Ontem foi comemorado os 60 anos da Bossa Nova e fiz questão de soltar um texto em comemoração. Em 1958, quando foi lançado o single 78 de João Gilberto cantando Chega de Saudade eu tinha 3 anos, portanto não fazia a menor ideia do que era o Brasil. A bem da verdade até meus 20 e tantos anos também não fazia. Sabia o que era meu mundinho, já tinha uma boa leitura, era interessado, ouvia, conhecia um pouco deste país, mais que a maioria, mas saber mesmo não sabia. Vou mais longe: poucos sabem.
Nasci e fui criado até os 11 anos no meio do Jardim Europa, rua Sofia 20, uma realidade rica, bonitinha, desértica, solitária para uma criança. O que posso dizer dos anos bossa nova são sensações que captava dos que me rodeavam, gente que tinha orgulho e queria construir um país. Digo país, portanto digo "para todos", não só para a elite que pertenci. Para todos. A palavra de ordem era fazer bem feito, com qualidade, criatividade, com o bom jeitinho brasileiro, o que significava fazer com imaginação e inteligência resolvendo problemas com que se tinha à mão, nem sempre a condição ideal.
Dentro do meu meio social tinha de tudo, o que é normal, mas via de regra era exemplo quem trabalhava a sério, quem não fazia corpo mole, quem procurava tratar com dignidade todos, independente do nível social e educacional. Éramos educados para sim ou sim dar bom dia, boa tarde, boa noite, por favor, muito obrigado e tratar as pessoas com gentileza e paciência. Todos, sem exceção, inclusive nas camadas mais pobres tinham os mesmos princípios. Naquela época esta civilidade social era patente a todo brasileiro. A ordem repetida com insistência era "primeiro a responsabilidade, depois (se sobrar tempo) a diversão". Gente de má fé ou pouca vontade era exposta e afastada discretamente ou caso necessário de maneira marcante. A busca era pelo bem. Nem tudo era uma maravilha, longe disto, mas a intensão no ar era a melhor possível.
O Brasil era um único país, mesmo dividido principalmente pelo abismo social. De uma forma simplória acreditava-se que o progresso, no sentido da construção de riquezas, ajustaria as coisas e o país teria um futuro brilhante. “Brasil, o país do futuro”. Muito dos erros cometidos foram naturais das situações e dificuldades típicas da época, principalmente a quantidade e qualidade da informação disponível. A saber, na virada dos anos 50 para 60 era comum ficar horas esperando para se conseguir fazer uma ligação telefônica. Poucas estradas eram asfaltadas. Muita gente não tinha sequer acesso ao rádio, a maioria pelo simples fato de não receber energia elétrica. O conhecimento não circulava com facilidade. Sabíamos do grave problema social existente, mas a consciência da realidade era outra, menos sensibilizadora.
Acredito na boa fé da maioria dos que apoiaram a mudança para o que temos hoje. É óbvio que houve acertos, sempre há. Lá atrás ouvimos e acreditamos em falácias. Hoje são "as verdades" que fundamentaram o Brasil do nunca antes. Acusa-se o passado de tudo o que for possível sem colocar aquele Brasil no correto contexto histórico e mundial. Contextualizada a história ganha peso e medida muito diferente do discurso que é colocado.
Mas nem isto é preciso para descobrir que o Brasil nunca foi como hoje; podia ter mil problemas, mas não a barbárie. Hoje quem pode foge do país, vai viver fora.
Espero que a apoteose do Brasil do nunca antes tenha acontecido neste fim de semana de pacadão no TRF4 ao "funk do plantonista maluco". E ainda se tem coragem de dizer que o "Samba do crioulo doido" é politicamente incorreto. Como?
Chega de saudades? Nunca. Saudades que nunca acabam de um Brasil que tinha futuro.
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