Creio que já
no dia seguinte acompanhei meu avô ao trabalho, no centro, e descemos do micro
(ônibus) na esquina da Santa Fé com Florida. Ali estavam estacionados vários
mini-carros, do tamanho ou mesmo menores que o Fiat 600. Maravilhosos Goggomobile,
Isetas, Bianchis... Eram meu tamanho. Calle
Florida era um mar de gente vestidos de maneira sóbria, formalmente educados,
cumprimentando-se e perguntando sobre familiares com naturalidade. Eu era
apresentado pelo velho Arturo, meu avô, a todos com orgulho. Um dia teve que ir
ao banco e providenciou meu primeiro blazer e gravata, ou eu não
poderia entrar no banco, mesmo sendo uma criança de 11 anos.
As formalidades
eram muitas, voltadas para o acolhedor. Foi nesta estadia, em La Plata, que meu
avô me ensinou a dirigir numa rua ou estrada secundária. De noite, já debaixo
dos lençóis, ele veio me parabenizar pela primeira vez ao volante e também para
dar um conselho que marcou minha vida de condutor: “Lembre-se sempre que para conduzir
(dirigir) bem você deve evitar usar os freios”. Verdade pura e absoluta.
Uns anos
mais tarde voltei, já com carteira de habilitação, e tive o segundo aprendizado
prático sobre condução ao estilo porteño : “Vai! (não freia)”. Buenos Aires é
uma cidade planejada, quadriculada. As avenidas tinham os semáforos em “ola”(onda)
e se o carro mantivesse uns 50 km/h praticamente seguia-se sem parar. Nas ruas estreitas dos internos de bairros eram raros os semáforos e fazia-se a aproximação da esquina aliviando o
acelerador e ajeitando para passar pela frente ou por trás do veículo que
cruzava. Parque de diversão! Também foi lá que aprendi que espelho e seta são simples
acessórios quando se sabe mudar de direção com suavidade. Play the game! Tive a
melhor escola possível, principalmente para minha opção pela bicicleta. Ciclismo
é a arte da suavidade. Usou o freio perdeu energia, quebrou a inércia, cansou,
aumentou os riscos. Depois daquilo qualquer trânsito virou brincadeira.
Buenos Aires
e Argentina começaram a afundar muito antes da Guerra das Malvinas, ou
Falklands, como queira. Havia distorções sociais claramente notáveis, mesmo que
tudo parecesse muito normal e equilibrado. Não era sequer necessário sair do
seu grupo de amigos ou mudar de nível social para perceber uma deformação no
ar. Como um país tão bom, rico, educado, pode ter se enfiado na truculência política
dos anos de chumbo? Fácil explicar. Basta lembrar o trânsito de então.
Não tive
meus cabelos cumpridos raspados a força numa delegacia por que na hora H soltava
o português de turista perdido. As histórias de Lopes Rega, El Brujo, e
Isabelita mais parecem Kafka, que hoje em dia, nos tempos repetitivos de
Cristina, são tão citados. As conversas, de todos, eram truculentas, radicais, apaixonadas,
muitas vezes quase psicóticas, mistura de fé inabalável, igreja católica ortodoxa,
e complexo de inferioridade bem educada. Como o trânsito, fluente, caótico,
veloz, tão organizado com em uma corrida de pretendentes saudosistas de Fangio.
Os acidentes eram brutais, com carros simplesmente desintegrados em plena
avenida Libertadores (ou em qualquer outra via, expressa ou não). Os carros
seguiam amassados, mas seguiam.
Venceram,
cada um a seu tempo e forma, os radicais, a bem dizer os fascistas, todos, de
todos tipos e credos, principalmente os populistas, os peronistas de todos
tipos e credos. Vi o país perder lentamente a pujança do passado, despedaçada pela
saudade, ilusões, mentiras, como uma mão que prende na moenda, e vai levando o
pulso, antebraço...
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