quinta-feira, 17 de agosto de 2023

"Todo mundo está errado, eu estou certo"

Morreu uma das papisas, ou guruas, como queira, da vida alternativa, o que quer que "guru" signifique. Pregava uma alimentação radical, destas que não comem nada que não seja natureza,  que agrida a vida animal, ... ou alguma coisa por aí. No caso, parece que só comia legumes crus. A causa da morte não foi divulgada pelos familiares, mas alguns médicos, nutricionistas e cientistas acreditam que sua morte foi causada pelo completo desbalanço alimentar, o que faz sentido. Uma coisa é tomar cuidado com a saúde, com o que come e bebe, outra, completamente diferente, é radicalizar ou cair na completa negação que nós, humanos, fomos, somos e seremos uma espécie de animal. 

Vou encontrar com um amigo que pratica uma destas alimentações radicais, coisa que tirou das lições de algum destes gurus que ele achou pela internet. Ele jura que a radicalidade está fazendo bem e que nunca esteve melhor. Não dá para discutir. Interessante é que a estrutura de pensamento dele é muito voltada às metodologias científicas, ou seja, não é um idiota que vê propaganda de receita de milagre que pisca na telinha e vai atrás dizendo "achei!, achei!, achei!..." Ele estuda o que faz ou o que diz e mesmo o que pode parecer uma loucura lá no fundo tem alguma pesquisa sólida por trás. A questão é que sua formação não é médica, nem nutricionista. 
Antes da alimentação radical que agora ele pratica já não dava para discutir, agora menos ainda, mesmo quando ele recentemente deixou escapar que está com as pernas fracas.

A bem da verdade até dá para conversar, mas tem que ter o tempo e forma exatas para entrar no assunto e precisa tomar um cuidado muito grande para a conversa não espanar de vez. É assim com todo e qualquer radical, inclusive os que se recusam a comer proteína animal para proteger o meio ambiente, mas seus outros hábitos são reconhecidamente problemáticos aos meios ambientes. 

Somos todos humanos, simples assim, e este é definitivamente a questão e o gerador de problemas. Pensamos, portanto dancemos. Tememos a deus ou nos tomamos como deuses, desta ninguém escapa. Nos dois casos o centro da verdade está dentro de nós, até mesmo dentre os ateus. "Eu estou certo", ponto final, vai muito além do puro e simples instinto animal. "Eu penso, portanto existo". Eu, eu, eu, eu.
 
Não ouse dar uma dica sobre como ela tem que pedalar. Ela até ouve, mas entra por um ouvido e sai pelo outro. É uma atleta de alto nível, destes fora da curva que só não foram profissionais por acidente da vida. Quer ajuda? Quer ajuda? Quero! Mas nunca diz "vamos embora". Foi pedir ajuda sobre como pedalar para quem estava por perto, um eventual, se tanto, ciclista de fim de semana sem prática, sem treino, sem rodagem, sem uma leitura sobre o assunto. 
Um dia, numa conversa boba, soltou que num triathlon no Rio de Janeiro, sofreu demais no pedal. Perguntado como era o circuito respondeu que era praticamente plano, mas as "subidinhas" foram muito difíceis. As subidinhas em questão não são subidas, todo mundo conhece, mas suaves mudanças de inclinação que são descritas pelo ciclismo como terreno plano. Uma ou no máximo duas marchas a mais ou a menos e problema resolvido. "Marchas? Cadência? Como assim não olhar no trocador que marcha está?"  
E alguém caiu na besteira de dizer que se quisesse iria pedalar junto para mostrar como se troca as marchas. Fechou a cara. Para tentar contornar o mal estar outro aconselhou uma ciclista youtuber, Cris, que tem explicações claras. Ouviu em resposta que já tinha visto e continuou com cara fechada. A situação piorou quando lhe disseram que com aquelas pernas, muito fortes e trabalhadas, era impossível ter problemas no pedal.

Empacados somos todos em algum ponto de nossas vidas. "Todo mundo está errado, (só) eu estou estou certo" sempre fez parte da vida da humanidade, ninguém pode negar. É certo que as redes sociais elevaram estas posições radicais ao extremo. Elevaram ou expuseram o que sempre esteve ali? 

O perigo está nas verdades, certezas, que colam fácil. Algumas são profundamente destrutivas para o indivíduo e o coletivo. Não existe magica, existe aprendizado, trabalho, progresso, melhora, e sobre tudo o "só sei que nada sei". "Todo mundo está errado" pode até ser verdade, como a história provou em alguns casos. Na maioria dos casos é verdade trágica. Populações inteiras caem numa esparrela e afundam nela. Unidos perderemos, ou, "Todo mundo está errado e só nós estamos certos". Como reverter uma soberba verdade?

PS.: Este que vos escreve nunca achou que todos estão errados? Mas é claro... que sim. Vocês pedem exemplos, histórias, fatos? (rindo) Não me lembro. Melhor, não quero lembrar. A única coisa que posso dizer é que não raro olho no espelho e sinto vergonha das minhas cabeças duras. 
A maturidade me está fazendo questionar tudo. É uma apavorante delícia. 

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