tudo muito bonito até a hora de acertar o finalmente das contas. Mesmo sendo um casal bem quisto no pedaço, desde sempre respeitados pela comunidade, tiveram que fugir para não sofrerem as consequências de discordar do comprador. Ninguém, nem os velhos amigos mais próximos, ousou falar uma palavra, dizer pro macho vai com calma, todos calaram e enfiaram os seus rabos no meio de suas pernas.
Esta história me faz lembrar a história de duas comunidades, uma no Rio e outra aqui em São Paulo, que um dia deram um basta na bandidagem e nos malandros do pedaço. Juntaram-se todos, peitaram, e colocaram para fora. As duas comunidades tiveram décadas de paz. Unidos venceremos.
Dedo duro é considerado a pior espécie humana aqui no Brasil. Quem denuncia é sujeito execrável, dito dedo duro, não importa se é para o bem ou do mal. Não pode "dedo durar", simples assim. Nem reclamar que jogou um papel no chão com o lixo do lado.
Pergunta:
Não denunciar no Brasil não terá virado uma valiosa ferramenta da instituição coorporativista?
Países de primeiro são tão organizadinhos, tão limpinhos, tão bem preservadinhos, tudo sempre funcionando tão direitinho, sem assalto, sem maiores problemas porque o povo denuncia, aponta o dedo.
Denunciar: bom ou mau?
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