sexta-feira, 24 de março de 2023

Limites de um quarto de hospedagem

Conseguir um lugar para ficar em Paris é difícil e caro. Como dinheiro não é mato acabei optando por um RB&B com bom preço na localização que precisava. A experiência foi ruim, bem ruim, começando pela entrada do edifício até a porta do pequeno apartamento alugado. Na abertura da porta todas minhas esperanças evaporaram se.
A foto mente
O quarto é muito menor do que parece nas fotos. Para chegar a ele passei por três portas, em cada uma delas meu desagrado foi aumentando. Sexto andar, tive que pegar o menor elevador que já vi na vida, para uma pessoa magra e uma mala apertados, e dar num corredor escuro, não muito longo, cheio de portas, desagradável. Lembrei dos apavorantes corredores infinitos dos hotéis imensos dos Estados Unidos, mas este de Paris com tons de filme de terror, sensação chata.
Sentado na cama, que não era cama, mas um pequeno sofá cama, comecei a sentir "aqui não dá" e saí imediatamente para buscar um hotel para dormir. Já viajei um bocado, já fiquei em uns mocós estranhos, sou de rir das situações mais estranhas, mas ali não me senti bem, repulsa instantânea. Tudo lotado. Consegui um quarto para os dias seguintes. De volta ao quartinho. Ok, pelo menos o banho foi bom, mas meus pés não couberam na cama, o edredom era um forno, o quarto relativamente frio, consegui pegar no sono para pouco depois acordar encharcado de suor. Tive que vestir toda minha roupa e suéter e deitar sobre o edredom para conseguir dormir. Noite horrível. Nem a cortina fechava bem a janela.
No dia seguinte acordei cansado. Sentei na cama e fiquei olhando em volta. Provavelmente este quartinho no passado deve ter sido quarto de empregado ou empregados. Para eles acessarem o quarto subiam por uma incomoda escada de madeira os seis andares. Duvido que existisse a segunda pequena janela no quarto ou as clarabóias do corredor. Com certeza não tinham banheiro privativo, provavelmente uma pia e só. Toca no pinico ou balde. Como o quarto está no telhado no inverno devia ser um gelo e no verão um forno. Aquecimento? Claro que não. Subir as aquelas escadas...
Mesmo sendo um quarto cheio de pequenos detalhes mal cuidados como está seria, ou melhor, é um luxo para grande parte da população pobre daqui. Provavelmente como no Brasil deve haver famílias que dariam a vida para ter este micro espaço. Sentado na pequena cama, sofá cama vagabundo ouvi do apartamento vizinho, igual ao que estava, um casal conversando com uma criança pequena, pela voz uns 5 anos. Quantos viriam felizes num espaço destes com escada e tudo?

Já fiquei e dormi em alguns quartos de hotel ou pensão um tanto peculiares, alguns bem simples, até pobrezinhos, mas nunca senti nada igual. Por coincidência o mais estranho de todos foi exatamente aqui em Paris na minha primeira estadia. O quartinho mínimo num canto do andar poderia ter servido de cenário para filme de Segunda Guerra Mundial, uma pequena cama velha encostada na parede de pintura descascada, uma mal cuidada janela de madeira, uma pequena comoda-armário e um gancho para pendurar o casaco atrás da porta que mal fechava. O hotel estava em reforma, meu quarto seria o último a ser reformado. Quando abri a porta fiquei assustado, quase dei meia volta para reclamar, mas fiquei parado na porta olhando e pouco a pouco a sensação que aquilo seria divertido entrou em mim. E foi, mais ainda quando ouvi o apito do primeiro trem que passava não longe dali. 

Procuro tirar proveito de tudo, até do que não foi legal, mas poucas vezes na minha vida tive uma sensação tão negativa, tão desagradável como a que este quartinho de Paris me deu  A história toda começa pelas fotos que divulgaram do lugar e dos comentários divulgados no site. Como tudo nesta vida fotos podem se mostrar uma verdade escondida ou criar uma mentira patente. Sai do quartinho tão desgostoso que sequer lembrei de tirar fotos para registrar, mesmo já tendo certeza que dali sairia este texto.

Sobre os comentários em poucas palavras nas redes sociais tenho dizer que "depende". Depende de quem escreveu, mais que isto, depende de quais são as referências do autor do comentário. Mas definitivamente um comentário que preste não depende de poucas letras. Ai entramos no que deveria ser a definição de qualidade, que não temos. Não tendo é de colocar em dúvida a aceitabilidade. O que é aceitável está sendo discutido pela sociedade em cima de comentários curtos, frágeis e grossos. Estamos muito infinitamente longe de um consenso sobre limites do aceitável, se é que um dia teremos.  Este pode ser nosso maior risco de sobrevivência.

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