Mais uma vez, como tantas no passado, acompanho um amigo que é paciente terminal. Outro dia voltou a si e disse que não aguentava mais tanto sofrimento, e retornou as profundezas de sua dor. Já vi esta mesma cena trágica outras tantas vezes e conheço muitos que também acompanharam o mesmo processo.
São constantes as histórias do limbo que cerca o fim, mas tofas com fundo comum: manter o paciente vivo até a última esperança, médica, diga-se de passagem, mesmo que em voz baixa, sussurrada, se tenha declarado para a família e os mais próximos que não há qualquer esperança. Tudo em nome dos princípios fundamentais da medicina moderna e porque não incluir os da fé.
Foi diferente. Morrer já foi natural, fato da vida. Virou problema quando os feudos se viram com mão de obra escassa. Enquanto a produção no campo seguia dando lucro pouco importava se o trabalhador vivesse ou morresse. Este valor dado para a vida em alguns aspectos pouco mudou. Hoje respeita-se e trata-se da doença, mas transformamos a morte em um tabu intocável, decisão sagrada de uns, menos do futuro morto. Nós que aqui estamos por vós esperamos, verdade inevitável, todos passaremos pela mesma agonia, disto ninguém escapa.
Estamos em mais um setembro amarelo, mês de valorização da vida e da luta contra o suicídio. Interessante, valorização da vida, sobre o que exatamente se trata? Há muito medo embutido aí, forma de se evitar aprofundar a conversa. Cinto de segurança e normas de segurança no trabalho, por exemplo, tratam em última análise de diminuir custos, de preservar investimentos. Se houvesse mão de obra farta e disponível seria diferente? É simples assim, seja de direita, esquerda, ou a religião que quiser, não importa, nesta hora são todos impiedosamente moralistas. O sentido da morte está única e exclusivamente baseado no pragmatismo que nos trouxe até aqui, que por sinal provavelmente é o melhor momento da história da humanidade para se viver, mas talvez nem tanto para morrer.
Velhice, aposentadoria, senilidade, e tudo que se aproxima do fim, se por um lado são problemas, por outro é ótimo negócio. Dependendo de quem é e em quanto tempo virá, a morte pode ou não ser negócio altamente lucrativo. Aliás, a cada dia mais lucrativo. Como se precifica o deixar morrer ou alongar a vida? De novo, quem ganha, a quem interessa, por que interessa?
Meu corpo, minhas regras, não é este o mote? Concordo em grau, gênero e número, até porque este é o alicerce do progresso desta sociedade que vivemos: o respeito aos direitos do indivíduo. Ninguém pode ter qualquer direito sobre minha morte, um direito de decisão exclusiva à própria pessoa. Ou se a sociedade tem direito sobre a morte do outro, do indivíduo, que faça valer justificando por toda a vida deste indivíduo, o que via de regra não acontece.
Um paciente terminal não tem direito a sua própria morte, ao fim de suas terríveis dores. Uma pessoa consciente que sabe que já deu sua contribuição para o bem comum, que, por exemplo, por conta da aposentadoria forçada tenha sido transformado num estorvo, inútil social, ou que não sirva para mais nada a não ser dar lucro, não pode decidir conscientemente quando e como parar? Quem decide é a mesma maioria que quando vê um moribundo foge como diabo da cruz?
É de boa fé os que se esforçam para evitar o suicídio, assim como não é de boa fé uma sociedade que não tem qualquer preocupação com quem esta mesma sociedade encurrala no fim da vida. Melhor idade? Para quem, para que? Neste momento da vida neste e deste planeta incluir o fim do ciclo como fato natural não só pode, como deve ser uma possibilidade, uma alternativa, uma saída para evitar o colapso completo de tudo e todos. A forma como se trata a morte humana ainda é profundamente tacanha.
Os que sempre respeitaram o jogo da vida devem receber um mínimo respeito pela sua opção consciente de seu fim, da sua morte. Minha morte, minhas regras.
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