Um milhão de ciclistas pedalando em volta do Ibirapuera? Sim, e este foi o começo do fim do Passeio Ciclístico da Primavera.
Eu estava de bico no caminhão de som, o que hoje chamamos de trio elétrico, junto ao Secretário de Esportes, Caio Pompeu de Toledo, Bruno Caloi e toda tropa que mandava a bicicleta. Foi dada a largada, a massa de ciclistas começou a se movimentar e não acabava nunca. O speaker foi fazendo seu trabalho, nós cansamos de ver a massa se movendo e ficamos fofocando, até que alguém deu um grito "o passeio tá chegando", e do meu lado falaram num tom preocupado "como assim?". Enquanto nós virávamos em direção aos que chegavam, outra massa, a de ciclistas ainda parados, sequer tinha conseguido sair. A imagem foi impressionante e ao mesmo tempo assustadora. Teve quem quase entrou em pânico com o encontro das massas compactas, a que chegava fazendo a curva que dá para o Monumento às Bandeiras, e a multidão ansiosa a espera parada na av. Brasil. Eu desci do caminhão de som porque a coisa ficou tensa entre os organizadores.
As fotos publicadas no dia seguinte em todos jornais, alguns de primeira página, falavam por si. A matéria falava em um milhão de participantes, o que contagens oficiais posteriores em domingos ensolarados de certa forma endossaram o milhão daquele último Passeio da Primavera realizado no circuito de um pouco mais de 4 km de avenidas no entorno do Parque Ibirapuera. Posso dizer que foi ao mesmo tempo maravilhoso e apavorante.
No ano seguinte o Passeio Ciclistico da Primavera foi divido em dois, e mais para frente acabou no autódromo de Interlagos, é o que lembro. Perdeu a graça. Nunca mais participei. Óbvio que repetir aquela linda loucura não seria possível por diversas razões, tanto para organizadores quanto para os próprios ciclistas. Colocar um milhão de pessoas num mesmo lugar é complicado, em movimento é muitíssimo mais complicado. Lindo de se ver, mas insano.
Caio Pompeu de Toledo, secretário de lazer e esportes na administração foi quem fez acontecer. A ideia foi de um assessor, Caio (amigo da minha família que óbvio não lembro o sobrenome), e o projeto contou com o apoio imediato da Caloi. Os primeiros passeios foram quase intimistas, com o passar dos anos cresceu rapidamente, até chegar naquela maluquice do milhão.
Eram outros tempos. Para se ter ideia larguei minha bicicleta encostada em algum canto antes de subir no caminhão, ela ficou lá um tempão sozinha, sem tranca, e estava lá quando voltei. Bons tempos.
Para o setor, em especial para as bicicletarias era 'o' melhor momento do ano. Me lembro do meu caro Alberto, dono de uma grande bicicletaria no Itaim Bibi, dizer que tinha que se programar bem antes porque vinha uma enxurrada de bicicletas para fazer manutenção. O resto do ano? A maioria delas ficava jogada na garagem.
Para se ter idéia, lá por 1990, alguns anos depois deste incrível evento, apareceu pela primeira vez um número: São Paulo tinha algo como 4 milhões de bicicletas, sendo que quando muito saiam para rua num domingo quente e ensolarado um milhão para um passeio. O resto ficava jogada tomando poeira. Outro número, algo em torno de 50 mil ciclistas circulando com regularidade, com detalhe importante, nos bairros de classe média e alta. Não periferia? Não faziam ideia, mas é certo que eram muitos muitos mais. Por que não sabiam? Por causa do horário de circulação, o que os tornou invisíveis para as autoridades.
Em 2007 Walter Feldman cria a Ciclo Faixa de Domingo, em consequência da grande quantidade de ciclistas aos domingos, um milhão segundo pesquisa CET, Caloi e da própria Secretaria de Lazer e Esportes comandada por Walter. A ideia veio do que estava sendo feito em Bogotá, o que não tira a genialidade do ação política, que no final das contas foi o que foi. A partir da Ciclo Faixa de Domingo o poder de reconhecimento da bicicleta perante autoridades mudou completamente.
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