terça-feira, 9 de abril de 2024

Eu. E a Semana Mundial do Autismo

Autismo, ainda um mistério para a maioria, e porque não dizer também para as pessoas próximas ao autista. São inúmeras as formas e graus de autismo, como diz Luiz Alexandre Souza Ventura em seu "Vencer Limites" do Estadão e Rádio Eldorado. Tenho amigos que são diagnosticados com autismo e não transparecem, e tive contato com filhos de primos que eram completamente fechados em si. Entre estes dois mundos infinitos outros.

Definir uma doença mental não é tarefa fácil ou rápida. Os erros cometidos são inúmeros, hoje muito menos que no passado quando ainda havia muita influência das religiões sobre a ciência e medicina. Mesmo assim, as besteiras que se fazem com pessoas especiais são inúmeras, várias deprimentes.

O comportamento de alguns deixa absolutamente claro sua normalidade ou não. Não é tão simples assim. Esta verdade vale para casos mais acentuados ou extremos, que a referência que a imensa maioria tem. Há muitos interesses por trás desta verdade, principalmente o medo. 

Pelo pouco que sei o maior problema para o autista, como para outros, é o ambiente que o cerca.  Via de regra não o contrário.
Aliás, falando em ambiente que cerca, quanto mais amigável for a cidade, melhor será a saúde mental coletiva. Taí algo que não temos por aqui, nossas cidades são muito pouco amigáveis. Como se sente alguém com necessidades especiais dentro de um ambiente que tenso para os ditos normais?


Minha história serve como referência de erro de avaliação. 
Não sou autista. 

Minha primeira suspensão foi no pré primário. Minha babá, santa Conceição, que reencontrei recentemente, diz que eu era "agitadinho", um eufemismo dito por alguém que foi de certa forma foi minha segunda mãe. Agitadinho é, para dizer o mínino, risível. Hoje imagino que acabou o ano e devem ter feito uma festa pela minha saída da escola.

Dos primeiros dias no novo colégio me lembro da palmatória dada com uma régua pela professora. Sei que meu comportamento não foi fácil para eles, do colégio, muito menos para meus pais que eram chamados para conversas praticamente todos dias. Depois de não sei quantas suspensões e infinitas vezes que fui parar na diretoria, conseguiram se livrar de mim.

Em razão do ótimo aluno que foi meu irmão, acabei sendo aceito em um dos mais tradicionais colégios de São Paulo e Brasil, regido, sim, regido por padres úngaros beneditinos. Mais quatro anos de suspensões e outros problemas. Eles também conseguiram se livrar de mim, desta vez expulso na segunda semana do último ano letivo do ginásio.

A única escola que minha mãe encontrou depois da expulsão na segunda semana de ano letivo foi uma que aceitava "semi expulsos". Óbvio que na segunda semana já chamaram minha mãe. Foi a última. Por ela tomei juizo. A verdade é que no Nossa Senhora do Brasil, uma escola que juntava alunos com problemas disciplinares e outros mais, me senti em casa, descobri que eu era gente.

O colegial fiz no Liceu Eduardo Prado, uma escola com educação experimental, reconhecida e respeitada. Acabaram meus problemas disciplinares e principalmente os de minha santa mãe. OK, os que estudaram comigo sabem que eu quase fui levado para o DOPS como terrorista, mas eram ocorrências típicas daquela época. Acredito que minha avó tenha intervido por baixo dos panos e a história acabou resumida num passa moleque na diretoria - felizmente. 

Fui muitíssimo mais disciplinado e fácil de lidar que amigos meus, incluindo os que estudaram comigo no colégio regido por padres de onde fui expulso. Nos colégios onde fiz o primário e o ginásio o aluno tinha que se encaixar em regras que extrapolavam e muito as de necessidade da educação. Condição social, leia-se financeira, princípios da família, leia-se seguir as regras que atendesse os preceitos da igreja, e conceitos sociais, leia-se não ser diferente, leia-se de esquerda, traziam consigo dedos acusatórios apontados. 
 

Há um dado econômico que prova por a+b que as localidades mais ricas e com melhor IDH (+ uma letrinha que nunca me lembro qual é) são aqueles com farta diversidade. Quanto mais diversidade, melhor todos índices humanos e econômicos. Quanto mais ambla a informação circulando, maior é a visão geral, ou a inteligência coletiva. Quanto mais fechada é a sociedade, ou tacanha, mais atrasada. 
Mesmo em países, estados ou cidades diversos, ricos e com alto IDH, há dificuldade para entender e se adaptar aos mais diferentes, os que têm algum comprometimento social, mental ou clínico mais acentuado. 

Neste hospício generalizado que vivemos, quem são os loucos? A afirmação, que parece gozação e banal, em certos países onde a saúde mental da população em geral é precária, fundamentada em besteiras, ou viciada, faz todo sentido. Exemplos é que não faltam, inclusive os muito próximos.

Nascido em 1955, sou filho de uma mulher 11 anos mais velha que meu pai. Mesmo casados, os problemas começavam e não param por aí naqueles tempos. E se desquitaram, aí piorou. "Não quero meus filhos convivendo com filho de desquitada", foi dito com todas as letras por uma tia.
 
Sei que tenho problema de comunicação verbal, passo por cima de palavras, sou exagerado, hoje menos explosivo que num passado não muito distante. Minha memória sempre foi péssima, exceto para mapas... E por ai vamos.

Para completar, sou hiper-hipo glicêmico, tenho uma curva glicêmica em zig-zag, o que me causava picos glicêmicos, que por sua vez me fazia mudar de comportamento muito rapidamente, dai as explosões. Minha instabilidade glicêmica me levou a quatro pré-comas glicêmicas, o que causa cãimbra no corpo todo ao mesmo tempo.

A primeira pré coma glicêmica foi no colégio de padres, no meio de uma aula. Por conta da cãimbra integral (todo corpo entra em cãimbra ao mesmo tempo) passei a enrolar a fala, o que fez com que os padres afirmassem que eu estava possuído e falando latim. Primeiro acharam tinha tido um ataque epilético. 
Depois de minha expulsão descobri a existência de um relatório afirmando que eu sofria de esquizofrenia, o que para um pré adolescente não foi nada fácil de encarar.

A segunda pré coma glicêmica foi Guarujá. MInha tia sempre disse que eu tive um ataque histérico ou chilique. Pelo menos na hora ela contornou a situação molhando minha boca com whisky, o que subiu a glicemia. 

A terceira foi numa corrida de mountain bike em Araras, sub distrito de Petrópolis, e desta tenho recordações divertidas. Passei a linha de chegada e comecei a travar. O médico que me atendeu era um amigo (infelizmente não lembro o nome dele) que me vendo contorcer em cãimbra começou a gritar "Arturo, seu filho da puta, você não vai morrer na minha mão". 
Só esta última pré coma glicêmica não teve reflexos na minha vida social. As duas primeiras deixaram um carimbo de louco aceito por muitos. 

Aí vieram minhas participações em reuniões de trabalho onde o sangue começava a ferver com algumas coisas que não concordava. Não demorava muito eu reagia forte. 


Não sou autista, mas a cada dia tenho mais dificuldade no convívio.

É comum que em festas, que praticamente não vou mais, ou reuniões de família ou amigos, eu termine na pia lavando pratos. Numa destas fugidas da confusão amigável uma amiga mais ligada se deu conta que eu tinha sumido e me encontrou lavando pratos. Ela voltou para a porta da cozinha e gritou o povo que estava lá, "Pessoal, o Arturo encheu da gente e está lavando pratos". Não perdi a deixa, abracei ela, e rindo disse para todos, "É verdade, os pratos estão mais divertidos". Uns riram, outros nunca mais me convidaram para reuniões ou festas. O bom é que ali foram separados os bons amigos dos convenientes.

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