terça-feira, 13 de agosto de 2024

Eu e Amir Klink

Uma longa entrevista da Samara Klink na Rádio Eldorado foi emocionante, tanto pelo o que ela é e está fazendo, como pela minha lembrança de seu pai, Amir Klan Klink, com quem tive pouco contato, mas se estabeleceu um relacionamento amistoso.

Paquerávamos a mesma garota. Acredito que eu estava bem a frente dele - em relação a paquera. Amir, sem o menor constrangimento, foi para cima dela, nem um pouco preocupado com minha presença. Demos muita risada juntos. A forma como conto este momento de minha vida é totalmente adolescente, imprecisa nos detalhes, mas da melhor lembrança possível.
No meio da disputa, que foi curta e sem vencedores, conversávamos. As histórias dele eram fascinantes. Tinha descido de São Paulo para Paraty pedalando uma Barra Circular, o que para mim então era um feito heróico. Outra vez, contou que pediu emprestada a moto do irmão, Timur, e desapareceu. Já conhecido na família por suas aventuras só foram se preocupar dias ou três depois, mas aí Amir reapareceu remando com a moto dentro de uma canoa, daquelas de tronco, finas, estreitas, instáveis, mais ainda quando se transporta uma Honda 750 de 250 kg. O pequeno detalhe é que Amir pegou a canoa numa vila de pescadores distante cujo único acesso era por uma longa trilha em mata fechada, difícil até para uma motocross. Enquanto Amir contava, fiquei imaginando o tamanho da loucura, bem heróica adolescente. 

Depois das boas e divertidas conversas naquela casa da av. Nove de Julho, pouco nos vimos, infelizmente. Eu segui na minha vidinha boba de classe média vai ao paraíso, o lá de cima, o outro lado da cerca que faz divisa com o inferno, não o bairro. Pelo menos minhas maiores aventuras foram bem além do Paraíso, aí sim o bairro. Conheci praticamente toda São Paulo ou pedalando ou dirigindo. "Toda São Paulo" é um exagero que me faz bem, mas que rodei muito e muito longe por aí, isto rodei, e muito pedalando.  

Queria ser um pouco o Amir. Cruzar o Atlântico a remo.

Soube que ele iria cruzar o Atlântico a remo num jantar de família. Na época Amir namorava uma meio prima e meu tio Mino estava furioso com a aventura. "Além de tudo ela vai ficar viuva antes de casar" disparou ele.
Anos depois, Amir lançou o livro "Cem dias entre céu e mar" contando em detalhes a aventura. Li como se estivesse com ele na minha frente e a paquera entre os dois.

Aqui vale um aparte divertido. A paquera e sua irmã vinham de uma família espanhola de hábitos rígidos, bem religiosos. Eram muito controladas pelos pais e irmãos mais velhos. Eram sorridentes, inteligentes,  boa conversa, desbocadas e divertidas. Um dia minha paquera contou que as duas iam cedo para a cama, pouco depois do jantar, como a família queria. Subiam, trancavam-se no quarto, esperavam um pouco e fugiam para as delícias da noite por uma escada de pedreiro. Os pais não conseguiam entender porque as duas dormiam tanto. Só acordavam depois do meio dia e ainda com cara de muito sono.

Depois daqueles bons tempos poucas vezes me encontrei com Amir. Ele virou cientista, que pelos desletrados traduz se como aventureiro. Ele próprio fica bravo quando lhe chamam de aventureiro ou, pior, louco. Não posso responder por ele, mas ser chamado de louco neste mundo pode ser um tremendo elogio.
Faz alguns muitos anos dei com o Paraty no Museu Nacional do Mar e Embarcações Brasileiras. É o pequeno barco no qual ele fez a travessia a remo da Naníbia, África, para Camaçari, Bahia. Fiquei muito emocionado.
Sinto uma inveja sem fim, dele, Amir, e de outros "aventureiros" que conheci pela vida. 
 
Para mim foi uma epopéia fugir de casa e ir pedalando até Jundiaí para pegar umas peças de bicicleta que não achei aqui. Fui, ou pelo menos tentei ser, um bom menino. Não me arrependo por um lado e me arrependo muito por outro.

Estou velho e de certa forma deixei o tempo passar. Tive um pouco de medo de viver, o que é normal, mas tive muito mais medo de criar problemas para alguns. Se arrependimento matasse... 

Este texto esteve parado por um bom tempo. Voltou a tona quando encontrei o Beto  Pandiane na rua, outro aventureiro... 


Provavelmente fui dos que começou o mountain bike no Brasil o que menos foi para a trilha, algo que amo. Por que? Medo que minha diabete desse pau no meio da diversão dos outros. Precisava tanto? 

Muito tempo depois de ouvir Amir contando sobre sua descida pedalando para Paraty, criei coragem e fui pedalando ver como era a Sexta-feira Santa em Bom Jesus do Pirapora, logo ali. É das poucas memórias vividas que tenho. Foi muito bom, muito bom mesmo.

Mas como diz Amir em suas entrevistas, estuda, conhece, prepara e programa o que você vai fazer para não dar erro. Beto diz exatamente a mesma coisa. Aliás, todos aventureiros que conheci, que aventureiros não tinham nada.

Um comentário: