"Arturo, vai pegar o pão que o almoço está quase pronto", e lá ia eu pedalando para pegar pão quentinho. Primeiro foi mais ou menos perto de casa, com o tempo fui procurando experimentar outras padarias, algumas bem mais longe.
Retomar a história das padarias que passaram por minha vida veio quando fui comprar croissant e a simpática atendente disse "Temos mêdia luna. Croissant é salgado. O nosso é doce, é mêdia luna (pronuncia em español)". Óbvio, o dono é um jovem porteño, portanto "mêdia luna". Que me lembre em Buenos Aires comi mêdia luna salgada. Se pedir croissant lá não sei o que vão entender. Eles traduzem tudo para o espanhol, melhor, el español. No meu tempo, e já faz um bom tempo, nos discos de vinil, as bolachas, quando eu ia para lá, anos 70, era tudo traduzido para el español. "Piedras Rulantes" estava na capa, e para quem não entendeu, Rolling Stones. Black bird dos Beatles era "Pajaro negro", Let it be era Dèjele ser, e assim por diante, com tudo, inclusive o croissant, la media luna. Dulce o salada? Não, não, não, "salada" não é salada, mas salgada.
Na França os dois são croissant, doce ou salgado, ponto final. E não pense que todo croissant francês é uma maravilha, tem de tudo, mas a maioria vale a pena.
O primeiro croissant que merecia o nome comi aqui em São Paulo, na rua Suzano, onde tinha uma padaria chamada Coloni, famosa por seus pães pretos e integrais. Foi vendida e acabou, infelizmente.
A Coloni era de um tempo quando os pães paulistanos começaram a virar um desastre. Época estúpida, que ainda não acabou, onde pão bom é pão grande, vistoso, que enche o prato. Felizmente estão desaparecendo os pães feitos com bromato, para quem não sabe, eram uns pães imensos, parecidos com zeppeling, que depois uns minutos desintegravam em pó, ou numa farinha que não servia sequer para empanar.
Para minha tristeza, fui conhecer a Benjamim Abraão bem mais tarde. Descobri pelo meu irmão que dava aulas próximo, na rua Maranhão. Era divina, acho que uma das primeiras ou a primeira a ter um francês com cara e gosto de francês. Os croissants eram maravilhosos. Seu Abraão ficou velho e doente, o negócio passou primeiro para filha e o genro, já não ficou a mesma coisa. Uns anos depois passou para o neto e acabou, virou um desastre, uma fábrica de zeppelins.
Pausa para um cafézinho com boas lembranças:
Na França tem pão francês? Não, nem sequer algo que se pareça com nosso tradicional pão francês. Sim, eles tem um pãozinho parecido que é difícil de encontrar. A bagete é o básico. Nhami!
Quando a corte portuguesa fugiu da eminente invasão francesa em Portugal e aportou no Brasil, trouxe consigo um pasticeiro frances que produzia pequenos pães. Dai o nome "pão frances", que foram imitados e ganharam o gosto público, tornando-se a preferência nacional.
Nem em todos os lugares de Paris o croissant é assim um croissant. Nada a ver com aquela coisa grande e massuda que se vende como tal por todas as partes de São Paulo. O croissant para valer é um folheado, que gosto de comer desfolheando aos poucos até chegar ao miolo levemente engordurado pela manteiga da massa. Quente, de preferência. Saído do forno. Um dos melhores em Paris é o da La Grand Epicerí de Paris, o de La Muette, no 16º Arr. Próximo a porta principal de entrada, à esquerda, você compra um, ou dois, ou três, como queira, paga, sobe e vai tomar café expresso, que por sinal é também maravilhoso. O local é o paraíso gastronômico, uma loucura completa, indescritível. Conhecer o La Grand Epicerí de Paris, este ou o de frente ao famoso e maravilhoso Hotel Lutetia, rue de Sévres, uma das obrigatoriedades para dizer que conhece Paris. Aproveita e vai comer um suflê no Le Récamier, logo ali. Ai você conheceu Paris, ou está perto de.
Sobre padarias parisienses, tome cuidado! Voltei 8 kg mais gordo. Não me arrependo.
E sei lá quando fui levado para Quito, Equador, para dar uma palestra. Fiquei hospedado num pequeno hotel boutique, muito agradável, nada muito especial. No café da manhã foi servido pequenos e perfeitos croissants, inesquecíveis. Tentei achar a padaria, mas não consegui. Incrível, mas ainda sinto a perfeição de seu folhado sendo quebrado na boca até hoje.
Em Munique, quando fomos levados pelo I-Ce para participar do Velo City, nos hospedaram num hotel dizendo que era um lugar simples (?), mas (Jap, o responsável) acreditava que iríamos gostar do café da manhã. Absolutamente inesquecível! Obrigado Jap! Os pães, todos artesanais, eram de outro planeta. Aliás, queijos e frios também. Manteiga, geléias... Tudo vinha de fazendas próximas. Óbvio que os pães eram pretos ou integrais, poucos brancos, todos de forma. Quero voltar.
Ürgüp, Capadócia, Turquia, que trigo, que pães maravilhosos! Com um detalhe: ficam expostos do lado de fora da padaria, na calçada. Você escolhe, pega, entra e paga. E lá, Ürgüp, cometi uma indelicadeza que não me arrependo. Antes do café da manhã do hotel fui a padaria e comprei um pão de cada variedade e levei para os outros hóspedes se deliciarem. O gerente do hotel definitivamente não ficou feliz.
"Arturo, não viaja! Volta! Conta sobre sua relação com os pães e porque foram importantes para o descobrir a cidade pedalando".
Sinto falta do pão italiano da Vesúvio, uma padaria que ficava perto de casa, na rua dos Pinheiros, de propriedade de Napolitano e José. Rivalizava em qualidade com a São Domingos, Basilicata e outras tradicionais entre os italianos paulistanos. Era de longe o pão italiano predileto de toda a família. Ia um filão ou pão de peito, o redondo, por refeição. Normalmente chegava quentinho.
E eu adorava conversar com os dois simpáticos donos, que um dia, esperando o pão sair do forno, me contaram sobre o que chamavam de "guerra do trigo". Na década de 80 as importações eram restritas, difíceis, e conseguir trigo de boa qualidade era uma luta, briga de foice entre as boas padarias. Um dia eles cansaram e para minha profunda tristeza venderam a Vezuvio, que perdeu sua maravilhosa qualidade e em pouco tempo fechou.
São Domingos, tradicionalíssima, pelo que sei a mais antiga em funcionamento de São Paulo, vim conhecer quando voltávamos de um passeio ao Ipiranga. Quem me levou foi o saudosíssimo Tiu Lú, figura incrível que conhecia tudo sobre São Paulo.
Muitos anos depois, numa tarde, fui levado a conhecer dentro da casa de porta quase acanhada com discreto letreiro 'São Domingos' que está lá e vende pães e outras delícias a mais a mais de um século. Vi os fornos, que são muitos mais que imaginava. A casa se estende lá para o fundo e para baixo. Quem nos levou foi a senhora, mãe dos que hoje tocam o negócio. No meio da visita, ela permitiu que eu pegasse um filão italiano saído do forno que quase queimou minha mão. Na loja peguei um provolone, pedi para cortarem um pedaço e abrir no meio, e o imediatamente foi derretido pelo maravilhoso pão. Coisa dos deuses.
Um pouco mais a frente dei de cara com um carro de reportagem da Globo, na janela estava a Zileide Silva, parei para dar um oi, eles disseram que ainda não tinham conseguido almoçar, eu abri a mochila, tirei o filão, o queijo, e deixei com eles que sorriram só com o forte e delicioso cheiro.
Basilicata, 13 de Maio, Italianinha e mais outras tantas foram paradas obrigatórias. Destas eu lembro, de algumas felizmente não. Tem muito pseudo pão italiano por aí.
A vida ficou muito mais corrida, mesmo assim podendo paro nas padarias para ver se o pão me chama a atenção, não só os italianos.
Para quem está gostando da conversa, deixo a dica: não raro a padaria tem seus pães especiais, algumas vezes vendidos junto a outros que não valem a pena. Só cuidado para não engordar experimentando tudo. Com o tempo o olhar vai dizer muito.
Da minha tenra infância até um pouco antes da era bicicleta, na esquina da Joaquim Antunes com Sampaio Vidal, existiu a ótima Padaria Regência, com seus pãezinhos . Morreram os criadores acabou a qualidade.
O mais triste foi a passagem da Benjamim e Barcelona para a filha e depois para o neto. Não ter conhecido Benjamim Abrahão foi algo que não me perdoo, uma displicência minha que me dói até hoje.
Hoje temos diversas pequenas e ótimas padarias. São Chico, Batard, Fazemos pão, Fabrique, e mais outras que não me lembro nomes. A questão é que tem muita bestice que é bem avaliada porque o ambiente é agradável... Isto está cheio.
Em supermercado tenho que citar os franceses da St. Marche da São Gualter. O francês pequeno é ótimo. Eles tiveram um padeiro que conseguia o feito de produzir quase todos tipos os pães ótimos ou bons, o que é raro. Normalmente as padarias tem um ou dois pontos fortes, o resto é bom... ponto final.
Um bom padeiro faz toda diferença.
Por favor não confundam pão com padaria.
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