Uma
das grandes oportunidades perdidas em minha vida foi num 31 de
Dezembro de 2002 ou 2003 quando eu deveria descer para o Guarujá e
não fui porque o trânsito estava parado desde a avenida dos
Bandeirantes na altura da av. Santo Amaro. Demorei algo como uma hora
para conseguir sair da loucura e neste meio tempo liguei o rádio
para saber o que estava acontecendo. "O trânsito está parado
desde Santos e São Vicente e as autoridades estão pedindo que as
pessoas não venham para as rodovias (Anchieta e Imigrantes)..."
Fiquei sonhando que poderia descer pedalando fácil, fácil. Não fui
e me arrependo amargamente. Realizei parte do velho desejo quando
pedalei no último evento da Rota Márcia Prado. Foi das melhores
experiências de minha vida, mesmo assim faltava a velha Anchieta que
me deu tantas histórias de vida. E me avisaram que iria acontecer.
Nossa! É agora! E inscrição feita número 17658. E os inscritos
foram aumentando, aumentando, aumentando…
De
sexta-feira para sábado tive dificuldades para dormir tão excitado
que estava. Se tivesse 10 anos e tivesse ganhado uma passagem com
tudo incluso para ir à Disney provavelmente não teria ficado tão
excitado. De sábado para domingo consegui ficar mais tranquilo,
mas..., mas..., Pedal Anchieta 2018, Pedal Anchieta 2018, Pedal
Anchieta 2018... E acordei às 4:00 h como previsto, tomei café da
manha, peguei a bicicleta e rua! para encontrar o amigo Zé às 5:15
h; rápida parada num posto para um café e pipi e lá o pessoal
estava espantado com a quantidade absurda de ciclistas que passavam. “O que está acontecendo?”, perguntavam. E respondíamos
Pedal Anchieta!
Desde os primeiros metros foi tudo muito bem organizado. Meu primeiro medo, proximidade da saída com a Heliópolis, desapareceu imediatamente. Estúpida neurose social. O caminho entre a estação Metro Sacomã e o viaduto que dá início á Anchieta, ainda uma avenida, estava bem sinalizado, conificado e policiado. Muito ciclista chegando, uma faixa da avenida para os pedalantes falantes, felizes e tranquilos. Dois km de avenida depois a Anchieta em si, a estrada, a via expressa.
A
massa de ciclistas que foi aparecendo aos poucos, 30 mil, segundo
Polícia Militar, 35 até 40 mil segundo outros, foi bem menor do que
eu esperava (o dobro), mesmo assim encheu a pista expressa da
Anchieta. Foi no limite, um pouco mais ciclistas e iria ficar chato
ou até mesmo impossível.
Desde
os primeiros metros fiquei espantado com o baixíssimo número de
ciclistas sem plaquinha de inscrição e assim foi até Santos. Nunca
vi tão pouco pipoca (não inscrito) na minha vida, provavelmente
pela chuva do dia e noite anterior. Quando acordei estava um céu
maravilhoso, estrelado, com uma lua em sorriso de gato brilhando e
pensei “Que benção! Vai ser um dia maravilhoso”, e foi.
Bem
no comecinho passei por uma menina que literalmente não sabia
pedalar, ou seja, não conseguia sequer colocar a bicicleta em
movimento. Os amigos em volta a estimulavam a seguir tentando.
Absurdo, insanidade! Espero que ela tenha tido uma luz de consciência
e tenha desistido. A quantidade de ciclistas que sem ideia do que é
uma bicicleta não me foi surpresa, já que tenho medo de sair
pedalando na ciclofaixa de domingo, por exemplo. Reconheço que o
pessoal está pegando o jeito, que está melhorando o pedal, mas se
faz urgente ter campanhas para aprimorá-los. Segurança no trânsito,
meu caro!
Fiquei
impressionado como tem gente que não sabe como sair do pelotão e
como parar corretamente no acostamento para não atrapalhar os
outros. Eu amo as mulheres, sou um mulherengo convicto, não tenho a
mais remota dúvida que elas são muito mais seguras no trânsito que
os homens, mas neste passeio elas deram show de barbeiragem. Ou
talvez tenha sido comigo a coisa; espero que sim. “Eu vou parar
ali” e viravam sem olhar para trás de montão. Com bicicleta
errada outro montão. Pedalando com selim baixo então! Na altura de
São Bernardo do Campo uma menina forte, coisa de academia ou talvez
até professora de spining de tão forte e definida, pedalava uma
bicicleta bem pequena para seu porte e ainda com selim baixo, mas ia
com tanta força e tranquilidade que deve ter chegado ao final
girando a uns 100 por minuto os pedais com a mesma carinha “olha
como eu sou linda”. Das que pedalavam errado muitas no ABC estavam
com cara de “eu vou morrer”. E lá em Santos, numa conversa com
um pessoal que tinha descido, homens e mulheres, falavam da loira
linda de morrer com macacão rosa e amarelo grudado ao impecável
corpo alto e bem definido. Esta não vi. Na serra uma senhora nissei
descia a 2 km\h torrando as pastilhas do disco que já gritava mais
que os macacos da mata. Todas chegaram lá. A descida da Anchieta é
muito mais fácil, muito mais leve, que eu imaginava. É uma baba, dá
para qualquer iniciante, mulher ou homem.
A
estrada entupiu algumas vezes. Três para e anda. Costumo encarar
numa boa, mas minha ansiedade ficou de saco cheio. Fiz o passeio em
exatas cinco horas, mas poderia ter feito em umas três e meia fácil,
passeando, amando a paisagem. Pelo menos meia hora de para e anda em
cada entupimento de ciclistas na Anchieta. Para mim foi o ponto chato
do dia. É lógico que numa destas paradas veio um homem de meia
idade clipado em sua bicicleta de estrada, passou por mim, parou e
não conseguiu soltar do pedal. Caiu feito um poste. “Ai meu saco!
Vai dar atendimento. Se quebrou”, mas não, envergonhado desclipou
no asfalto e levantou-se resmungando estar bem. Eu quis dar o velho
conselho de minha família “Velho não se mete a besta”, mas a
sabedoria de maus cabelos brancos decidiu ficar quieto.
E
chegamos à fábrica da Volkswagem, um dos marcos do Brasil moderno.
Um pouco mais a frente, antes de chegar à represa, mais ou menos na
altura do acesso ao Rodoanel, é um conhecido local de assalto a
ciclistas. Dias antes do passeio havia preocupação com assaltos e
até mesmo com possível arrastão, mas no meio daquela massa não
acredito em tamanha ousadia. Aconteceu na Rota Márcia Prado, lá no
fim da estrada de manutenção, dai o temor, mas numa Anchieta
completamente abarrotada? Não!
Enquanto
cruzávamos a ponte sobre a represa Billings num anda e para
infernal, mas ótimo para apreciar a linda vista, passava no
acostamento do outro lado da pista montarias, inclusive com algumas
crianças. Como deve ser descer, ou subir, a cavalo para Santos? Não
monto, não tenho jeito, mas tenho inveja deles e gostaria de fazer a
aventura. Quem sabe um dia criem uma trilha para eles. A tropa de Dom
Pedro I fazia montado em mulas, não cavalos. O famoso quadro doi
grito da Independência ou Morte de Pedro Américo é uma fantasia e
como tal uma mentira. Mulas, não cavalos.
Foi
nesta ponte que passamos da pista expressa para a pista de subida da
Anchieta, e lá ficamos até a baixada, descendo a serra pela subida.
É o pedaço mais lindo do passeio. Lindo é pouco, maravilhoso. Mata
atlântica dos dois lados… E até o início da descida da serra
pedal livre e solto. Na boca da descida da serra outra parada, esta
mais breve, mas não menos chata.
E a
descida. Agora, depois de uns dias e pensando bem, tendo visto alguns
vídeos, a descida foi tranquila. Óbvio que tiveram os imbecis de
praxe, mas mesmo estes foram menos imbecis que de costume. Nos pontos
onde a vista se abre muita gente parou para apreciar e tirar selfie,
e quem vinha descendo rápido gritava “parou! parou! parou!” de
maneira muito mais organizado que eu esperava, mostrando que o monte
de grupos de passeio que estão por ai estão fazendo um bom trabalho
de educação. Eu não vi acidentes, mas passaram por mim dois
socorros, um ainda lá em cima vindo na contramão com muito cuidado
e todas luzes e sirenes ligadas e o outro no meio da serra para
atender um dos tombos graves do passeio. Nesta ficamos parados bem
uma meia hora. No fim da serra, no bairro cota, uma viatura da Rota
dava segurança aos ciclistas. O local é conhecido pelos arrastões
quando o trânsito para. A segurança em todo trajeto do passeio foi
muito boa. Não ouvi uma história sobre assalto ou outra violência
qualquer.
E
felizmente acabou a descida da serra. Não tenho qualquer problema
com descidas, mas prefiro subir. Ainda espero um dia subir a Serra do
Mar; vamos ver se o velhinho aguenta.
Lá
em cima já sabia que na baixada pegaria vento de frente. Estava
ventando, mas mais leve do que esperava. Pedalar contra o vento é
cansativo, para muitos deve ter sido o vento de misericórdia. Acabou
a serra dá a sensação que já acabou, mas não é bem assim, tem
ainda uma boa pedalada. O morro com as casinhas vai crescendo,
crescendo, até chegar no arco em forma de peixe que dá boas vindas
aos visitantes de Santos. Mas ainda tem pedal até chegar na
rodoviária e no Valongo, o final oficial do Pedal Anchieta 2018, que
nem passei perto. Cruzei o túnel, fui para o Gonzaga e aí sim
estava em minha Santos da minha infância. Prazer cumprido!
Entrei
na Anchieta exatamente às 7:00 h e cheguei em Santos 12;00 h
cravados, seco, só respingado por uma leve e rápida garoa no meio
da serra. Por muita sorte no exato momento que entrei no restaurante
o mundo caiu. O pessoal do meio para o fundão do passeio tomou sopa
de tempestade. Felizes e ensopados.
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