quarta-feira, 22 de maio de 2013

Assis Ribeiro / Radial Leste / Faria Lima


Às 5:30h já estávamos na esquina da av. Assis Ribeiro, São Paulo, Zona Leste, com a av. Santos Dumond, Guarulhos, uma dos pontos de passagem de operários ciclistas mais significativos da Grande São Paulo. A ponte é estreita, com três faixas de rodagem, uma única e muito estreita passagem para pedestres, e uma massa de trabalhadores cruzando para lá e cá. Do lado paulistano logo ali, um pouco mais abaixo, a estação CPTM Emerlino Matarazzo na Assis Ribeiro e o seu corredor de ônibus informal que vem dos cafundós sabe lá de onde. Em Guarulhos o trabalho no setor industrial. Ocorrem fortes espasmos de gente a pé e em bicicleta que procuram sobreviver os 550 metros de cruzamento da ponte-viaduto sobre a linha do trem da CPTM, rio Tiete e seu parque ecológico, e a sempre congestionada Rodovia Ayrton Senna.

Para cruzar os ciclistas vão por onde dá espaço. Mão, contramão, pedalando junto aos pedestres; dando de frente com o trânsito, carros, ônibus e principalmente caminhões dos grandes; espremidos entre as grandes rodas e cano de escapamento fumacento e a barreira de concreto, algumas vezes inclinando a bicicleta para o guidão não enroscar na carroceria. Quando o semáforo fecha os mais afoitos espremem-se no meio da faixa dos veículos, já um tanto acostumados e complacentes. Vem uma scooter de frente, que desvia do ciclista na contramão e vai para contramão e dá de frente com um caminhão articulado que entra na ponte. Ninguém fala nada, tudo bem, seguem em frente, a vida continua.
Quando chegam ao meio da ponte, e a descida para Guarulhos, soltam os freios e vêm desembestados para seguir na contramão ou, quando dá, cruzar para a mão ou canteiro central da avenida. Na volta será o mesmo. E assim por diante.

A maioria é de trabalhadores de carteira assinada, provavelmente também pais de família. Aquilo ali é uma loucura completa, mas enfrentar aquela guerra diária já não faz mais perigo. A pressa do dever não permite. Eles querem chegar e só. Tudo o que não se pode é chama-los de loucos ou irresponsáveis. Eles usam a bicicleta na condição que dá; só isto. E o fazem com maestria.
Não posso parar de rir do discurso de criança assustada dos ciclistas almofadinhas que circulam nos Jardins, Centro Expandido e um pouco mais além; São Paulo chique. Passa um filme sobre todas periferias que vi e pedalei. Sinto inveja e admiração por destes ciclistas “pé de chinelo”. Aprendi muito com eles e ainda tenho que aprender. Segurança no trânsito também é estruturado pelo instinto de sobrevivência. Lembro que sempre repito nas palestras “Quem só pensa em perigo não tem tempo para ser seguro”. Está lá a prova. Aquela situação é um horror, um crime contra a população, mas também é um certeiro aprendizado.

A equipe do SBT, que está ali por minha causa, fica fascinada com a baderna. Material de primeira.
Seguimos para a Ciclovia da Radial Leste, onde queria eu mostrar a eles, SBT, os problemas de uma ciclovia que estaria abandonada pelos ciclistas: entre uma via expressa e uma parede, praticamente sem acessos, barulhenta, poluída, desagradável - vazia. Paramos debaixo da Estação Guilhermina-Esperança e ai, para minha completa alegria, passam vários ciclistas disparados, muito mais rápidos que o congestionamento da via expressa. Para mim notícia melhor não pode haver. Todos que ali foram fazer vistoria afirmavam, não faz muito, que não viram um ciclista sequer, dinheiro jogado no lixo. Não é mais. Prova que o uso da bicicleta segue crescendo mais firme e forte do que imaginamos. Aviso aos navegantes, ninguém para mais a bicicleta.  

O trânsito de carros é infernal. Uma hora e meia em 14 km de Radial Leste até o Centro. Experiência horrível.  Da Penha até a estação do Metro Tatuapé a ciclovia continua, mas ai vazia. Onde foram parar os ciclistas? Pelo menos terminaram o que faltava e a ciclovia não está mais interrompida. Falta ser concluída até o Centro. De carro é impossível, deprimente.
Chegamos na av. Faria Lima. Lei de Murphy, nos primeiros momentos não se vê um ciclista sequer. Só uma brincadeirinha do destino. Logo passa por trás do câmera, que ainda monta o equipamento, uma alta, linda e chique menina pedalando uma feminina. Como fada madrinha depois dela os ciclistas reaparecem num zoológico completo. Ninguém mais para a bicicleta em São Paulo. Trabalho realizado.

Mesmo a tristeza de ter perdido minha câmera fotográfica tira o tesão do que vi. Sobrou a filmadora.


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