Quantos não são os medos que
nos tiram felicidade ou nos atiram a falsos prazeres da vida? Por que esperar
tanto? Por que fazer o que não gosta? Por que não esquecer? Por que fazer o que
desagrada?
- Fé!
Rodovia Dutra:
- Por onde você vai? Mas é
muito perigoso.
- Aparecida do Norte? Porque
Aparecida do Norte? Romaria? Não sabia que você era destes.
- Destes? Que “destes”?
A primeira romaria foi para
Bom Jesus do Pirapora. Romaria? Não, viagem de bicicleta para descobrir o que seria
uma romaria. Descobri o que era uma viagem de bicicleta e até hoje não sei o
que é romaria. Basta a romaria nossa de cada dia com suas decisões, indecisões
e a necessidade de uma fé, qualquer que seja ela, para seguir em frente.
Numa Caloi 10 1978 azul clara
metálica com um bagageiro delicado em aço bem fino e cromado, com dois pequenos
refletores vermelhos embutidos numa tira de chapinha traseira também cromada, mochila
de lona verde ai amarrada, sai de casa, pedalei na rodovia Castelo Branco,
entrei numa estreita estradinha para Santana do Parnaíba, ainda cercada de
belezas verdes, e dali o puro prazer até chegar em Bom Jesus do Pirapora, ver as
festividades da Fé Cristã, coisa simplória bem diferente dos grandes, bem
montados e lucrativos eventos de hoje. Houve uma missa tradicional, sem
cantorias felizes que hoje me irritam, mas com todos acompanhando como
cordeiros de Deus, puro ato de Fé. Dormi no chão da praça em frente à igreja
cercado de fieis do povo todos enrolados em seus cobertores banhados por um
frio de rachar. Não havia outro ciclista, não que tenha visto, mas algumas montarias.
No dia seguinte tomei um pobre café da manha e segui pela Estrada dos Romeiros
sentido Cabreúva e Itu cruzando os romeiros que se encaminhavam para as
próximas missas e a tradicional festa. Fé, churrasco, dança, muita bebedeira; o
caminho da felicidade que pela eternidade ira persistir. Para a eternidade
também.
Foi uma romaria e tanto. Minha
bicicleta que o diga. Deus que me perdoe, mas fé nos pedais!
Aparecida do Norte?
Oportunidade do momento. E curiosidade pela festa da Padroeira. Estive duas
vezes na Basílica, a primeira ainda em construção e a uns três anos quando dei
uma entrevista para a TV Aparecida. Vale a visita, independente da fé ou Fé,
como queiram. Por que não Aparecida do Norte e rever os romeiros de outrora?
Primeira tentativa de ir
pedalando fracassada. Falta de confiança e calor, muito racha coco, mais que
aguento. Meia volta no trevo da rodovia Ayrton Senna com a estrada de Mogi com
rabo entre as pernas.
(Quantos não são os medos que
nos tiram felicidade ou nos atiram a falsos prazeres da vida? Por que esperar
tanto? Por que fazer o que não gosta? Por que não esquecer? Por que fazer o que
desagrada?)
Aparecida do Norte 2, segunda
tentativa, desta vez pela Dutra. Dutra? Calma, é um passeio, não é pagamento de
promessa (pagamento é ótimo). A primeira tentativa, pela Ayrton Senna, teve uma
boa dose de pirraça, esta segunda foi toda seja o que Deus quiser. Melhor. Bem
melhor, na Dutra.
Pinheiros, Centro, Vila Maria
e suas curvas simpáticas que levam até Vila Sabrina e Jardim Brasil (Terminal
de Carga Fernão Dias), cruzar pelo viaduto a Fernão Dias para Guarulhos, av.
Guarulhos, av. Monteiro Lobato, av. Papa João Paulo I, e deixar o pior da Dutra
para trás. O que veio daí para frente foi uma grata surpresa: a Dutra é muito
mais fácil e agradável de pedalar que eu poderia imaginar; pelo menos até São
José dos Campos. Mais cheia de caminhões, que se diga, mas respeituosos.
Os romeiros continuam mais ou
menos os mesmos. Pés doloridos, bolhas, passo torto ou mancado, roupas simples,
camisetas comemorativas, algumas bandeiras e uns poucos carregando a Santa ou
bandeiras. Boa parte vai em grupo, sempre tempo para longas conversas. Aqui e
ali um deita na grama e ali fica com suas dores.
Muitos romeiros caminhando
pela pista, mais do que eu esperava. Para “mim”, ciclista, bom e ruim. Bom
porque os motoristas ficam muito mais atentos e cuidadosos. Há grandes faixas
avisando sobre os romeiros espalhadas pela rodovia. E ruim porque se tem que
ficar fazendo ultrapassagens, ou, pedalando mais próximo da pista. Conforme o
número de romeiros crescia a situação para mim, ciclista, foi piorando até
ficar chata um dia antes do Dia de Nossa Senhora da Aparecida, dia 12 de
Outubro, quando os caminhantes praticamente desapareceram e o acostamento foi
tomado por ciclistas, muitos deles, zoológico completo.
São uns 180 km, que teria
feito em dois dias de pedal com tranquilidade. Tive sorte com o vento fraco e
constante de popa. Fiz em três etapas, São José dos Campos, onde parei dois
dias para ver amigos; Pindamonhangaba, onde parei numa maravilhosa pousada e
andei de trem, e um bate e volta Pinda – Aparecida – Pinda, indo pela Dutra e
voltando pela Estrada da Luz, SP 062, estradinha de mão dupla paralela à Dutra
com asfalto, acostamento e vista divinos, e bem pouco trânsito.
Segui a recomendação de dois romeiros
que já fizeram a romaria umas 5 vezes: se quer tranquilidade chegue em
Aparecida um dia antes, de preferência antes do final da tarde. A noite entre o
dia 11 e 12 a cidade vira uma festa lotada e muito animada e no dia 12 de
Outubro Aparecida vira um formigueiro. Tem gosto para tudo.
2017 será a comemoração dos
300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora por um pescador. Para quem
gosta de ver grande festa popular vai ser uma beleza. É bom começar a organizar
tudo desde já.
Cheguei em Aparecida dia 11
cedo e ainda peguei a Missa das 9:00 h. Muito tranquila, me fez lembrar a simplória
celebração de Pirapora em 1978. Salve Nossa Senhora. Salve Renato Teixeira –
“sou caipira pirapora, Nossa Senhora de Aparecida, ilumina a trilha escura,
ilumina minha vida...” (maravilhoso)
Quantos não são os medos que
nos tiram felicidade ou nos atiram a falsos prazeres da vida? Por que esperar
tanto? Por que fazer o que não gosta? Por que não esquecer? Por que fazer o que
desagrada?
Fé na vida.
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