segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Quanto mais leio, mais me sinto marginalizado

- Por favor, o cardápio.
- Só no QR code.
Agradeço, me levanto e vou para o segundo restaurante.
- Por favor, o cardápio. 
- Só no QR code. 
- (Que puta coisa de pobre! Que puta coisa de pobre!)
Eu já viajei o suficiente para saber que esta imposição de cardápio "só no QR code" é para país de pobres. Pobres de cabeça. Não entendeu? Acha que estou exagerando?
- Brasil il il il...

Não tenho agora argumentos para defender minha raiva contra o QR cardápio, mas se lutar contra minha velha raiva velha vou encontrar montes: OMS, número de idosos, insegurança digital, assalto de celular, mudança na forma de escolha.... Estes não são argumentos, mas palavras, nada mais que palavras....

Ontem estive no Shimano Fest. Dois de meus amigos, gente que entende pacas e fez muito pela bicicleta, me apresentaram como "o cara que mais entende de bicicleta no Brasil". Partindo de quem partiu é uma lisonja, mas não devida. Fiz um trabalho bom no passado, nada mais. Hoje, em tempos que estou procurando me informar melhor, tenho certeza que só sei que bicicleta tem duas rodas, guidão, selim, freios e um sistema de propulsão. Quanto mais me informo, mais fica claro que sou nada mais que um imbecil funcional que gosta de bicicletas.

Aliás, quanto mais sei, mais sei que absolutamente nada sei.
Estou sempre certo. Upa! Definitivamente não, muito longe disto, mas guardo o direito de pensar e criticar.
 
Indo para os restaurantes QR code passei por um dos sebos prediletos. Consegui não cair na tentação de ir xeretar, segui reto pensando que daria a vida para ler boa parte do que está lá. Com muita dor no coração constato que perdi muito em não ter lido muito mais. A única desvantagem que teria aqui, na terra do QR code e selfies, acabaria mais marginalizado que já me sinto.

Todos muito letrados que tenho ou tive foram ou são, de uma forma ou outra, marginais neste país. A ignorância reina, já dizia sei lá quem. 
Ignorância é uma benção. Será? Dependendo de onde se está é, não resta dúvidas. Pondé, creio.

Só para quebrar o pesado deste texto deixo uma pergunta: você já deu uma brochada total quando a belezura a sua frente abriu a boca? Pois bem, assim é a vida, nem precisa ter belezura no pedaço, baboseira brocha geral e legal.

E no segundo restaurante conversei com o gerente. Ele me olhou com desprezo e total falta de saco. Pela expressão estava pensando "o que este merda está falando!" Que seja. 
Depois de ter muito viajado além mar, tenho a dizer que só nestas terras tupiniquins (e de selfies) têm restaurante só com QR cardápio. Puta falta de respeito. "Sai, seu merda, que tenho muita clientela."
Como sempre, nós sabemos fazer as coisas e eles (o mundo que dá certo) está errado.

Não vou explicar a fundo meu ponto de vista sobre QR code, nem quero. Como cidadão normal, dentre os milhões que têm medo de ter o celular roubado ou assaltado, e como velhinho, quero ter o direito a ler o cardápio no papel, nada mais, simples assim. Este pequeno detalhe na verdade é um dos sintomas de porque o Brasil sendo tão rico nunca deixa de ser o país do futuro (que nunca chega). Meu alento é que as livrarias - leitura em papel - não só não morreram, como estão voltando a crescer.

Sem educação não há solução, pelo menos com isto parece que o povo concorda. Resta saber qual é a definição que eles tem sobre o que é educação. Aí a coisa pega pesado.

Mesmice me cansa. Pensei que o meu afastamento fosse pelo olhar crítico, pesado, não raro cansativo e chato. Em Quito um dos organizadores do congresso, quando tudo acabou, veio a mim e disse que minha palestra tinha sido a diferença. Já em Nantes ouvi uma tiração de sarro, que tinha sido a palestra mais esquisita do congresso. Tenho ela gravada e sei que foi um pouco confusa, com mais informações que deveria ter, mas pelo menos expus ideias novas, não fiquei na mesmice. Mesmice me cansa.

Tenho amigos que são infinitamente mais letrados do que eu. Tenho inveja por duas razões, a primeira é cultural, a segunda é porque eles têm um saco de ouro e conseguem conversar com a média sem se irritar. Eu não consigo.

Eu tenho um sonho, ver o potencial deste país desabrochar. Nada me faria mais feliz. E não creio que isto venha acontecer sem um mínimo de nível. A baixaria nossa cotidiana diz tudo: baixaria, relacionado ao baixo, ao pobre, etc...

Ontem aconteceu o que para mim foi quase um milagre: consegui explicar num grupo bastante radical que uma das razões para nosso trânsito ser o que é está nas opções simplórias,  medíocres, que fizemos no passado. O que plantamos, colhemos.

Temos toda esta brutal diferença social porque os que creem ajudar a combatê-la seguem num discurso religioso. Como ouvi e li recentemente: política vem há muito substituindo a religião. Quando entra o fanatismo ideológico então... guerra santa! Quanta baixaria!

Nesta baderna tem quem se sinta marginal para ser legal e ficar entre os iguais. Felizmente ou infelizmente, eu sou um marginal. Sempre fui. Minha solidão que o diga. 

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