Sou um dos privilegiados deste
país. Como tal não tenho direito de ter chiliques com as malditas formalidades
necessárias burocráticas estúpidas, ineficientes, desnecessárias, arcaicas, mas
tenho obrigação, principalmente por ser privilegiado, de reclamar com razão e
sensatez.
Tive um estouro porque me pediram
uma série de dados pessoais dos sensatos aos surrealistas para realizar uma
operação. "Prende o pessoal que faz irregularidades. Prende! Por que um
cidadão que faz tudo certinho tem que preencher um monte de papeis estúpidos?"
disse entre outras no meio de um chilique. Minha reclamação é justa, assim como
a necessidade de garantias por parte do banco para realizar a operação. Reclamação
é uma coisa, chilique é outra, isto é fato. Reclamação se transforma em chilique
porque situações como esta que descrevo, ou infinitas outras corriqueiras neste
país, poderiam não acontecer caso no passado eu, tu, ele, nós, vós, eles, tivéssemos
feito alguma coisa para que as coisas mais simples funcionassem de maneira mais
racional, prática, sensata, produtiva. Se não fiz, não fizemos, não tenho, não
temos o direito de ter chilique. Tenho, temos hoje o que compramos no passado.
Logo ali na sala de onde digito
este mais que um desabafo, largada no chão, está uma torradeira do Mickey que
quebrou na terceira vez que foi usada. Sempre reclamei, tenho um logo histórico
de gritaria indo atrás de meus direitos, mas estou exausto e desta vez simplesmente
não tive forças para reclamar mais uma vez de mais um produto que dá problema
logo no início de sua teórica vida útil. Antes da torradeira foi uma cafeteira
expressa Philco que quebrou um mês depois do uso, foi para a garantia, voltou
com defeito, foi para a garantia, e mais uma vez deu defeito. Na terceira vez num
técnico, aí não mais de autorizada, ouvi que poderiam consertar, mas a bomba
padrão daquele modelo de cafeteira era frágil e provavelmente quebraria de novo
em pouco tempo. Não duvidei. depois fiquei sabendo que o amigo que a recomendou
também descartou a sua. Não me lembro mais qual produto que tive problema antes
da cafeteira e da torradeira, nem quero me lembrar, ou fico mais furioso que
estou. Ah! o acendedor automático de fogão. Antes dele... Em nome de minha
sanidade mental paro por aqui, mas sei que enquanto digito este texto mais e
mais quebradas lembranças serão recordadas. Fato é que não só os 1,99 são de
baixa qualidade. Infelizmente baixa qualidade faz parte da vida dos brasileiros,
eu sei disto, vivo batendo na mesma tecla. Lembrei de outro: freio a disco de
duas bicicletas que pararam de frear. Chega, não quero lembrar de mais nada; sigamos
em frente.
Pausa!
Na vida tem certos problemas
que tem que ser resolvidos e ponto final!
Preciso recolocar minha cabeça
no lugar e voltar a reclamar se quero ter paz. Chilique é que não dá. Reclamar
é chatíssimo, mas dá resultados não só para você, mas para toda a sociedade. Se
o povo todo reclamasse nossa indústria não estaria da pindaíba que está, o
serviço público seria outro, não teríamos tanto problema com lixo, teríamos uma
sociedade mais justa... É nosso dever, dos privilegiados, reclamar, sem
chiliques, reclamar com razão, inteligência, persistência, reclamar até
corrigir o errado.
Ontem estive com uma pessoa do
mercado de bicicletas que está horrorizada com a baixa qualidade das 29 baratas
que estão sendo vendidas. Para sobreviver tem marca americana que foi
considerada primeira linha, referência de qualidade, que está oferecendo uma
versão baratinha da 29 com 21 marchas câmbio Shimano. Shimano, mas nem tanto, o
resto é mistureba, passador de uma marca, coroa e catraca cada uma de outra,
corrente de mais outra, uma mistura feita para baratear que até aqui só era
encontrada em bicicletas vagabundas de, digamos assim, 1,99. Mas para leigo o
que vale é ouvir Shimano e o resto ele não quer nem saber, nem mesmo que seja só
Shimano o câmbio traseiro e ainda assim o mais básico. Não vai funcionar como
deve, provavelmente vai ficar dando problemas. Mais, a relação de marchas é
própria para roda 26, muito pesada para 29 que tem diâmetro maior, pouco
reduzida para subidas, péssima para iniciantes. Ninguém reclama, ninguém fala
uma palavra, acha tudo normal até a hora que fica na mão, aí tem um chilique no
meio da rua e depois na bicicletaria. Ou pior, encosta a bicicleta e nunca mais
pedala, o que é muito comum. O número de bicicletas empoeiradas e jogadas na
garagem aqui no Brasil é absurdo. O setor reconhece que só na cidade de São
Paulo passa de alguns milhões, uns prováveis três ou quatro, dizem. Deprimente.
Ficar esperando que os outros
resolvam seus problemas é dar tiro no próprio pé. Quem espera nunca alcança, diz
aquela música que acho chatérrima, mas diz a verdade. Assim como é verdade que
os que tem chilique tem um perfil displicente, esperneando no bar e não fazendo
nada no lar. O “não é responsabilidade minha” quando cai na cabeça vira “FDP!”.
Ou então não sabe a diferença entre reclamar e ter chilique.
Vale aqui um deprimente exemplo,
a Argentina, que já foi o 5º país mais rico do mundo, com um dos melhores
índices de escolaridade, que em 1974 tinha 4% da população na pobreza e agora
tem 35,4%. Em 1973 elegem Peron e a Argentina entra num ciclo de populismos sem
fim, com massa gritando chiliques de todos lados. O resultado está aí. Este
exemplo conheço porque vi pessoalmente boa parte dos absurdos. Não é o único.
Europa e Estados Unidos tem a
cultura de reclamar, e reclamar imediatamente. Aconteceu, reclamou. Acho que
deu certo.
O Japão segue um lema que é
mais ou menos assim: Não importa como você encontrou o lugar (ou uma coisa),
interessa como você vai deixar para o próximo (sempre melhor).
O ideal é não ter que reclamar
e muito menos ter chilique; o certo é agir para não ter que reclamar. Numa
palavra: ser preventivo.
Não tenha chilique, reclame;
não reclame, seja preventivo. Exemplo prático vem da medicina: o Brasil sofre surtos
de sarampo, varíola, dengue, dentre outros, porque não foi e segue não sendo preventivo.
O resultado são pessoas morrendo. Para que?
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