segunda-feira, 20 de março de 2017

Chove ou não chove?

De um tempo para a vida: pare, fique em silêncio e olhe em volta.

Aprendi a olhar. Olhar a paisagem, o céu, sentir o ar e por causa da bicicleta saber se vai chover e em quanto tempo. Quarenta anos de prática e o simples ato do prazer de viver e sentir a vida ao redor. Tornou-se difícil que eu seja pego de surpresa e tome uma chuva inesperada. Vou pedalando e olhando tudo, não só o caminho, os buracos, os carros em volta, vou vivendo a rua, vivendo a bicicleta, vivendo.
Sempre tive muita inveja de pessoas que tem um dom especial para ver e entender a natureza, a vida. Em 1975 estava num navio cargueiro indo para os Estados Unidos e na altura de Pernambuco vi jangadas a 54 milhas náuticas da costa - sim, 100 km! A tripulação disse que não comum encontrar jangadeiros tão distante da costa. Nada de bússola ou qualquer outro instrumento de navegação, tudo no olhar, no sentir, viver o mar, o céu e as estrelas.
Ouvi várias histórias mágicas e reais sobre jagadeiros, pescadores e mateiros.  
Na Segunda Guerra Mundial um avião caiu no mar próximo de Recife ou Natal. Vinha com documentos e material militar importante e a Marinha foi atrás. Passados uns dias de buscas e nada. Num bar do porto um marinheiro ouviu um jangadeiro contando que sabia onde estava o avião. O marinheiro foi ao comando, falou com o comandante que mandou trazer o jangadeiro. O jangadeiro confirmou que sabia exatamente onde estava o avião, mas que só conseguiria ir até lá na jangada e foi para o mar com um navio seguindo de longe. E posicionou o navio em cima do avião desaparecido. Era tarde, colocaram uma boia que na tempestade da noite se soltou. Pegaram o jangadeiro de novo que disse que agora ele sabia ir de navio. Voltaram lá e de novo ele posicionou o navio sobre o avião. 
Jorge sempre pegava um jangadeiro experiente quando queria mergulhar em uma grutas de alto mar. Não tinha erro, o jangadeiro ia no ponto exato do mar de São José da Coroa Grande, Pernambuco, bem longe da terra. Um dia quando Jorge veio a tona depois de um longo mergulho o jangadeiro disse "Seu Jorge, é melhor voltar. Vem chuva feia". Jorge sentou na jangada olhou em volta e não viu nada. "Vou dar mais um mergulho rápido e vamos", disse Jorge e ouviu como resposta "Vai vir chuva forte", mesmo assim mergulhou. Passado pouco tempo o mar límpido ficou escuro. Jorge subiu rápido, mas a tempestade já estava lá. O mar ficou bravo, a jangada chacoalhava, subia e descia forte. e a visibilidade zerou. Jorge ficou apavorado e o jangadeiro com sua calma habitual disse "Seu Jorge não se preocupe, daqui uns 40 minutos a chuva pára e estamos de frente para São José (da Coroa Grande)" Dito e feito. E Jorge nunca entendeu como o jangadeiro se guiou naquele mar.
Pedalando numa cidade não precisa ser tão bom, mas dá para aprender, basta parar e olhar, curtir a paisagem, deixar o corpo sentir a vida.
Numa das minhas saídas como Bike Repórter estava sobre a ponte Bernard Goldfarb justamente para ver como ia ficar o tempo. Olhei no sentido norte, para o lado do Pico do Jaraguá e vi literalmente uma parede marrom vindo rapidamente em minha direção. Exatamente como uma tempestade de arreia, mas de poluição. A sensação foi horrível, parecia um destes filmes americanos de desastre onde tudo vai desaparecendo. Tive que parar o trabalho. Outra vez, também como Bike Repórter, vi o céu com três níveis de nuvens passando rápido, cada uma num sentido. Lindo de ver, mas Geraldinho Nunes estava no helicóptero e chacoalhou um bocado. Vi mais umas poucas vezes tal fenômeno meteorológico.
Fora situações muito específicas, no geral é relativamente fácil ver o que vai acontecer com o tempo. A única regra que não preciso contar é que com vento muito forte ou chuva muito intensa não dá para continuar pedalando. Não há capa que segure.

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