segunda-feira, 4 de março de 2019

O malandro goiaba e quem de fato faz

Malandro goiaba é uma expressão das antigas que se refere aqueles que com malandragem chumbrega acreditam que sempre se estão dando bem, saindo por cima, tirando vantagem, levando a melhor. Pela vida vi montes deste tipo e todos acabaram mal. Há uma pandemia no Brasil de malandros goiaba. Os espertos funcionais, o pior câncer de nosso tempo.

"Pode ficar tranquilo..."
Logo depois de terminada a reforma geral as pias da cozinha uma hora escorriam a água lentamente, outra entupiam de vez. Foi chamado o chefe de obra, que mexeu aqui e ali, e na hora o problema parecia resolvido. Ele se despedia sorridente com a eterna última fala: "Pode ficar tranquilo, não vai acontecer de novo". Lógico, acontecia. Farto do que parecia uma brincadeira de mau gosto o dono do apartamento comprou dois imensos desentupidores de ralo, meteu um em cada pia e os acionou com toda a força. "Ou vai, ou racha. Não aguento mais". Acionou uma vez e melhorou um pouco. Acionou a segunda, a terceira vez com mais força e raiva então saiu um pedaço enrolado de fita isolante.



A geladeira nem era velha. O freezer começou a ser inconstante, uma hora gelando bem, outra nem tanto. Foi chamado um técnico de firma respeitável que trocou o termostato. "Está resolvido". Mas o problema seguiu. Veio outro técnico da mesma firma respeitável e falou sobre problema com o gás, que deveria ter vazado, e que nada podia fazer. O jeito era trocar a geladeira. Como o problema era só no freezer, que tem porta separada, a geladeira foi dada e bem recebida pela empregada que levou-a para casa. "Está funcionando perfeitamente" avisou à patroa, "inclusive o congelador. Funciona tudo perfeito, uma maravilha". E chegou a nova geladeira, que hoje tem tomada do Lula de três pinos, um para o terra que não existe em 99,99% das residências. Para não colocar um adaptador, que é perigoso, foi trocada a tomada e ali se descobriu o defeito da velha geladeira: durante a reforma o eletricista (provavelmente o mesmo que usara a pia como lixeira para a fita isolante) que instalara a antiga tomada deixara pouco apertado o parafuso que prendia um dos fios elétricos, que com o vibrar da geladeira foi-se soltando.

Se for continuar dando exemplos de malandros goiaba conto a história do Brasil.

O contraste: 
O mordomo ficava quieto e impecável num canto da sala de jantar enquanto o banqueiro e seus amigos se reuniam nos frequentes almoços ou jantares. Sempre foi empregado exemplar sabendo o momento que devia servir, obedecer pedidos ou ordens, tomar providências ou recolher-se ao silêncio. E ficar atento a ouvir. A casa do banqueiro e sua família sempre foram muito bem cuidados por ele, mordomo, e sua mulher que mandava na cozinha. Ficaram lá por algumas décadas, tiveram filhos ali, todos sempre sorridentes e solícitos. O banqueiro morreu e os filhos pediram para que o mordomo e sua família continuassem lá para tomar conta da casa até esta que fosse colocada a venda. Quando toda a papelada do espólio ficou pronta e pregaram a placa de vende-se no muro o mordomo fez uma proposta como comprador. "Como assim? O mordomo? De onde ele tirou o dinheiro?" e os filhos foram saber o que acontecia. Chamaram o mordomo, que desceu de seu quarto sobre a garagem. "Eu servia e ouvia. Um dia um empregado da casa vizinha precisou de dinheiro e eu emprestei. Ele pagou tudo direitinho. E outros vieram pedir empréstimo. Era na confiança, sem papelada, juros mais barato que no banco. Aprendi a negociar ouvindo os banqueiros. Quando fiz um dinheirinho o pai de vocês me ajudou nas aplicações. Tá tudo documentado. Não fiz nada errado, não roubei nada. Meus filhos nasceram aqui, gosto do lugar e quero comprar a casa". Por puro orgulho a família não vendeu o casarão para o mordomo, que um pouco triste comprou o casarão vizinho de muro. E um pouco depois comprou um outro um pouco mais abaixo na mesma rua.
Questão de atitude e de entender a regra do jogo.

O direito de saber a realidade
Como fazer uma jovem de 20 e poucos anos educada, bonita, esforçada, de boa fé, vinda de um bairro quase periférico que tem um histórico de violência pesado, portanto transbordando de malandros goiaba, entender o que é esperteza imbecil funcional e o que é para valer. Difícil tarefa num país vivendo uma pandemia de malandros goiaba. 
Não importa o que ela vá fazer com a própria vida, mas ela tem o direito de saber como as coisas que dão certo realmente funcionam. Como cidadão mais velho tenho o dever de mostrar o caminho das pedras para as gerações mais novas, principalmente para aqueles que valem a pena, que podem ser boa semente. 

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