Fetiche, isto sim. No fundo da loja uma bicicleta recém lançada em um vermelho muito vivo, estranho, brilhante, entre o rosa e alaranjado, cor indescritível, mas de fetiche inevitável. Dou uns petelecos nos tubos de alumínio e o som oco e agudo mostram sua fineza de espessura e de qualidade. Bicicleta boa, sem dúvida. "Deve ser uma delícia pedalando". Não dá para testar, é destas tentações que nem com pedal vem. Não é tão leve assim, mesmo para uma MTB 29, 11.4 kg, mas é um bom peso pelo preço. Mas este vermelho misterioso, fetiche puro. Baba velhinho!
No mostruário acima está a bicicleta mais leve, 10. alguma coisa quilos. Em fibra de carbono. Preta. Linda. Sem charme, pelo menos sem charme tendo aquela vermelha logo embaixo. Não adianta, fetiche é fetiche. Não faz muito tempo lançaram uma 29 de tubos cilíndricos, tradicionais, sem trabalho hidroforme, básica, quadro tradicional minimalista, fora de moda, mas pintada em branco com grafismo azul claro e detalhes em preto, nome do fabricante destacado. Era uma pintura de grande mestre em museu. Tremi na base. "Para que você quer mais outra bicicleta? Fica quieto!" minha consciência falou definitiva e incisiva. Fiquei um tempo admirando minha tentação, fiz até um eufórico elogio sobre a beleza dela ao vendedor. Leva, disse ele vendo pelo meu sorriso que a bicicleta estava vendida. "É traição com as que tenho em casa" pensei sem conseguir controlar a expressão de tentação dos lábios. Sim! traição com as que tenho em casa. "As", não confesso aqui quantas, mas foram muitas. Ainda são, menos, mais racional, mas são. Gostaria de ainda estar com todas as que tive, todas. Sinto falta de algumas que se foram em especial. Sinto como se ainda estivesse sentado em seus selins, lombar relaxada, peito aberto, braço leve, cotovelo dobrado e mão segurando suavemente a manopla, dois dedos nos freios, olhar para frente, vento no rosto, frescor de alegria nos olhos. Consigo sentir o rodar, a resiliência de cada quadro, garfo, de cada material, em cada momento; a resposta nas curvas, o frear, o mudar de marcha, o levantar do selim, subir nas tamancas e acelerar para um sprint ou as pernas no fim de uma longa subida. Foram tantas bicicletas, todas amadas, mesmo as mais simplórias, até mesmo as irritantes em seus defeitos crônicos de baixa qualidade. Aprendi muito com todas. Não tive uma pela qual tenha broxado, não as minhas. Todas amadas. Algumas não as teria mais porque envelheci, meu corpo mudou e hoje sinto dor nas costas. É triste, mas é natural, o tempo passa. Se fosse só nas costas estaria ótimo. Mas ainda valem muito um dia de pedal e o teria, com certeza.
Onde estou passando uns dias tenho que subir três andares para a abrir a porta e entrar no apartamento. Quem não gostaria de ter uma bicicleta mais leve? Conforme a temperatura lá fora seria bom mais leve, muito mais leve, principalmente nos últimos degraus. Mas quem pode pagar?
Fetiche, isto sim! É possível que se pudesse pagar iria lá e voltaria para casa com a bicicleta do misterioso vermelho. A pretinha em fibra de carbono não me apaixona. Talvez pedalando, quem sabe. Um quilo mais pesada, mas linda, um tesão. Como diria o psicólogo Roberto Freire "sem tesão não há solução".
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