Á quantidade de motos em Como impressiona. A pequena cidade turística está muito próxima de Milano e de lá vem boa parte de motos grandes de todos tipos para encher de barulho avenidas e estradinhas que circundam o lago. O asfalto é um tapete, as vias estreitas e muito bem sinalizadas, a paisagem maravilhosa, o trânsito carregado, sempre um pouco mais rápido que o limite de velocidade permitido. Para os motociclistas o respeito é pela emoção e a regra é chamar a atenção. Aceleram forte e passam correndo por pedestres, ciclistas e carros, para logo a frente diminuir. Ainda se ouve o barulho alto e agudo de motos de dois tempos, que não são poucas e deixam o cheiro característico de óleo queimado no ar. Não sei como ainda são permitidas.
A poucos quilômetros está Cernobbio, um vilarejo que tem como centro uma maravilhosa praça com o atracadouro de barcos de transporte, alguns restaurantes simpáticos com mesas ao sol e dois hotéis de luxo, um deles com restaurante. A torre da igreja se vê logo a direita de um dos hotéis. No fundo de Cernobbio há um hotel de 5 estrelas impressionante, e ali começa a estreita estradinha que vai serpenteando o lago pela esquerda e passando por cima das muitas casas construídas na encosta. Favela de luxo. Remete ao Rio de Janeiro e a uma inversão de valores. De noite todas as luzes são iguais, estrelinhas encrustadas na encosta; de dia... Obviamente em Como não se ouvem tiros de fúsil. Lembrei imediatamente de Miguel, homem vivenciado, que diz que para resolver a questão das favelas é necessário dar o título de posse para todos. Se os favelados vissem o que acontece no Lago de Como se dariam conta da riqueza que tem. Provavelmente já o intuem, mas não conseguem dimensionar as possibilidades que tem.
Fiz um pequeno trecho da estreita estrada a noite e em carro, e no dia seguinte o repeti pedalando. Impossível não parar em todas vistas abertas e não ficar babando com a beleza. De carro se pode parar em uns poucos pontos, de bicicleta para-se onde quiser. Incontáveis são os ciclistas de estrada pedalando bicicletas caras. Fibra de carbono é mato. Eu aluguei uma híbrida feminina de 7 marchas que rodava bem e morri de inveja do pessoal pedalando bicicleta de estrada naquele asfalto liso e impecável. Não fui mais longe por que o canote de selim era muito curto.
Acabei saindo da estrada e descendo para voltar pela rua que serve as casas e umas poucas vilas, discretos e ricos palacetes, que ficam na encosta abaixo da estrada. Uma destas vilas é de George Clooney, que a população local conta com orgulho que pode ser visto passeando em sua Harley Davidson. Pelo caminho alguns bares e restaurantes com vista para o lago, seus barcos e as casas na encosta verde da outra margem estavam. Praticamente não há diferença de preço entre restaurantes simples e sofisticados. Explorar turista é burrice. Em alguns pontos a rua é tão estreita que é necessário parar para que o carro que vem passe. A volta é rápida para os ciclistas, quase toda em descida. Pena, a vista passa rápida.
Na década de 70, quando estavam começando os planos para a construção da BR 101 cortando os morros da mata Atlântica do litoral norte de São Paulo e sul do do Rio de Janeiro, houve um discreto movimento para frear a construção da estrada e evitar a devastação da beleza local. Do projeto original sobraram poucas coisas, como uma ponte no meio do nada nos fundos de Barra do Una.
A ideia era ter uma estrada turística, estreita, sinuosa e inserida num projeto de crescimento ordenado da região, um dos locais mais lindos do Brasil, algo muito parecido com o que se tem em praticamente toda Europa. A estradinha virou um avenidão, uma baderna nos fins de semana prolongados e uma boa definição de caos no ano novo quando Caraguatatuba, cidade de 70.000 habitantes, recebe o fluxo de 1 milhão de carros. Pelo litoral norte se construiu desordenadamente, sem um mínimo de bom senso, deu-se aval para todo tipo de diversão, alguns de qualidade para lá de duvidosa, sem qualquer regra ou contrapartida. Muitas das baladas, algumas 24 horas, têm sonorização tão alta que não dá para dormir a quilômetros de distância, como acontece em Maresias, por exemplo. Nenhuma praia tem tratamento de esgoto, e na alta temporada falta água, é difícil conseguir comida, entrar no supermercado, padaria, além dos assaltos que correm solto. O valor agregado deste turismo se há é muito baixo, um empobrecimento que não interessa a ninguém, muito menos aos pobres. Não se aprendeu absolutamente nada com o processo de degradação brutal sofrido pelo Guarujá, que um dia foi chamada de "Pérola do Atlântico".
Uns franceses perguntaram quanto o Brasil tira com o turismo. Não sei se tive vergonha ou raiva de responder.
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