Como é bom viajar para rever a família. A ansiedade de chegar lá, ter a porta aberta, tomar um forte abraço e um longo beijo saudoso, ser delicadamente empurrada para dentro da casa, ouvir o foi bem de viagem, finalmente ter as malas num quarto, olhar a cama e...
- Cuidado com os brinquedos espalhados... e a porta se abre.
Depois de muitas horas de viagem tudo que se quer é um minuto de paz, que importam os brinquedos espalhados? Para meu espanto, apresentados quarto, banheiro, cozinha tudo que você precisa para uma estadia aconchegante, feliz e relaxante... Os brinquedos no chão foram o aperitivo para nossa "aconchegante" estadia. (Deus meu!) Caos geral, mas controlado, que se diga.
De qualquer forma tudo acaba no inevitável pedido "Vamos sentar na sala para você me contar as novidades". Não pense numa resposta "posso ir ao banheiro antes?" porque as mesmas mãos gentis e delicadas que te encaminharam para a acolhedora casa dos filhos, brinquedos espalhados, panelas, pratos, garfos, facas, garfos e resto de comida na pia, toalhas, escovas de dentes, mais brinquedos para o banho, tudo meio fora do lugar, e a casa dos netos, sim os netos..., a casa dos netos... então, as mesmas gentis mãos vão te empurrar para o sofá. Hora da fofoca. Não sonhe com "posso tomar uma água" que as fofocas da família são prioridade, urgência urgentíssima.
E de um misterioso quarto até então fechado sai o neto adolescente que não se vê faz ano. Ele, a distância e com fones de ouvido, olha para você diz um "oi" inexpressivo e segue caminho para pegar um saco de batatinhas fritas na cozinha, meia volta e de novo passa pela sala. Como manda o protocolo a mãe dá uma bronca, pergunta se o guri não vai cumprimentar os avos, o guri olha mais uma vez e descarrega outro inexpressivo "oi" antes de fechar a porta do quarto e sumir nas catacumbas da rede social. Educadamente se deve dizer alguma coisa como "nossa, como cresceu, está lindo", mas o queixo caído não permite. Ainda não é o momento de insinuar qualquer coisa para nem mãe nem adolescente, a bem da verdade nem nunca será ou haverá o momento de dizer uma palavra sequer ou corre-se o risco de piorar. Pelo menos o "oi" abre as portas para o que nos esperam, nós, os visitantes, nestes próximos "quantos dias mesmo?". Está ai a oportunidade de passar lá no fundo da consciência o primeiro "que saudades de casa", mas não ouse. E a inevitável fofoca segue em frente.
Chega o segundo neto da escola, caloroso se pendura no pescoço dá beijos e sorridente senta no colo da recém chegada. "Está pesadinho" e nem a dica faz com que os pais peçam ao pimpelho para ir brincar. Em vez disto vem do colo dolorido um choramingoso "eu quero (eu adoro este eu quero) comer burguer com batatas fritas" do pimpelho que das pernas adormecidas não sai. Que delícia ser avó.
- Meu amor, não tem burguer.
- Eu quero burguer, repete impositivo pronto a armar mais que um bico, mas uma sirene de incêndio, polícia e SAMU todas juntas num grito só.
- Você (eu, recém chegada) quer ir até o supermercado? É logo ali; vem o convite. Mas será um convite?
Para tirar este peso pimpelho de minhas pernas não só vou como pago com prazer - penso e respondo sorridente - Vamos.
Já na rua, num frio desgraçado, a mãe pergunta - Qual supermercado você quer ir? Não posso responder não, conheço esta cidade, não faço ideia dos supermercados por aqui, estou cansada e gostaria, sim, gostaria, de não ir muito longe, mas antes que pense uma saída polida para verbalizar e como manda os bons modos de quem acaba de chegar de uma viagem de quase 24 horas e está na casa dos filhos e netos, diga-se dela, respondo sorridente
- O que você quiser.
Resposta errada.
- Então vamos num que fica um pouco mais longe, mas é melhor.
Toca a caminhar. Não chega nunca. Óbvio que pago eu.
Terminado o jantar a mesa fica posta. Não, mais exatamente, a mesa fica do jeito que está, do que deixaram depois de engolirem o que tinha pela frente, com prato ou sem, adolescente no celular garfo na outra mão sem nenhuma repreensão, guardanapos espalhados, limpos, sujos ou retorcidos, migalhas, geleias, catchup, mostarda pintando a mesa... Como boa chefe de família me levanto e recolho tudo e levo até a cozinha. Onde por? Meu Deus! que baderna. Se a mesa do jantar ficou como estava, a cozinha ficou do jeito que ficou depois de sabe quando. Pelo menos a esponja é nova. Alegria de pobre, melhor, de trouxa.
Escovar os dentes, ligar o chuveiro, tomar um banho quente, pijama e cama. Banheiro de criança e de adolescente? O primeiro pipi depois do aeroporto na aconchegante casa dos filhos e netos lembro de tão desejado (o pipi), mas o estado do banheiro nem reparei. Entre mijar-se nas calças ou olhar o que está em volta qual seria a opção? Que importa, banho e da cama.
- Filha, o chuveiro não está esquentando, qual é o segredo?
De trás da porta vem um urro.
- Eu disse para você não demorar no chuveiro, grita o pai para o adolescente esmurrando a porta da catacumba.
E ouço o complemento da filha:
- Dá para tomar morno? Teu neto gastou toda água... e mais baixo ouço ... de novo.
É uma delícia acordar todo dia com a pia da cozinha cheia de panelas, vocês não fazem ideia. Não adianta dar um tapa antes de dormir para que a família reunida, reunida?, tome café da manhã junta. O adolescente come pipoca ou burguer de madrugada. A frigideira amanhece de ponta cabeça no escorredor... sem lavar.
- Ele está em fase de crescimento... solta a mãe.
Falar o que?
E baixinho ouço - (O adolescente) ... fica toda noite no celular precisa se alimentar; e mais baixinho ainda a filha segue - obviamente não acorda para escola.
- Acorda, sai desta cama. Acorda, não vai perder a aula de novo, acorda! urra a mãe sem também tirar os olhos da telinha do celular.
Vez em quando fujo para o jardim. Está no CLT das empregadas domésticas. Fim de inverno e muitas plantas necessitando poda. Fazer o jardim vai ajudar. Volto para dentro de casa, abro armários e procuro tesoura de poda. Não tem, óbvio. Saio para a rua e vou atrás de uma. Caminhando no frio da manhã me pergunto como será a vida de morador de rua. Não sei porque sinto certa inveja.
Estas foram minhas férias como empregada doméstica de minha amada família. É bem verdade que deveria ter ficado duas semanas corridas lá e que menti razões diversas até para fugir no meio da tarde para o hotel vizinho. Nos primeiros dias sorrindo tentei me refugiar no divino terraço com ampla vista, mas só pude fazê-lo uns dias depois quando terminei de lavar as cadeiras.
Contam se os dias. Home sweet home.
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