quinta-feira, 16 de agosto de 2018

recordações com Paul MacCartney Carpool Karaoke

Quando Paul MacCartney veio pela primeira vez a São Paulo conversei com Renata, "Vamos levar o Paul para pedalar?" Não conseguimos, mas ele pedalou por aqui. Que oportunidade perdida! E aí aparece este vídeo do Carpool trazendo um monte de recordações...

Se tiver que fazer uma relação entre os Beatles e a bicicleta volto aos meus 14 anos passando férias no Guarujá na pequena e charmosa casa dos Falzoni com Renata, Roberto e Ricardo, de vez em quando outros primos, Calico e Roberto em especial. Naquele 1969 Abbey Road tocou na pequena vitrola mono as férias todas, não sei como Yeda, santa mãe, aguentou. Parava quando íamos à praia ou quando saíamos a pé ou em bicicleta. Tínhamos a disposição três bicicletas Caloi Fiorentina, duas aro 26 e uma 24, se não me falha a memória.
Aquela foi uma semana feia, com dias de chuva contínua, céu cinza, enfurnados em casa, lendo e ouvindo música, pela manhã indo à praia para ficar desapontados com o mar furioso em ressaca. Choveu forte toda a manhã e o sol voltou com tudo ardente num céu azul límpido que abriu rápido no meio da tarde. Felizes desligamos a vitrola, guardamos o disco na capa, pegamos as bicicletas no fundo do terreno, eu e Renata. O sol de tão forte já fazia com que um leve vapor começasse a subir do asfalto molhado. Dobramos a esquina, entramos na avenida e subimos na calçada da praia pedalando forte rumo ao centro para tomar um sorvete na Caramba. A calçada levantada pelas raízes das árvores, figueiras-de-jardim, foram rampas para pulos de felicidade com as bicicletas. Pulei a primeira, pulei a segunda, meu pé escorregou do pedal, cai no selim que cedeu e dei forte com o saco no tubo superior. Tentei controlar a direção (e a dor) mas a roda passou sobre uma folha podre e molhada, escorregou, e direcionou a bicicleta para o meio do tronco da árvore seguinte. Pés escorregando no cimento molhado e cheio de folhas podres e parei no meu saco contra tronco e guidão. Caí em dor, retorcido, coloquei a mão nas bolas meio tonto e gemendo. Olho para cima, para os céus, e aparece Renata chorando de rir, tanto que também desandei a gargalhar entre os urros de dor. E foi assim que perdi a capacidade de ter filhos, felicidade para minhas namoradas que nunca engravidaram.
Yeda, santa Yeda, e foi assim que no dia seguinte Yeda devolveu o santinho para minha mãe na balsa Santos - Guarujá. O short não conseguia esconder o saco preto do tamanho de uma bola de futebol de salão, doloroso e vergonhosamente pendurado sob o fino tecido. O andar lento com pernas abertas só piorava minha vergonha. Até os peixes do canal olhavam. Confesso que até hoje não consigo entender como consegui entrar nos carros. O fim daquelas férias me lembro bem; em Santos e com outros primos indo ao quarto para rir. Nem a vitrola tinha.

Esta entrevista com Paul MacCartney para o Carpool Karaoke toca na alma, não só pelas histórias dos Beatles, mas pelas recordações que traz. Lembro de minha irmã ainda menina ouvindo o disco "A hard day's ninght" no último volume junto com Celinha e Regina num final de tarde de um céu azul mágico e uma temperatura agradabilíssima, provavelmente primavera. A vitrola ficava perto da porta de entrada da casa, que estava escancarada, e fiquei sentado nos degraus do pequeno terraço ouvindo as músicas com as três cantando e esboçando dança. 
Paul fala na entrevista sobre detalhes de várias canções.  Let it be, ligado a um sonho de MacCartney com a mãe, me remete a minha adolescência e uma Buenos Aires que andei, andei, andei por todas as partes simplesmente olhando a cidade e a vida dos porteños. Quando voltava para o apartamento de meu avô Arturo Raul ouvia o então recém lançado álbum branco dos Beatles de meu tio Zé Maria. Podia acompanhar as músicas com um livro ilustrado com as letras, mágico livro que nunca mais vi igual. A sonoridade das composições do álbum branco era nova, num tom especial, desafiadoras. Incrível, mas não me dei conta de Helter Skelter, provavelmente a música mais forte do álbum duplo. Talvez não esteja errado em dizer que foi um prenúncio do barulho punk que surgiria anos depois. Minha bisavó Mamita Elena dizia que ouvir aquelas músicas, mesmo a suave Black bird, durante as refeições fazia mal a saúde e mandava desligar a vitrola. Era uma Argentina fortemente ligada à Igreja e avessa a mudanças.
Ver Paul dobrar a esquina no Carpool Karaoke e falar sobre a Penny Lane me jogou direto aos domingos chuvosos que ficávamos todos, eu e os Falzoni, na sala de TV de Yeda ouvindo Sargent Pepers e Magic Mistery Tour, então desconhecido no Brasil. I'm the Walrus foi o trampolim musical para minha adolescência. Ainda hoje a ouço com raro prazer e emoção. Foi naquelas tardes frias e chuvosas que descobri a obra alucinadamente maravilhosa de Dali, o que dava mais força ao Walrus e Strawberry Fields Forever. Sempre aparecia a portuguesinha com uma grande tigela de pipoca quente e cheirosa. Tardes inesquecíveis. 
Tive a felicidade de poder ouvir não só Beatles, mas a maioria dos discos em aparelhos de som de ótima qualidade. Som de qualidade é outra história, outro universo, outra emoção, outra educação para o espírito. Eu próprio tive um Heico, um amplificador valvulado americano de baixa potência, mas grande precisão, que me foi dado por meu pai junto com caixas acústicas em madeira compensada que respondiam com perfeição aos graves, médios e agudos. E os discos eram LP, bolachas, tocados em uma ótima agulha. Cada detalhe saía das caixas e era apreciado com respeito. Quase enlouqueci meu irmão, vizinho de quarto; e todo edifício (a quem peço desculpas cada vez que passo na porta). 

Acredito que tenha sido o primeiro brasileiro a ouvir Taxman, do Revolver. O disco acabara de sair em Londres e Rodrigo, primo de meu pai, trouxe os primeiros imediatamente depois do lançamento para serem tocados numa rede de rádios espalhada pelo Brasil. Meu pai foi pega-lo no aeroporto e passou a mão num deles para minha irmã Dinorah,  Beatle maniaca. Chegou bem cedo em casa naquela manhã de névoa cerrada, abriu o móvel, colocou o disco num volume bem alto e me disse "Quero ver em quanto tempo sua irmã acorda". No meio da música estava ela e Celinha descem correndo escada e aos berros "O que é isto?" pulavam no meio da sala. 

Quando Paul MacCartney veio pela primeira vez a São Paulo conversei com Renata, "Vamos levar o Paul para pedalar?" Não conseguimos, mas ele pedalou por aqui. Que oportunidade perdida! E aí aparece este vídeo do Carpool trazendo um monte de recordações...

Se tiver que fazer uma relação entre os Beatles e a bicicleta volto aos meus 14 anos passando férias no Guarujá na pequena e charmosa casa dos Falzoni com Renata, Roberto e Ricardo, de vez em quando outros primos, Calico e Roberto em especial. Naquele 1969 Abbey Road tocou na pequena vitrola mono as férias todas, não sei como Yeda, santa mãe, aguentou. Parava quando íamos à praia ou quando saíamos a pé ou em bicicleta. Tínhamos a disposição três bicicletas Caloi Fiorentina, duas aro 26 e uma 24, se não me falha a memória.
Aquela foi uma semana feia, com dias de chuva contínua, céu cinza, enfurnados em casa, lendo e ouvindo música, pela manhã indo à praia para ficar desapontados com o mar furioso em ressaca. Choveu forte toda a manhã e o sol voltou com tudo ardente num céu azul límpido que abriu rápido no meio da tarde. Felizes desligamos a vitrola, guardamos o disco na capa, pegamos as bicicletas no fundo do terreno, eu e Renata. O sol de tão forte já fazia com que um leve vapor começasse a subir do asfalto molhado. Dobramos a esquina, entramos na avenida e subimos na calçada da praia pedalando forte rumo ao centro para tomar um sorvete na Caramba. A calçada levantada pelas raízes das árvores, figueiras-de-jardim, foram rampas para pulos de felicidade com as bicicletas. Pulei a primeira, pulei a segunda, meu pé escorregou do pedal, cai no selim que cedeu e dei forte com o saco no tubo superior. Tentei controlar a direção (e a dor) mas a roda passou sobre uma folha podre e molhada, escorregou, e direcionou a bicicleta para o meio do tronco da árvore seguinte. Pés escorregando no cimento molhado e cheio de folhas podres e parei no meu saco contra tronco e guidão. Caí em dor, retorcido, coloquei a mão nas bolas meio tonto e gemendo. Olho para cima, para os céus, e aparece Renata chorando de rir, tanto que também desandei a gargalhar entre os urros de dor. E foi assim que perdi a capacidade de ter filhos, felicidade para minhas namoradas que nunca engravidaram.
Yeda, santa Yeda, e foi assim que no dia seguinte Yeda devolveu o santinho para minha mãe na balsa Santos - Guarujá. O short não conseguia esconder o saco preto do tamanho de uma bola de futebol de salão, doloroso e vergonhosamente pendurado sob o fino tecido. O andar lento com pernas abertas só piorava minha vergonha. Até os peixes do canal olhavam. Confesso que até hoje não consigo entender como consegui entrar nos carros. O fim daquelas férias me lembro bem; em Santos e com outros primos indo ao quarto para rir. Nem a vitrola tinha.

Esta entrevista com Paul MacCartney para o Carpool Karaoke toca na alma, não só pelas histórias dos Beatles, mas pelas recordações que traz. Lembro de minha irmã ainda menina ouvindo o disco "A hard day's ninght" no último volume junto com Celinha e Regina num final de tarde de um céu azul mágico e uma temperatura agradabilíssima, provavelmente primavera. A vitrola ficava perto da porta de entrada da casa, que estava escancarada, e fiquei sentado nos degraus do pequeno terraço ouvindo as músicas com as três cantando e esboçando dança. 
Paul fala na entrevista sobre detalhes de várias canções.  Let it be, ligado a um sonho de MacCartney com a mãe, me remete a minha adolescência e uma Buenos Aires que andei, andei, andei por todas as partes simplesmente olhando a cidade e a vida dos porteños. Quando voltava para o apartamento de meu avô Arturo Raul ouvia o então recém lançado álbum branco dos Beatles de meu tio Zé Maria. Podia acompanhar as músicas com um livro ilustrado com as letras, mágico livro que nunca mais vi igual. A sonoridade das composições do álbum branco era nova, num tom especial, desafiadoras. Incrível, mas não me dei conta de Helter Skelter, provavelmente a música mais forte do álbum duplo. Talvez não esteja errado em dizer que foi um prenúncio do barulho punk que surgiria anos depois. Minha bisavó Mamita Elena dizia que ouvir aquelas músicas, mesmo a suave Black bird, durante as refeições fazia mal a saúde e mandava desligar a vitrola. Era uma Argentina fortemente ligada à Igreja e avessa a mudanças.
Ver Paul dobrar a esquina no Carpool Karaoke e falar sobre a Penny Lane me jogou direto aos domingos chuvosos que ficávamos todos, eu e os Falzoni, na sala de TV de Yeda ouvindo Sargent Pepers e Magic Mistery Tour, então desconhecido no Brasil. I'm the Walrus foi o trampolim musical para minha adolescência. Ainda hoje a ouço com raro prazer e emoção. Foi naquelas tardes frias e chuvosas que descobri a obra alucinadamente maravilhosa de Dali, o que dava mais força ao Walrus e Strawberry Fields Forever. Sempre aparecia a portuguesinha com uma grande tigela de pipoca quente e cheirosa. Tardes inesquecíveis. 
Tive a felicidade de poder ouvir não só Beatles, mas a maioria dos discos em aparelhos de som de ótima qualidade. Som de qualidade é outra história, outro universo, outra emoção, outra educação para o espírito. Eu próprio tive um Heico, um amplificador valvulado americano de baixa potência, mas grande precisão, que me foi dado por meu pai junto com caixas acústicas em madeira compensada que respondiam com perfeição aos graves, médios e agudos. E os discos eram LP, bolachas, tocados em uma ótima agulha. Cada detalhe saía das caixas e era apreciado com respeito. Quase enlouqueci meu irmão, vizinho de quarto; e todo edifício (a quem peço desculpas cada vez que passo na porta). 
Acredito que tenha sido o primeiro brasileiro a ouvir Taxman, do Revolver. O disco acabara de sair em Londres e Rodrigo, primo de meu pai, trouxe os primeiros imediatamente depois do lançamento para serem tocados numa rede de rádios espalhada pelo Brasil. Meu pai foi pega-lo no aeroporto e passou a mão num deles para minha irmã Dinorah,  Beatle maniaca. Chegou bem cedo em casa naquela manhã de névoa cerrada, abriu o móvel, colocou o disco num volume bem alto e me disse "Quero ver em quanto tempo sua irmã acorda". No meio da música estava ela e Celinha descem correndo escada e aos berros "O que é isto?" pulavam no meio da sala. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário