... ter iniciativa ... empreender...
Afinal, o que é ser empreendedor? Quais as condições para ser um empreendedor, as condições pessoais digo, não as financeiras?
Empreender não é para qualquer um. Tem pessoas que empreendem naturalmente, nascem com o dom, e outras que são incapazes de empreender; é da natureza humana. Mas há um fator que faz muita diferença para que os empreendedores venham a tona: o ambiente em que vivem. Tem que ter uma cultura local que facilite e estimule para que as ações acabem resultando em algo positivo. Num país onde a burocracia é insana, onde são estabelecidas umas 800 novas normas comerciais por semana, que há 27 legislações estaduais, onde tem lei que cola e lei que não cola, onde o sistema tributário é irracional, onde os especialistas têm correr atrás para saber o que está valendo naquele exato momento, como o Brasil, o estímulo para empreender não é estimulante, mesmo assim o pessoal empreende. E a maioria se dá mal.
Ou seja, de novo, empreender não é para qualquer um.
A ideia de escrever sobre um tema que pouco sou afeito veio enquanto fazia a barba com a TV francesa transmitindo uma reportagem muito bem documentada sobre a imigração ilegal de africanos para a Europa, em particular para a França. Indo muito além da tragédia dos frequentes naufrágios, a reportagem para lá de consistente, com pesquisa, entrevistas, depoimentos e dados oficiais, olha a vida dos africanos já no continente europeu. Vale lembrar que a TV5 francesa tem repórteres espalhados pela África e diariamente notícia sobre a vida lá. Voltando a matéria; termina com a fala de um especialista sobre a questão afirmando "Eles (africanos) não têm capacidade de ter iniciativa", provavelmente se referindo às dificuldades enfrentadas pelos que já estão na Europa. Para que a afirmação dura não saísse do contexto, o programa termina com um africano falando que se ele soubesse o que sabe agora que conhece a cultura europeia não teria saído de seu país de origem; deixando a entender que teria seu próprio negócio, empreenderia, e teria sobrevivido na África.
Acontece só com os africanos? Definitivamente não.
Óbvio que um africano na Europa encontra dificuldades que vão muito além das que um empreendedor europeu tem. Não é raro encontrar árabes e orientais que têm seus negócios funcionando bem por lá.
O que a matéria da TV5 me deixou foi a pergunta o que é ter iniciativa? O que determina ser capaz ou não de ter iniciativa?
Boa parte da cultura africana foi secularmente transmitida por via oral, sem escrita, o que dificultou a capacidade de boa parte da África em acompanhar e fazer frente ao eurocentrismo que domina o mundo faz milênios, mesmo antes do colonialismo. É óbvio que houve empreendedores africanos, mas provavelmente nos termos desta transmissão oral, e tribal, imagino eu, assim como é óbvio que há modernos empreendedores africanos adaptados ao sistema que nos rege hoje.
Não precisa ir longe. A mesma coisa aconteceu até muito pouco tempo nos internos analfabetos deste Brasil. O analfabetismo anda de mãos dadas com a pobreza, vale para todo mundo e para o Brasil. O não letrado tem sérias dificuldades para ter iniciativas que sejam producentes, e falo aqui producentes para si próprio, não só as monetárias.
Vale ressaltar que nós brasileiros, temos inúmeros casos de analfabetos que empreenderam com grande sucesso, pelo menos no lado financeiro.
Fato é que a definição de empreendedorismo ainda hoje vem sofrendo uma transformação, uma revisão, pelo que noto perdendo a conotação restrita no financeiro.
Tenho plena consciência de minha ignorância e o que quero é nada mais que levantar uma poeira para pensar. O "...eles não têm capacidade de ter iniciativa..." é para se pensar
Fim de documentário, TV apagada, rua, fim de inverno, saí andando pelas calçadas parisienses do XVI arrondisement (bairro), no meio do pseudo socialismo empírico dos mantos azul marinho dos franceses (e de toda Europa), e me deu mais ainda o que pensar. Todos se vestem muito parecido, uma formalidade que os une em que? Sobrevivência, unidos pela sobrevivência individual sob a tutela coletiva, simples assim, não tenho duvidas. Unidos venceremos, e a história prova que venceram. O estar parecido é uma iniciativa atávica individual doutrinada na educação funcional coletiva. Uma sobrevivência aquecida pelas comodidades conquistadas, as mesmas do passado. A lógica do empreender fica muito mais fácil num caminho claro e pré estabelecido.
Os povos do hemisférico norte vivem meses de frio, o que obrigou em tempos remotos, segue e seguirá obrigando a uma mudança no comportamento social. Em condições muito adversas tem que ter iniciativa para sobreviver. Não dá para sair às ruas, tem ficar dentro de casa, família, é obrigado a pensar na sobrevivência, no como e o que produzir quando estiver no tempo de calor, nos contados a fazer, como funcionar, tudo para sobreviver ao novo frio que com certeza virá daqui uns meses. É um ciclo de vida climático muito bem estabelecido que força a estratégias de vida também muito bem estabelecidas e pensadas. Muito diferente de um eterno tempo quente, um clima que dá liberdade todo ano, todos anos, sempre.
Outro ponto é que as iniciativas do unidos venceremos está escrita letra por letra. É seguido, revisto, discutido, repensado, tudo escrito e reescrito letra por letra, em pontos uniformes e funcionais, até mesmo o empreendedorismo individual. Não é mais uma tradição oral, tribal ou local, deixou de ser a milênios.
O progresso ficou muito mais fácil quando se uniformizou pela escrita. Não estou sendo contra as tradições ancestrais, que são pouco conhecidas, estudas, respeitadas e aproveitadas, e que em vários casos são vistas como um perigo para iniciativas eurocentradas. Aliás, a bem dizer, estas tradições estão todas secularmente sendo colocadas no papel; até as mais remotas.
Nos países mais ricos não existe preocupação em ser diferente porque eles sabem lidar com as diferenças. As diferenças mudaram de patamar. Existe a obrigação de empreender para sobreviver, de ter iniciativas para seguir em frente. O sistema todo está montado em iniciativas, em novidades, das bobas, inúteis e perigosas, às efetivas.
Brasil é um dos países com maior índice de empreendedorismo, ao mesmo tempo é um dos mais altos, se não o mais alto índice de empresas que fecham logo após serem abertas. Pelo que me lembro em 2 anos fecha até 90%, uma loucura.
Outra questão que rema contra a boa maré é nosso individualismo igualitário. Há uma obrigação de sobrevivência social em ser diferente, cada um tem que exacerbar sua individualidade, reflexo de uma sociedade muito pobre e dividida em sua educação e cultura.
José Luiz Tejon em suas falas na Rádio Eldorado vive reforçando a importância do cooperativismo e onde as pessoas se juntam com um mesmo objetivo a coisa anda para frente, dá certo. Os números não mentem, estão aí para quem quiser ver. Eurocentrismo? Com certeza, é o que dá certo e num passado muito distante o que fez civilizações serem grandes, marcarem história.
O incrível é que temos ótimos exemplos de iniciativas, empreendedorismo. O Brasil é um país de uma riqueza raríssima no planeta, e mesmo assim não vamos para frente.
Mais interessante é que a maioria que viveu fora, nos países ricos, no hemisfério norte, volta para o Brasil (quando volta) com uma outra cabeça. Se pode dizer que repetem o que o africano entrevistado disse para a TV francesa: "Se eu soubesse..."
Enquanto isto não saímos do lamaçal.
substantivo masculino
ADMINISTRAÇÃO•MARKETING
- 1.disposição ou capacidade de idealizar, coordenar e realizar projetos, serviços, negócios.
- 2.inciativa de implementar novos negócios ou mudanças em empresas já existentes, ger. com alterações que envolvem inovação e riscos.
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