segunda-feira, 8 de julho de 2019

O ciclista trabalhador na contramão não tem outro caminho

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

É impressionante a quantidade de ciclistas passando pela contramão e na estreita calçada na av. Cidade Jardim esquina com a rua Dr. Mário Ferraz, a maioria trabalhadores de baixa renda voltando para casa. Moram do outro lado do rio e só conseguem ter acesso ao Centro Expandido, onde está a maioria dos empregos, por ai e assim. A enorme ponte estaiada, orgulho paulistano, está exatamente em frente a grande favela Real Parque, poderia dar acesso ao corredor de ônibus e ciclovia Berrini, mas simplesmente não permite a passagem de pedestres e ciclistas. A ciclovia do rio Pinheiros que passa sob a ponte também é inacessível ai. O número de ciclistas indo ao trabalho pela contramão da Marginal Pinheiros entre a favela e ponte Cidade Jardim também impressiona. Para os pedestres resta ou longa caminhada até a ponte mais próxima que está longe ou encarar lotados ônibus. CPTM também está do outro lado do rio. É assim para boa parte dos moradores do lado de lá do rio Pinheiros. O problema é mais ou menos igual em todo São Paulo, mas quem se interessa? A mobilidade paulistana é tratada pontualmente, como no caso recente dos patinetes, e não com uma visão séria, realista, para todos, que vise resolver problemas macro que são ou vão se tornar crônicos.


A ciclovia rio Pinheiros não só poderia, como deveria, ter acessos em todas as pontes para evitar que ciclistas se lancem ao perigo da Marginal, o que fazem hoje e é fácil de comprovar. Várias questões dificultam a instalação destes acessos: custo e falta de espaço talvez sejam os principais O poder decisório olha qualquer projeto pelo lado custo / benefício. Não temos ainda a cultura do custo hoje / benefício futuro no que diz respeito a mobilidade. As demandas imediatas são enormes, como a dos transportes de massa, e no meio da crise brutal que vivemos a decisão cai sobre o prioritário urgentíssimo e nada mais. Acessos e pontes para ciclistas custam muito e são difíceis de justificar para o povão. "Vão gastar com bicicleta e não vão consertar buracos no corredor de ônibus", para citar um mínimo exemplo.

Alguns acessos poderiam ser resolvidos de maneira não convencionais, sem grandes gastos ou obras, o que o poder público não costuma aceitar por razões legais e outras mais. Infelizmente há um forte corporativismo em torno da mesmice, e bota mesmice nisso. Bom exemplo pode ser do acesso a ponte e avenida João Dias, hoje uma realidade criada pelos ciclistas. Eles abriram um buraco na cerca, passam por estreito espaço entre as paredes da ponte, pulam esta parede e cruzam dois acessos de alta velocidade da marginal para bairros de baixa renda: Jardim São Luís, Jardim Ângela, Capão Redondo, Campo Limpo, Taboão... O número de ciclistas aí só faz crescer. Houvesse flexibilidade por parte do poder público seria possível oficializar este acesso com obras e ações de engenharia de trânsito, mas não há, e estamos a um ano luz disto. Os ciclistas continuarão a se arriscar muito neste local para seguir viagem com segurança e rapidez pela ciclovia, que é a maior parte de seus trajetos, num cálculo próprio de custo / benefício bem sensato. Situações como esta se repetem por toda cidade, com diversos graus de periculosidade. 

Na outra ponta da ciclovia do rio Pinheiros, ao lado da ponte Jaguaré, uma passarela que ligaria ao Parque Villa Lobos e ao Jaguaré e Osasco, caminho de vários trabalhadores, permanece desmontada e jogada ao relento faz muito. Está debaixo do viaduto que cedeu faz uns meses, em frente ao Parque Villa Lobos, por onde acessariam os ciclistas. Talvez quando for consumida pela ferrugem digam que não serve mais e abram uma nova licitação para um novo acesso, o que não seria o primeiro caso do gênero.

"Todos somos pedestres", sempre diz Reginaldo Paiva

Mesmo todos sendo pedestres o poder público não foi e continua não sendo capaz de resolver problemas crônicos dos pedestres, que são inúmeros, dos mais diversos tipos, alguns graves.
As calçadas que ligam a Estação Vila Olímpia CPTM, que está na Marginal Pinheiros, ao interior do bairro são muito estreitas e obrigam os pedestres trabalhadores a caminhar no meio das também estreitas ruas. Em horário de pico o que se vê é um absurdo que demandaria medidas urgentes, mas nada. Ao lado da estação há um acesso à ciclovia do rio Pinheiros por meio de uma perigosa escada que já causou vários acidentes com ciclistas usando sapatilha com taco. Também é óbvio que os ciclistas entram em conflito com os pedestres. O detalhe é que a rua é indicada como um dos acessos dos carros à marginal. Enfim, viva o caos. Que se dane os pedestres.

Pedestres e ciclistas têm seus caminhos naturais que na medida do possível devem ser respeitados. Normalmente é o caminho mais curto e sensato. As cidades onde a mobilidade ativa está sendo construída com bons resultados dá prioridade a pedestres e ciclistas, nesta ordem. Aqui não. O fato é que nossa engenharia de trânsito ainda é obsoleta, rodoviarista, muitas vezes perigosa, muito perigosa. E estou sendo bonzinho.

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