sábado, 22 de agosto de 2020

Pequenas vilas turísticas cortadas por estradinhas

Esta primeira foto, que já publiquei, é da estradinha que corta o centrinho de Maringá, RJ. Posso bem imaginar a confusão que deve acontecer nesta estreita estradinha nos fins de semana, além de toda poluição visual chamando para os negócios. Vi a loucura em Penedo, que muito mais maior e ampla. Vê-se o mesmo em inúmeras cidades turísticas do Brasil. 

Procurando fotos para ilustrar o que penso acabei descobrindo que não tenho nenhuma, mas me lembrei de Mont Saint-Michel, na Normandia, França. Desde que Tina e Mané foram para lá no final dos anos 70 eu sonhei conhecer. Havia um misticismo, fantasias girando minha imaginação; a mágica de só ser possível entrar em Mont Saint-Michel com maré baixa, de suas vielas apertadas, do vento frio que gela as entranhas, e outros fatos tirados dos contos que ouvi dos dois na mesa de almoço, arroz, feijão, farinha, couve, linguicinha torradinha e ovos fritos, logo depois de sua volta a casa. Virou realidade que ficou flutuando encantada nos meus sonhos. Depois de longa e incerta espera uma decepção. Os caminhos estreitos de chão de pedra entre construções medievais de poucas e acanhadas janelas, entre escadas, que sobem para maravilhosa igreja abacial de São Miguel e a vista que se tem de seus altos muros estão cheios de vendinhas, penduricalhos, pega-turistas, restaurantes 'típicos' e outras baboseiras mais. Se um dia houve um quê de boa fé, mística e alquimia, ajoelhou-se ao turismo com as bençãos da água quente encanada e o aquecedor para curar os males do frio e o mofo. Já na chegada, no lugar de esperar a maré baixar para alcançar a entrada a pé, não raro com eles molhados, como um rito de passagem, andar sobre as águas gélidas do mar do norte, há um imenso estacionamento de carros e ônibus turísticos pavimentado, seco, como às portas de hipermercado lotado, mau presságio. Turismo indiscriminado de massa, gente olhando rapidamente toda aquela história, um pouco mais cuidadosamente para os badulaques, e com muito cuidado para localizar onde fazer os melhores vários selfies. Terminados os selfies de volta ao conforto dos ônibus e carros, descendo, comprando lembranças, besteiras, muitas igualzinhas a de qualquer outro lugar do planeta. Made in China.
Lá, aqui, acolá, em todos lugares que dá.

Desci do bonde - VLT - vindo da simpática Mestre e cruzei o canal pela ponte de vidro, a Ponte da Constituição, que dá para a estação de trem Santa Lucia de Veneza; e de lá pretendia ir a Praça São Marcos pelas estreitas ruas entre comércios pega turistas, todas iguais, qualquer que seja o caminho mais direto para a cereja do bolo. Pretendia. Dei alguns passos numa 25 de Março em época de Natal, dei meia volta com dificuldade para me mexer e quase voltei para Mestre. Não tenho foto, mas guardo a imagem com horror. Turismo? Pega turista é mais apropriado. Felizmente Veneza está muito perto de dar um basta limitando o acesso de turistas à belíssima cidade histórica e patrimônio da humanidade. Não é a única cidade que sabe que a situação passou e muito dos limites. Turismo sim; farofeiro, como dizemos no Brasil, inclusive os endinheirados, não. Precisa ter algum valor agregado, precisa ter qualidade, não dá para continuar do jeito que vem há muito.
Acabei dando sorte, porque em vez de voltar emburrado para o hotel, vi que a lateral da estação ferroviária estava vazia, entrei por lá para a Veneza dos fundos, a dos moradores, não turística, que é belíssima, calma, instrutiva e principalmente vazia, cheia de vida. Perto da igreja de San Francesco della Vigna com sua torre tão torta quão a Torre de Pisa e a beira da vista da ilha do cemitério de San Michele, acabei almoçando num restaurante popular, Osteria Ale Do Marie, para trabalhadores e peões locais; ótimo. Queria mesmo encontrar o pequeno restaurante e muito simples a beira do mar que almoçou o saudoso Anthony Bourdein.
A foto abaixo não passa nem perto da situação que vi depois da ponte de vidro, mas retrata um pouco do caos que estão estes caminhos para a Praça São Marcos. Pergunto: qual a diferença para um shopping center? Talvez as pizzas que tem uma cara muito melhor, mas no geral...
Em Las Vegas tem um shopping que imita os canais de Veneza, mas lá é o desvario que reina e vale. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa; e como é!

De volta a Maringá e olhando e foto seguinte, de uma cidadezinha na Áustria, o que chama a atenção é a limpeza e principalmente a inexistência de fiação aérea e postes. Rua ou apertada estradinha que corta qualquer centro de cidadezinha europeia é construída num plano só, sem meio fio, com piso perfeito, liso, pensado para dar boas vindas aos pedestres, quando muito com uma diferença de textura indicando o caminho dos carros, em boa parte nem isto. A prioridade é total para o pedestre, incluindo idosos e deficientes, e muito depois para ciclistas que tem permissão de circular se e quando o local tiver poucos cidadãos caminhando ou sentados em mesinhas. 



Carro estacionado numa via tão estreita, com em Maringá, nem pensar. Em muitos casos nem mesmo os carros dos moradores podem entrar no centrinho, ficam estacionados fora. As entregas de mercadoria ou são feitas em horários muito específicos, quando todos e tudo param pacientemente atrás do furgão e aguardam pacientemente; o que se vê numa micro vila da Itália ou em Paris. Ou as entregas são realizadas em carrinhos de mão com furgão ou caminhão deixado estacionado fora do centrinho. Em Roma antiga, antes de Cristo, já se usava um sistema de entregas com horários determinados e cumpridos. 
Durante o dia, quando a vida se faz presente, em algumas situações especiais previamente autorizadas carros, motos, scooters, bicicletas e qualquer outro veículo, motorizado ou não, passam pelo meio do povo a passo de tartaruga. Como detalhe, a água da chuva escorre pelo meio da rua, o que facilita a entrada nas lojas, restaurantes, cafés, hotéis e poucas residências. Tudo é pensado para o máximo prazer e segurança no uso do espaço público.



Ter uma paisagem destas poluída por postes, fiação, e um outdoor do tamanho de um bonde que a noite só dá ele é de uma burrice sem tamanho. Lembrem que aqui em São Paulo quando foi imposto o Cidade Limpa foi uma gritaria de todos lados, e depois de retirada toda a poluição visual todos perceberam que a cidade ficou muito mais leve. No turismo isto é básico, essencial, faz toda diferença no valor agregado do local, portanto em sua rentabilidade.

A paida é que terminei este texto quase a meia noite e fui dormir e tive um pesadelo que estava viajando num lugar nos USA bem pega turista e fui rapado. Levaram tudo, minha bagagem, minha barrinha de alimentação, meus tênis, celular... Acabei ficando só com a carteira e rindo. Trouxa tem que rir para não chorar. Quando acordei ficou claro que só faltou dizer que turismo de massa é prato cheio para ladrões.

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