quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Casa bola da rua Gália e outras arquiteturas

Sempre que possível procurei e continuo procurando fazer caminhos diferentes ou desconhecidos. Nesta brincadeira acabei conhecendo não só São Paulo, mas boa parte das cidades por onde passei, caminhei ou pedalei. Foi e continua sendo um despertar de emoções, a maioria boa.

Por causa de uma série de lesões nos joelhos e pés tive que redescobrir o correr a pé e por isto acabei descobrindo as poucas trilhas em terra dos poucos parques que temos em São Paulo, Capital. Uma delas, minha preferida, é a do Parque Alfredo Volpi. Para chegar lá cruzo o rio Pinheiros, olho a vista ampla com o Pico do Jaraguá ao fundo, o que por si só já vale sair de casa, e pego a avenida do Jockey direto até o parque.

casa bola pintada em vermelho, no meio das árvores
Vez ou outra pedalo um caminho mais longo e puxado subindo ou em linha reta para os fundos do parque ou dando uma voltinha na rua Gália onde se encontra uma das casas bola do arquiteto Eduardo Longo, um dos ícones da arquitetura brasileira. Pode ser melhor vista através de um terreno baldio cheio de samambaias que está nos fundos da casa, na rua Sarabatana, ou parcialmente de um ponto encostado no muro do Jockey Club a uns 300 metros da Francisco Morato. A outra casa bola, bem mais conhecida e fácil de se ver, fica a esquerda da rua Amauri, a terceira construção depois da esquina com av. Faria Lima. As duas casas bola fazem parte de uma época de ouro da arquitetura brasileira que merece ser redescoberta.
vista dos fundos da primeira casa bola, a da rua Amauri. 
Durante muitos anos nem percebi a existência da casa bola da rua Gália porque do outro lado da rua está uma das mansões paulistanas pela quais tenho paixão.
casa bola vermelha, no centro e acima
Com uma construção de tempos passados, provavelmente muito anterior a da casa bola, lembra ou foi uma casa de fazenda no meio de um vasto terreno, que ainda hoje com seus muros baixos permite o deleite do belo e bem cuidado jardim. De seus terraços a vista do Jockey, do rio Pinheiros, dos Jardins e da Paulista deve ser maravilhosa, daquelas que cura qualquer mau humor. Seus moradores viram de camarote uma transformação impressionante e assustadora nesta cidade que nunca para de crescer.

Um pouco mais a frente, na mesma rua Gália, fica uma descomunal mansão projetada por Rui Otake, hoje desabitada por conta de um processo na justiça contra seu dono, o banqueiro proprietário do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira. Tem 4,5 mil metros quadrados de construção e ocupa um terreno de 12 mil metros quadrados, todo o quarteirão menos um lote. Como está na justiça a obra de Rui Otake tem toda chance de se perder como tantas belas obras arquitetônicas se perderam. 
mansão Safra a esquerda, mansão Edemar a direita
Do outro lado da rua, frente a frente com mansão Edemar Ferreira, escondida atrás de um muro alto, intransponível, fica a mansão do Safra, a maior construção residencial de São Paulo e provavelmente do Brasil, com seus 11 mil metros quadrados de construção, cinco andares, 100 cômodos, 125 banheiros.... O próprio Safra considerou-a um "exagero". A bem da verdade passar entre as duas casas é estranho para quem sabe o que há por trás dos muros. Não faz qualquer sentido. Para os simples mortais só vale a vista para os Jardins e Paulista que se tem da esquina à esquerda.

Atrás do Parque Alfredo Volpi há um quarteirão com edifícios, uma das muitas histórias estranhas desta cidade. Era proibido construir edifícios lá. Conta-se que... o Prefeito Jânio Quadros derrubou esta proibição contra a vontade de todos. As construtoras entraram rapidamente na Prefeitura com os seus projetos e quando a liberação foi derrubada na justiça uns meses depois as construtoras já tinham direito adquirido e foram em frente com seus projetos. A gritaria foi geral, mas já era fato consumado. A minha forma de contar o que aconteceu pode estar errada, mas os edifícios estão lá, e não se fala mais nisto. Aliás, o Hospital São Luís também. 

O bairro está cheio de belíssimas casas que pouco podem ser vistas, o que é uma pena, senão uma tragédia cultural, mas o pouco que se vê vale a pena. É um sobe e desce suave, trânsito tranquilo para ciclistas, com poucos carros circulando, muito verde, muita sombra, ótimo para o espírito, um bom treino e deleite cultural. É o registro de um momento da história do Brasil que crescia e enriquecia não só financeiramente.  

São Paulo ainda é de uma riqueza arquitetônica talvez incomparável. Muito se perdeu, muito mesmo, mas ainda vale a pena se perder por ai.


Só mais uma coisa: boa parte deste patrimônio está se perdendo porque o IPTU é muito alto e os tempos são outros. Sim, é certo, são propriedades de famílias ricas, mas também é líquido e certo que destruir um patrimônio que no fim das contas é da cidade, do país, porque é cultural, histórico, é de uma burrice sem tamanho. Não posso imaginar o que propor, mas sei que dá forma como está não funciona.

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